Começa hoje o Especial DF, uma série de quatro reportagens que serão publicadas semanalmente no MigraMundo, escritas pelo jornalista Rodrigo Farhat, sobre os imigrantes e refugiados que estão se fixando na região do Distrito Federal.
Por Rodrigo Farhat (texto e fotos)
Nam daud Rana era padeiro no Paquistão, antes de decidir tentar a vida no Brasil há quase um ano. Tem 43 anos e divide uma casa com outros quatro conterrâneos na quadra 429 de Samambaia, no Distrito Federal. Quando encontra trabalho, troca oito horas de seu dia por cerca de R$ 40. Já foi auxiliar em lava-jato, ajudante de cozinha em restaurante e entregador de compras em supermercado. Agora está desempregado. Apesar da dificuldade, continua altivo.
Já o fotógrafo Muzafar Ashrf, 30 anos, ao contrário de seu colega de casa, está de passagem comprada para voltar ao país natal. Não achou nada por aqui e se desencantou com o novo mundo prometido, “Aqui, os cristãos não me ajudam, apesar de professar a fé cristã. No Paquistão, os muçulmanos eram mais solidários.”
Zeeshan Ahmed, 24, tem a ourivesaria como profissão. Está no Brasil há quatro meses. Não encontrou ocupação, mas tem uma namorada brasileira e não pensa em retornar. Com ela, passeia de carro pela cidade.
Os paquistaneses estão entre os mais recentes solicitantes de refúgio chegados ao Distrito Federal. Levam vida dura. Vivem em casas pequenas, divididas com muitos compatriotas cheios de esperança como eles. O valor do aluguel é dividido entre todos, assim como o da alimentação. Nos primeiros meses de sua chegada, é comum quatro ou cinco pessoas dividirem um cômodo de 12 metros quadrados. Os espaços são escuros. As janelas permanecem sempre fechadas. Sacos de mantimentos, como arroz e cebolas, ficam espalhados pelo chão da cozinha. O ambiente é úmido, quente e carregado de emoções contraditórias. Raiva e medo, saudade e crença também moram ali.
WI-FI – O contato com as famílias do outro lado do mundo é feito pela internet. Todos acessam à rede por meio de seus telefones celulares. Suas casas têm wi-fi e a internet é fonte de lazer e de notícias do país que ficou para trás. A maioria mantém perfis em redes sociais e é por meio delas que falam com as mulheres, os filhos e os parentes. Longe da família, vivem com pouco dinheiro e muita esperança.
O desconhecimento da língua portuguesa trava o relacionamento, o estabelecimento de novos vínculos de amizade e oportunidades por aqui. Alguns tentam abrir as portas do novo mundo e procuram aprender a língua nas aulas de português oferecidas por voluntários nas manhãs de sábado na Escola Classe 431 em Samambaia Norte pelo Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH). As aulas ocorrem, ainda, nas noites de segundas e quarta-feiras, no Centro Educacional 619, na mesma região, e, aos sábados à tarde, na Casa São José, no Varjão. Há também classes no Núcleo de Ensino e Pesquisa em Português para Estrangeiros (Neppe) da Universidade de Brasília (UnB) e também no Paranoá, comunidade onde residem refugiados e imigrantes sírios, haitianos, indianos, iraquianos e paquistaneses.
Com a colaboração de voluntários do IMDH, os refugiados e imigrantes aprendem as primeiras palavras do português, vivenciando experiências de interculturalidade.
Na Escola Classe 431, de Samambaia, Kamila Araújo, 26 anos, coordena a equipe de voluntários do projeto de introdução do português para imigrantes e refugiados. Além de Kamila, são cinco voluntários, Alice Pessoa, Daniela Bandeira, Gabriela Kopko, Valdeci Eustáquio e Yara Ribeiro.
Ali, as aulas são oferecidas em dois níveis, básico e intermediário. Em 2015, o primeiro tem 15 alunos e o segundo, nove. A metodologia, que engloba aulas expositivas, dramatizações, audição de músicas e exibição de filmes, foi construída por colaboradores do IMDH, a partir do contato com os refugiados e imigrantes. Uma apostila impressa é também distribuída aos estudantes. Eles são de Gana, do Paquistão, do Afeganistão, de Togo, de Cuba e do Sudão. Os haitianos, em maior grupo, costumam frequentar as aulas do Varjão e da UnB.
VOLUNTÁRIOS – Segundo Kamila, que trabalhava em uma embaixada antes de se integrar ao projeto, os migrantes de fala árabe têm mais dificuldade de aprender o português, devido à diferença do alfabeto. “O aprendizado do idioma é a chave para a elevação da segurança, da autoestima e da inserção na comunidade e no mercado de trabalho.”
O voluntário Valdeci, 41, analista de sistemas e professor de inglês, voltou da Europa em 2008. Como viveu na Inglaterra por 10 anos, sabe bem o que é a condição do migrante. “A gente chega a um país desconhecido e tudo é dificuldade. Então, quando você encontra alguém disposto a ajudá-lo e as coisas começam a se resolver.”
Daniela, 20, também voluntária, diz que o projeto é gratificante. “Se fosse remunerado, seria o trabalho perfeito.” Ela é estudante de línguas estrangeiras aplicadas na UnB e ficou sabendo da oportunidade em uma rede social.
H.A., 20, é paquistanês e veio ao Brasil para se reunir à família. Frequentou as aulas de português do projeto e hoje, como conseguiu revalidar os estudos do ensino médio feito em Peshawar, estuda enfermagem na UnB. A resolução 64 do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da universidade, datada de 2007, admite o ingresso, na condição de estudante regular, a pessoas consideradas refugiadas pelo Comitê Nacional para Refugiados (Conare), desde que apresentem documentação que comprove a frequência e a aprovação em curso semelhante no país de origem ao do sistema educacional brasileiro.
FAMÍLIA – O pai de H.A., M.Z., chegou ao Brasil em 2010 e obteve o status de refugiado. Em seguida, solicitou ao IMDH o encaminhamento ao Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) do pedido de reunião familiar. O Acnur, inspirado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, afirma que “a família é a unidade de grupo natural e fundamental da sociedade e tem direito a ser protegida pela sociedade e pelo Estado”. Assim, recomenda aos governos que procurem proteger a família do refugiado. De acordo com esse princípio, se o chefe de família é considerado refugiado, busca estender essa condição aos seus familiares. Todo o processo durou dois anos. Nesse tempo, H.A. se comunicava com o pai pelo Skype. A esposa, a filha e os filhos de M.Z. chegaram ao país em 2013. A família veio para o Brasil fugindo do terrorismo no Paquistão. Em Brasília, se estabeleceram na quadra 431 de Samambaia Norte.
H.A. falava quatro idiomas (inglês, urdu, pashato e panjabi) antes de começar a aprender o português. “No início, tinha dificuldade de conversar, mas aprendi o português com os amigos e na escola.” Questionado sobre a violência em seu país, H.A. recordou que, em dezembro de 2014, 141 pessoas, a maioria crianças e adolescentes, foram mortas em um ataque do Movimento dos Talibãs do Paquistão contra uma escola para filhos de militares em Peshawar, principal cidade do noroeste do país. Outras 122 pessoas ficaram feridas, segundo agências de notícias internacionais. Os agressores foram mortos horas depois do início dos ataques pelo Exército paquistanês. Ao mencionar o ataque à escola de Peshawar, expressa o desejo de permanecer no Brasil. “Não pretendo retornar.”
Esta é a primeira de quatro reportagens sobre migrantes no Distrito Federal. Todas foram produzidas durante trabalho de campo vinculado à pesquisa Migração e Comunicação Intercultural: fluxos transnacionais, interferências locais e usos das TICs (migracult.com). Leia na próxima reportagem como o número de trabalhadores imigrantes formalmente empregados no Brasil cresceu 19%, passando de 79.578 em 2011 para 94.688 em 2012. Em 2013, crescimento foi de 26,8% (120.056 imigrantes).
Olá! Sou formada em Português do Brasil como Segunda Língua pela UnB, porém não tenho experiência. Ainda sim, me sinto extremamente tocada pela condição dos refugiados e gostaria muito de ser voluntária! Recentemente entrei em contato com o NEPPE, mas não obtive resposta…Com quem poderia conversar a respeito? Obrigada.
Olá, Girlene
Entra em contato comigo pelo email [email protected]
Podemos ver a possibilidade de você colaborar com a gente em alguma turma.
Um abraço
Kamila
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