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sexta-feira, março 29, 2024

Especial Anônimas: Uma mulher sem casa não tem paz

Esta é a segunda parte do Especial Anônimas, uma série de cinco perfis de mulheres refugiadas que vivem em São Paulo. Os textos foram feitos pela jornalista Lu Sudré, mais nova colaboradora do MigraMundo, para o livro “Anônimas”, publicado por ela como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Jornalismo da PUC-SP, em 2015. As histórias e imagens foram cedidas com exclusividade para o MigraMundo.

A série traz histórias de mulheres refugiadas que lutam para reconstruir as próprias vidas longe da terra natal. Os nomes das personagens são fictícios, para preservar a identidade de cada uma delas, ao mesmo tempo em que é possível abrir um pouco a mais a mente sobre as migrações a partir de seus relatos, dramas e superações.

Mate: Uma mulher sem casa não tem paz

Por Lu Sudré (texto e fotos)

Existe um encantamento em relação à gravidez: A ansiedade da espera, preparar a casa, o quarto, o enxoval do bebê. Chega a ser um ritual coletivo. A família inteira, desde os pais ao tio-avô, quer saber como foi a última consulta, como será o parto, e, se possível, que dia a “encomenda” chegará. Estranhos comentam sobre a barriga da grávida e como ela está com um brilho que só acontece neste momento. E quando a cria chega, é flor, foto e carinho pra todo lado. Isto é o que geralmente ocorre quando uma mulher grávida dá a luz ao seu filho… Mas não foi assim que aconteceu com Mate.

Chegou da Nigéria com oito meses de gestação, o que a tornou mãe de um brasileirinho. Não sabia falar português e não sabia o que a esperava no Brasil. O que pode ser considerado um ato de loucura por muitos, foi um ato de sobrevivência para Mate e seu quarto filho que estava pra nascer, que aqui será chamado de Akin. O nome, na cultura nigeriana, significa “menino corajoso”. Suas outras três crianças, duas meninas e um menino, de 10, 8 e 5 anos, respectivamente, não vê há um ano e três meses.

A encontrei pela primeira vez no banheiro da Casa do Imigrante. Havia acabado de tomar banho, estava com um pente na mão, desembaraçando seus cabelos. Uma cena corriqueira e comum para todas as mulheres, mas o que chamava mais atenção em Mate não era ela e sim um lençol colorido, estampado, enrolado nas suas costas, onde carregava seu bebê. Foi meu primeiro contato com os olhinhos de jabuticaba de Akin.

Assim que começamos a conversar, um pouco receosa, Mate me pediu para esperar porque precisava trocar as fraldas de seu filho e depois me encontraria. Dito e feito. Depois de meia hora, a avistei na área de convivência dos imigrantes. Falando baixo e quase monossilábica no começo, me perguntou o que era o objeto que acabara de colocar em cima da mesa. Expliquei que era um gravador e perguntei se me permitia gravar sua voz. Disse que tudo bem, que não se importava, mas que gostaria de um como aquele para gravar às aulas de português.

Mate nasceu em Lagos, segunda maior cidade do país depois do Cairo, capital do Egito. Casou-se e mudou para Gana. Depois de alguns anos, decidiu voltar para a Nigéria, as condições do país vizinho não estavam muito diferentes. Foi aí que se mudou para Adamawa, um dos 36 estados que constituem a República Federal da Nigéria, localizado no nordeste do país. O país mais populoso do continente africano, com cerca de 174 milhões de habitantes, para ela, é amável. Terra rica em recursos naturais, com um povo bom, mas com “políticos que somem com tudo”. Sobre a necessidade de se tornar solicitante de refúgio, dizia que um “problema” fez com ela precisasse sair. Enquanto falava, a nigeriana olhava apreensiva para o celular, antes mesmo do relógio cantar os dez minutos de conversa, tivemos que interromper. “Desculpa, mas eu preciso ir embora. Eu não estou aqui agora. Minha mente está dividida em dois. Minha cabeça está lá fora, meu bebê não tem leite. Preciso arranjar dinheiro.”

Antes de sair, me passou seu número e agendamos outra conversa. Me prometeu que dessa vez duraria mais que dez minutos. Elogiei o pano amarrado em suas costas que servia de berço para Akin, que dormia profundamente. Aquele parecia o lugar mais confortável do mundo e Mate confirma que realmente é. “Carregar nos braços faz doer tudo, é muito pesado. Assim o bebe fica aquecido e é bem mais fácil, chama wrapa. Posso te ensinar da próxima vez que te encontrar, para você fazer com seus filhos”, disse dando risada. Ela não abre mão de sua cultura, apesar dos olhares curiosos das pessoas quando anda com seu filho na rua.

Mate* luta sobretudo pelo filho, Akin, que significa "menino corajoso". Crédito: Lu Sudré/Especial Anônimas
Mate* luta sobretudo pelo filho, Akin, que significa “menino corajoso”.
Crédito: Lu Sudré/Especial Anônimas

Akin é um bebê de sorriso fácil, encanta todo mundo. Quando um desconhecido começa a interagir com seu filho, Mate parece ficar desconfiada e responde com um sorriso amarelo. Todos os dias ela enfrenta a cidade de São Paulo sozinha, a pé, com seu neném, procurando trabalho e ajuda, principalmente da Cáritas, que doa o leite em pó de Akin. Não sabe em quem pode confiar ou não, toma todas as precauções possíveis. Assim que chegou aqui, com as economias que guardava trabalhando no setor financeiro de um colégio privado em Adamawa, a Cáritas a encaminhou para a Amparo Maternidade, instituição filantrópica de assistência a gestante pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

O centro de acolhida nasceu da concepção que nenhuma parturiente na cidade de São Paulo deveria ficar sem local adequado para dar à luz, disponibilizando moradia provisória para as mulheres. Foi lá que Mate passou seu primeiro mês. Foi lá também que conheceu uma das pessoas que ela julga estar entre as mais importantes da sua vida: A psicóloga Michele, que trabalha voluntariamente na Maternidade. Mate não sabe seu sobrenome, mas sabe que ela foi a primeira pessoa a ajudá-la. “Ela olhou pra mim, disse que era muita coisa pra uma mulher só e que se eu precisasse dela, era só entrar em contato. Me deu número de telefone, e-mail e até endereço. Ela é abençoada.”

Sem conseguir falar com seu marido pelo telefone, encontrou em Michele uma amiga. A visita, que acontecia pelo menos duas vezes por semana, era o momento mais esperado. Diz que Michele é como uma irmã mais velha, que aparece quando nós mais precisamos. “Ela tentou colocar um sorriso no meu rosto. Eu nunca vou esquecê-la na minha vida. Quando eu trabalhar e tiver dinheiro, vou comprar um presente pra ela.” No início, quando Mate não sabia falar nem um pouco de português, Michele traduzia e escrevia pra ela. A psicóloga era a única companhia e pessoa com quem a nigeriana conseguia se comunicar.

Seu filho nasceu dia 11 de outubro de 2014, na Rua dos Franceses, no Hospital Municipal Infantil Menino Jesus. E para ela, foi ele, Jesus, que fez com que tudo corresse bem. Foi assustador passar pelo parto sem sua família, principalmente sem falar a língua. Hoje seu português já dá conta do recado. Foi a algumas aulas, mas não conseguiu aprender a língua fluentemente porque não tinha ninguém para cuidar de seu filho. As limitações de ser uma mãe refugiada.

Mate, uma mulher simples, baixinha, com o cabelo curto e olhos negros como sua pele, diz não gostar de confusão e nem de pedir favor para ninguém. Seu tom de voz é baixo, calmo… só se altera quando seu filho, carregado pela wrapa, puxa seus cabelos sem ela esperar. Depois de um sonoro “Ai!”, traz Akin para sua frente e explica que ele faz isso para avisá-la que acordou, mas que bem que ele podia puxar o do pai um pouquinho também. Seu marido havia chegado há uma semana, também solicitante de refúgio e era o único motivo que a ajudava a manter a calma.

Quando nos reencontramos, lhe restava duas semanas para sair da Casa do Imigrante. Sem saber o que fazer, Mate relembrou-se de quando chegou ao Brasil: Também não tinha onde morar, aquela angústia era velha conhecida. Seu trajeto pela cidade seria diferente naquele dia: seu único objetivo era conseguir outro lugar para ficar. Assim que chegou em São Paulo, foi parar em um abrigo de moradores de rua. Ela aceitaria qualquer coisa, menos voltar para aquele local. “As pessoas se drogavam e estavam doentes, tossiam muito, fumavam, bebiam. Não é nem por mim, mas agora tenho meu bebê.”

A assistente social da Casa do Imigrante pediu para que ela procurasse o Centro de Referência Especializado de Assistência Social para População em Situação de Rua (CREAS), unidade da Barra Funda, para ver se eles disponibilizariam uma vaga para Mate e sua família. Me perguntou se eu a acompanharia e então poderíamos conversar pelo caminho. Fomos até o Terminal de ônibus Parque Dom Pedro II, próximo à Baixada do Glicério, e pegamos a linha 9300, que por sorte passava exatamente da Rua Norma Pieruccini Gianotti, nome que Mate balbuciava com dificuldade.

Durante o caminho, seu olhos queriam desvendar a cidade. A cada nova avenida do centro de São Paulo, uma pergunta. Queria saber o nome de todas as ruas e bairros pelos quais passávamos, e aproveitou para tirar as dúvidas sobre a cidade de pedra. “Onde fica Guarulhos?”, “Essa é a Avenida Rio Branco?”, “Aqui é a Sé?”. Quando entramos no ônibus, o cobrador a observou e sorriu para Akin. Quando demos sinal, Mate desceu pela porta da frente e não pagou passagem. “Dependendo do motorista, eles me deixam andar se pagar. Percebem que eu não sou daqui e que não tenho dinheiro. Mas uma vez tive que descer antes, porque não me deixaram passar. Mas se estou acompanhada de alguém que paga, eles deixam. Ainda bem que você está aqui hoje, porque não tenho nenhum dinheiro”.

Quando chegamos ao centro popular, nos deparamos com uma fila de moradores de rua em busca de uma refeição. O setor que atenderia Mate ainda não estava aberto. Tivemos que esperar por meia hora, mais trinta minutos de consternação para a nigeriana, que não conseguia pensar em nada além de sentir a aflição de não ter um teto para morar. Com os olhares dos homens que estavam no Creas, insistentemente invasivos para nos cumprimentar, preferimos esperar no banco de um colégio vizinho, onde crianças faziam uma roda e brincavam no páteo. Expliquei a situação para o segurança, que por conta de Akin, permitiu que entrássemos e aguardássemos.

O Boko Haram fez com que Mate* saísse da Nigéria. "Uma mulher sem casa não tem paz". Crédito: Lu Sudré/Especial Anônimas
O Boko Haram fez com que Mate* saísse da Nigéria. “Uma mulher sem casa não tem paz”.
Crédito: Lu Sudré/Especial Anônimas

Mate falava de como algumas ruas da Nigéria se parecia as de São Paulo, inclusive com a rua em que se localizava seu pequeno mercado, chamado “Treasure e Peculiar”, nome de suas meninas. Observou aquelas garotas brincando, com tênis rosa, uniforme e cabelos presos, lembrou de suas filhas, quando menores. “Treasure significa algo muito precioso. Peculiar é algo único, uma característica especial. Os nomes traduzem o que elas são”. Com muito cuidado, sem se expor, começou a contar qual o “problema” que a fez sair de seu país e a causa de sua saudade.

“Saí por causa do Boko Haram. Já ouviu falar deles? Eles são o problema da Nigéria. Único motivo que faz dela um lugar para não se viver”, contou, enquanto abria a fralda de Akin para checar se tudo estava certo. Não olhou diretamente para mim. Sua expressão mostrava desconforto, como se ao falar sobre isso, expusesse uma parte de sua vida que queria deixar escondida. Disse que era algo difícil de falar, difícil de lembrar e difícil de aceitar.

Não há como não conhecer as atrocidades do Boko Haram, grupo radical islâmico, fundamentalista religioso, que visa a implantação da lei islâmica, conhecida como Sharia. O nome, Boko Haram, significa “a educação não islâmica é pecado”, na língua Hausa, idioma do norte da Nigéria. O grupo surgiu em 2002, com seguidores que acreditam que a cultura ocidental reproduzida no país seria a principal razão de seus males. A partir dessa concepção, a erradicação dos valores ocidentais é o principal objetivo, além de fundarem a República Islâmica.

Com o passar dos anos, o grupo se militarizou e estabeleceu vínculos com a rede Al-Qaeda, organização fundamentalista islâmica internacional que disputa a geopolítica no Oriente Médio, responsável por inúmeros ataques terroristas. Em maio de 2014, o Comitê de Segurança da ONU adicionou o Boko Haram a lista de grupos considerados terroristas devido a sua relação com a Al-Qaeda, que inclui treinamento das milícias e suporte de armas. Ao me perguntar se eu conhecia o grupo, Mate deu a entender pelo seu tom de voz que os conhecia muito bem.

Cristã, não compartilha da mesma religião do grupo. E assim como muitas outras pessoas, não teve o direito de seguir sua religião. Mate resume algo muito complexo e distante para nós: “Ele são muçulmanos e querem que todos também sejam. Se você não pode fazer parte da religião deles, eles te matam. Exatamente assim.” Usando poucas palavras, Mate demonstra-se desconfortável a cada nova frase. A mulher que hoje não tem casa, também perdeu a que tinha na Nigéria. Foi incendiada pelo Boko Haram.

“Se você não concordar com o que pensam e eles estiverem no território, vão entrar na sua casa. E mesmo se você estiver dormindo, eles podem entrar antes mesmo que você perceba e queimam tudo”. Parou de falar e segurando uma das mãos de seu bebê, que agora estava quase adormecendo enquanto agarrava um de seus dedos, encarou as crianças que estavam brincando no páteo.

O Boko Haram atua principalmente no nordeste da Nigéria, onde controla a maior parte dos estados de Borno, Adamawa e Yobe. Viajar para outro estado da Nigéria exige muito dinheiro, coisa que Mate não tinha. Com pesar, a nigeriana relata que o grupo queima as casas sem se importar com as mulheres grávidas, e muitas perdem seus filhos ainda pequenos. Precisou vir para o Brasil para que seu filho tivesse a chance de nascer. “Eles sequestram, espancam as pessoas. Estupram as garotas. Se você sair, não é 100% de certeza que voltará vivo.”

Ela não disfarça o medo e o receio em falar sobre o Boko Haram. Acredita que eles são mais fortes do que o governo, e inclusive, já ouviu por aí que o próprio governo financia o grupo mas não tem certeza de nada. Não quer se comprometer. Com educação, Mate não conta nada específico. Agitada, busca encerrar a conversa a qualquer custo. “Eles estupram garotas pequenas. Eu não quero falar sobre o Boko Haram porque é complicado, faz com que eu me sinta mal e me faz lembrar de coisas que eu não quero lembrar. Vamos mudar de assunto, por favor”

Respeitando a vontade de Mate, o silêncio que veio a seguir conseguiu dizer mais do que quaisquer palavras. Naquele momento, não quis contar o que havia acontecido com ela e sua família detalhadamente, mas, saber que teve que deixar seu país, grávida e sozinha, é o suficiente para saber que passou por graves violações físicas, morais e psicológicas. Na tentativa de me explicar a gravidade da situação, Mate me perguntou: “Você já teve um problema como este?”. Dessa vez, quem se calou fui eu.

O grupo terrorista utiliza métodos radicais, incluindo a realização de atentados e sequestros com a finalidade de conquistar territórios. As mulheres e crianças são o principal alvo do grupo, pois a utilizam para barganhar e as negociam como escravas sexuais. Uma das ações mais notórias do Boko Haram ocorreu em abril de 2014, quando o grupo sequestrou cerca de 276 mulheres entre 16 e 18 anos em Chibok, no estado de Borno. Em novembro de 2015, o grupo destruiu cerca de 16 povoados no nordeste da Nigéria, deixando milhares de mortos e feridos. O país vive uma guerra entre os radicais e o exército nigeriano. O atual presidente, Muhammadu Buhari, diz que fará de tudo para combater as ações do grupo.

Segundo relatório da Anistia Internacional, no período de um ano (abril de 2014 – abril de 2015) o Boko Haram sequestrou pelo menos duas mil mulheres e meninas, matou cerca de cinco mil civis em 300 invasões e ataques durante seu avanço no nordeste da Nigéria, além de obrigar mais de um milhão de pessoas a se deslocarem. O relatório ouviu cerca de 200 testemunhas (incluindo 28 mulheres que foram sequestradas pelo grupo e escaparam), assim como autoridades do governo local, militares e outros.

As ações do grupo terrorista são consideradas crimes contra a humanidade. De acordo com a organização, o Boko Haram comete assassinatos, ataques a civis, atentados, incêndios e assaltos todos os dias, e seus membros deveriam ser investigados por crimes de guerra como tortura, estupro, violência sexual, escravidão sexual, casamentos forçados e recrutamento de soldados crianças. Os atentados ocorrem principalmente em escolas, igrejas e edifícios públicos. “Se você não acredita no que eu falo, procure na Internet. São atrocidades sem medida”. Os trinta minutos de espera haviam terminado e fomos conversar com a assistente social do Creas.

Mate disse “Oi” e entregou um documento da Casa do Imigrante, que explicava sua situação. As informações não eram suficientes, mas a assistente social não sabia falar inglês. Mate, claro, não sabia falar português o suficiente para entendê-la. O fluxo de pessoas passando e de telefones tocando pareciam deixar Mate confusa. Nenhum trabalhador do Creas estava preparado para auxiliar uma refugiada, nem entendiam o porquê dela ter sido encaminhada para lá. Mate me pediu para explicar a situação e ser sua intérprete. Não havia vaga para que ela pudesse ficar com seu filho e seu marido.

Nunca esquecerei seu rosto quando lhe disse que eles não poderiam ajudá-la, mas que pegariam o contato para caso conseguissem algum lugar. Ela disse obrigado e saímos do prédio. O desabafo e as lágrimas, ainda que tímidas, vieram de uma vez só. “Ontem eu estava chorando muito por causa da casa. Eu preciso de um lugar para morar, mas eu não consigo trabalhar por causa do bebê. O que eu vou fazer? Me pergunto todo dia: será que vou dormir na rua? Uma mulher sem casa, não tem paz.”

A nigeriana sente falta de sua antiga casa. A casa era imensa, alugada, com três dormitórios e com muito espaço para seus filhos brincarem. Enquanto caminhávamos para o ponto de ônibus para voltarmos a Baixada do Glicério, Mate dizia o quanto era sufocante não ter um lugar para dormir e não ter dinheiro para comprar nada, sendo que na Nigéria tinha tudo, principalmente seus filhos.

“Não quero lembrar disso agora, porque não tem solução. Dá última vez que falei com meu filho pelo telefone, ele disse que eu tinha o abandonado. Perguntou se eu não ia voltar.” Parece se arrepender de ter começado o assunto e diz que precisa ter uma mente livre para resolver os problemas daqui. “Quando você ama alguém assim, é difícil falar sobre.”

Meses depois a encontrei novamente, na sede da Cáritas. Esperava para pegar remédio para Akin, que havia sido internado com o diagnóstico de pneumonia mas já estava melhor. Estavam no abrigo do Sefras, também temporário, e ainda em busca de uma casa. Me contou que conversaria em breve com o advogado do abrigo, para tentar trazer seus filhos para o Brasil. Estava mais confiante do que da última vez, seu marido estava procurando emprego na área de assistente administrativo.

Sentada nas cadeiras de plástico na área coletiva da Cáritas, Mate opina que o governo brasileiro não precisa dar dinheiro para os refugiados, apenas um lugar para morar e oportunidade de trabalho. Com isso, eles conseguem todo resto. “Eu não posso nem pensar em futuro. Meu plano agora é conseguir uma casa e um trabalho, nada além disso. Não há tempo para pensar que eu posso aquilo e não posso aquilo. Minha cabeça e meu coração estão cheios”.

Continuamos a conversar, e, como ela mesmo declarou, já me considerava amiga da família. Com Akin no colo, ri e diz: “Esse menino está fazendo caca de novo?! As fraldas estão acabando!”. Depois de pegar o remédio, usou a wrapa para carregar seu bebê. Pelo centro de São Paulo, com seu filho em suas costas, a nigeriana caminha lentamente. Um destino incerto a espera, mas ela não pode fazer nada além de caminhar.

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