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sexta-feira, novembro 22, 2024

Especial Infância e Refúgio – Érica e as meninas que fogem de homens

Por Júlia Dolce Ribeiro – texto e fotos
Desenhos de *Érica (nome fictício)

“Aqui as mulheres também são fortes”

Foi assim: a gente tava lá no Congo, pegou o avião e puft… Fugiu!”, explicou Érica com graça, sem tirar os olhos da boneca que tinha nas mãos, enquanto sua mãe ainda abria a boca para responder que sim, poderia explicar como havia sido sua vinda para o Brasil.

Com 5 anos na época do primeiro encontro, mas com um tamanho de 10 e uma maturidade de muito mais do que isso, a menina de cabelos trançados com extensões avermelhadas tornou um hábito interromper as respostas da mãe para ajudar com o português e dar a sua opinião sobre os ocorridos. “Me desculpa por isso”, respondia Pamela com uma risada envergonhada e colocando as mãos sobre o rosto, em comportamento oposto ao da extrovertida Érica.

Mãe e filha vivem em um quarto alugado no segundo andar de uma casa em Guarulhos, próxima ao Parque Ecológico do Tietê e a alguns metros da linha do trem, que periodicamente atropelava a entrevista com seu barulho. Érica nos esperava em cima da cama de casal que divide com a mãe, brincando em uma roda de bonecas de bebês brancos e Barbies, enquanto Pamela nos guiava para encontrarmos a casa na rua sem lógica numérica da comunidade. O aposento pequeno ficava no alto de uma escada estreita e reunia quarto e cozinha, assim como todos os pertences da família. “Pode sentar aqui, por favor”, disse Pamela, sem jeito com a falta de espaço e com a cama inclinada, com uma dos pés quebrados.

Após uma tentativa frustrada de distrairmos Érica, que parecia bastante interessada na entrevista, Pamela começou a nos explicar, em português pausado e baixo, misturado com palavras do francês, que as duas estão no Brasil há um ano e três meses, após terem que deixar o país de origem por problemas políticos e por causa do pai de Érica. “Meu marido… Como fala? Me maltratava, me batia muito. Violência doméstica. Demorou muito, quatro anos, mas conseguimos fugir. Meu amigo me ajudou, me falou que aqui no Brasil era bom e que eu ia ficar segura com a minha filha. Meu marido ficou lá, agora minha mãe me falou que ele tá na França, acho. Viemos de avião, eu cheguei aqui no aeroporta…”.

– Aeroporto, mãe, aeroporto! Eu vou avisando você e você vai respondendo eles!

– Deixa eu falar português, Érica. Desculpa – continuou, rindo.

“Passamos pelo Marrocos e viemos com três pessoas de lá também. Chegamos aqui e a irmã de um dos amigos que estavam com a gente nos ajudou a ver a Cáritas e depois a Polícia Federal. É muito difícil para chegar aqui”. Desde então, elas já viveram em três abrigos diferentes até conseguirem alugar o quartinho, em fevereiro deste ano: passaram dois meses na Casa do Imigrante, quatro dias em um abrigo comum do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e seis meses na Casa da Acolhida da Associação Palotina para mulheres.

“No abrigo sofremos muito, não ajudam nada, só para comer. Na Casa das Mulheres eu tinha que fazer a limpeza, trabalhava muito, daí não dava tempo de sair e procurar emprego. Na Casa do Imigrante é muito melhor, você não trabalha, pode sair cedo, conhecer o Brasil e procurar emprego’, explicou Pamela, sendo interrompida mais uma vez pela filha.

“Na Casa do Imigrante eu aprendi a falar português sozinha, não aprendi com ninguém. Antes eu falava só que queria água, daí passaram os meses e eu ficava repetindo o que as pessoas falavam, até que aprendi sozinha com a minha cabeça assim!”, contou Érica, animada, sentando no colo da mãe.

– Você já deu alguma entrevista antes, Érica? – perguntei
– O que é entrevista?
– Isso que você tá fazendo agora, respondendo perguntas assim. Já fez isso antes? Você fala muito bem!
– Não… Eu falo bem, minha mãe não fala muito bem não, ela ainda não aprendeu. Eu gosto de falar, falo várias línguas: inglês, francês, lingala. Good night, bonsoir…

Erica e a mãe, Pamela, no terceiro perfil da série Infância e Refúgio.
Crédito: Júlia Dolce Ribeiro

Naturais de Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, as duas tinham uma vida financeiramente estável, apesar dos múltiplos conflitos armados entre forças paramilitares e o exército do presidente Joseph Kabila. Pamela era enfermeira e estudou nutrição na faculdade. “Lá você recebia o salário todos os dias, aqui tem que esperar até o final do mês. Para conseguir pagar aluguel, comprar comida, é muito difícil, não tem como. Lá minha casa era muito grande, com dois banheiros, um espaço grande. Sinto falta do espaço”.

Segundo maior país africano, a República Democrática do Congo – que durante o século XX sofreu o processo de descolonização e independência, tendo seu nome mudado de Congo Belga para Zaire e finalmente para o nome atual – já passa por mais de vinte anos de guerra civil, que deixou até agora cerca de 6 milhões de mortos e desaparecidos.

País mais rico em recursos naturais da África Subsaariana, a República Democrática do Congo enfrenta duramente as consequências da exploração e disputa de suas riquezas. Trabalho infantil nas minas de coltan – liga metálica utilizada para a produção de telefones celulares – genocídios, sequestros de crianças, estupros como arma de guerra e múltiplas epidemias: a população congolesa é vítima de uma das maiores emergências humanitárias do mundo, enquanto seu processo de redemocratização pós Guerra-Fria parece repetir as décadas de ditadura.

“Lá tem os problemas com o presidente, a família do presidente Kabila. Tem muita guerra, guerra política, guerra civil. Lá no interior tem guerra, no Beni tem guerra. Mata criança, mata mulher, mata todo mundo. Conheci muita gente que morreu, só na minha rua foram três pessoas que morreram”, me revelou Pamela. Apesar das especificidades históricas e geográficas dos conflitos congoleses, o principal motivo para a fuga de Pamela e Érica vitima mulheres de todas as regiões, países e classes sociais do mundo. Exemplo da estrutura patriarcal e da grande vulnerabilidade de mulheres e meninas dentro e fora da perspectiva do refúgio.

“Ele era muito violento comigo, o pai da Érica. A família dele estava envolvida nos conflitos políticos, mas era ele quem me fazia sofrer todos os dias. Eu tinha que ir para o hospital, voltava e ele fazia de novo. Jogava água quente em mim. Teve um dia que ele jogou quando eu tava com a Érica no colo, daí pegou nela. Ficou cheio de cicatriz. Tem foto até”, disse, pegando um pequeno álbum de fotos cor-de-rosa de dentro da mala que guarda em cima do armário e me mostrando imagens da filha bebê, sem roupas, com o corpo todo queimado em carne viva.

“Ela tinha três meses, era pequenininha, mas melhorou rapidinho, tratou das feridas porque teve infecção. Mas comigo foram muitas vezes, eu tenho a cicatriz até hoje. Muitos homens fazem isso, matam as mulheres. Fazem tudo porque lá se você casa o homem faz o que ele quiser, porque você paga muito para casar. Daí pensei que tinha que fugir, se não ele iria me matar. Fiquei por mais anos, mas já tinha arrumado a mala. Esperei um dia para sair, bem rápido, sem ninguém saber, só a minha mãe. Fugi com meu próprio dinheiro, comprei a passagem sozinha”. Ela levantou a barra do vestido por um segundo e mostrou uma faixa de queloides que subia pela sua coxa.

Crédito: Reprodução/*Érica

“Todos os dias eu choro… O Jean me ajuda, diz que não posso chorar porque agora tô num país com muitas leis de proteção das mulheres e crianças”, continuou, se referindo ao amigo congolês Jean Katumba, organizador da Copa dos Refugiados que me passou seu contato. “Uma amiga também tinha me dito para eu vir para cá. Falou que as coisas eram diferentes politicamente e que as mulheres também são fortes”.

Para a mãe, o medo, no entanto, ainda é grande. “Eu não sei se a Érica tá mais protegida aqui. Se o pai dela entrar aqui ninguém vai reconhecê-lo. Brasileiro não reconhece fácil o negro, falam que todos os negros se parecem. Se ele vier aqui, pode chegar até mim através de outro africano. Se mostrarem minha casa, é isso, acabou”, confessou, em voz baixa, quando a filha se distraiu por um momento brincando.

Apesar de gostar muito do Brasil, a mulher grande, de fala e movimentos contidos, conta que se sente muito sozinha. Ela chegou a trabalhar por cinco meses em uma padaria, mas foi demitida porque estava com depressão. “Eu chorava muito porque de uma hora para outra, meu pai, minha sogra e minha irmã morreram, lá no Congo. Foi difícil. Eu trabalhava direitinho, era ajudante de confeitaria, mas a dona falou que não podia mais trabalhar. No Congo era diferente porque aqui eu sou sozinha, eu e a Érica, sem ninguém para confiar meus problemas. Sinto muita falta da minha mãe… Tenho duas amigas aqui só, mas não quero muitas amigas africanas porque trazem muitos problemas. Agora como faço pra procurar emprego? Quando eu procuro emprego gasto dinheiro no bilhete único…”.

– Mamãe, desculpa cortar a conversa de vocês, mas você quer que eu desenhe para você, né Júlia? – perguntou a menina, impaciente.

Érica frequenta a escola no período da manhã, das 5h às 13h. Ela gosta de dançar ballet e assistir filmes na sua escola. “Lá tem um cinema e a gente fica assistindo. Sabe o filme do dinossauro bonzinho? É muito chato, faz chorar as crianças”, contou a menina, enquanto copiava no papel a imagem da Branca e Neve estampada em um caderno. “Lá na escola tem piscina também, e eu gosto de nadar. Vou de perua quando ainda é muito muito a noite, mas eu sei a hora, minha mãe não me acorda. As mamães ficam de pé esperando e as crianças vão embora no ônibus. Mas se a sua mãe não vir tem várias mamães que tão lá e a tia te leva até a escola”.

“Na escola tem uns amigos chatos que cantam funk. Eca, não gosto. Tem amigo que se chama Rafael, ele canta funk O Gustavo canta funk; o Lucas não cantava funk, mas começou a cantar; e o Thiago não canta funk. Eles cantam “A Marconi é Baile de favela”, explicou, cantarolando um trecho da música. “Eu gosto de música de Deus. Aqui o dono dessa casa tem um carro e ele leva a gente para uma igrejinha. Eu gosto de música do Congo também, mas é em Lingala… É tão engraçadinha, vou cantar, ó”. A menina cantou um trecho da música na língua africana e logo em seguida perguntou, com receio: “Foi legal?”.

Tagarela e incansável, Érica continuou, explicando com propriedade as diferenças entre o Brasil e seu país de origem, como se tivesse vivido lá por décadas e não por pouco mais de quatro anos. “No Congo tem esconde-esconde, gira-gira, escorrega, tem tudo. Mas tem umas brincadeiras que não tem lá não, na verdade. Não é tão diferente assim. Aqui a escola dá bastante comida. Eu gosto de arroz, feijão e carne, mas não gosto de feijão preto. Lá no Congo tem arroz e feijão, mas não tem gelatina. Só tem aquilo lá, amarelo, o Fufu. É uma mistura que fica tão tão apertada, e você põe em uma vasilha bem grande, minha mãe sabe fazer.

A mãe balançava a cabeça incrédula com a erupção de palavras e gestos que saiam da boca e das mãos da menina. “O Fufu é como fubá com farinha de mandioca”, me explicou, enquanto Érica pausava para recuperar o ar. “Pensando bem, o Brasil não é tão tão diferente do Congo, porque lá tem plasma e aqui também…”, concluiu a menina.

– Plasma, Érica? – perguntei.
– Ela quer dizer TV de plasma – explicou a mãe, rindo.

Era impossível acompanhar a linha de raciocínio da menina, que, apesar da energia, aparenta um desenvolvimento precoce e bastante saudável para uma criança que havia passado por tanto. Quando falava sobre o resto da família, no entanto, sua percepção sobre o que havia motivado a fuga aparecia com sutileza. “Eu sinto falta da minha família, da minha bisavó e falta do irmão dele”, disse, provavelmente se referindo ao pai – palavra que aparentemente escolheu arrancar do seu vocabulário extenso e substituir por pronomes.

“No Congo eu gostava de tomar suco com a minha mãe e eu ficava indo na praça todos os dias com meu tio que se chamava um nome tão engraçado, ele se chamava Colombelebele”, continuou, com uma gargalhada. “Lá as pessoas crescem e ficam casando, pode se casar em casa ou na igreja. Aqui não é tão parecido. Lá eu comia muito nos casamentos, hmmm era muito gostoso. Se eu mostrar uma foto do casamento do irmão dele você vai achar que era um casamento bem sério, com muita comida, porque era o único irmão que ele tinha. Aqui eu não gosto de ficar sozinha sem a minha mãe e sem ninguém brincando comigo, e eu não gosto de quem xinga. Na minha classe tem umas amigas muito folgadas, tipo a Luciana, que é fofoqueira. Ela entra nas conversas. Eu falo coisas tão boas e ela estraga as coisas tão boas que eu falo”.

Érica é um turbilhão de ideias e pensamentos, algo que, coincidentemente, seu próprio nome (originalmente uma interjeição em grego para epifania) sugere. Ela parava de falar apenas para se concentrar nos desenhos, que já haviam migrado de personagens da Disney para retratos de mim e do meu companheiro. “Acho que vou fazer uma coisa que você vai gostar. Vou fazer tão rápido para vocês não perderem a hora de ir embora. Desculpa, Júlia, mas a sua orelha tá guardada no cabelo aqui no desenho”.  Na segunda vez em que visitei sua casa, ela mostrou outros muitos desenhos que havia feito: “Esse aqui são pernas. As suas pernas são assim direitas ou quadradas?”. Érica se referia a um equipamento metálico – similar ao utilizado por Forrest Gump no filme – que a menina teve que usar no Congo durante meses para endireitar suas pernas. “Esse aqui é o dia de Festa Junina na minha escola, essa aqui é a Ariel, esse aqui é do filme da Dory, que eu vi na escola também”.

Nesse encontro, ocorrido durante o mês de julho, Pamela estava mais tranquila. Há poucos dias havia conseguido um emprego como faxineira em um restaurante libanês no centro de São Paulo e planejava a comemoração do aniversário de seis anos da filha no Sesc Itaquera, que havia conhecido quando foi assistir a Copa dos Refugiados com o amigo Jean. “Agora tá melhorando. Eu consegui um emprego e meu patrão fala francês e português. Trabalhar é bom, melhor que ficar em casa. A Érica fica com a babá enquanto eu trabalho, ela cobra 200 reais. Queria sair dessa casa pequena, mas tudo é muito caro”.

O maior sonho dela, entretanto, ainda é conseguir validar seu diploma de enfermeira no Brasil. “O problema é que eu quero estudar, mas tem que trabalhar… Eu disse que fazia parto lá no Congo também? Aqui já fiz dois partos das minhas amigas nas casas delas”, disse, orgulhosa.

Além das dificuldades financeiras, linguísticas e emocionais enumeradas por Pamela, a violência causada pelo racismo, segundo ela, torna  o processo de solicitação de refúgio no Brasil ainda mais doloroso. “As pessoas daqui não são parecidas com as pessoas do Congo. Brasileiro não gosta de ninguém. Aqui no Brasil, se você senta junto com as pessoas no ônibus, eles fecham o nariz e a boca. No metrô também. É de racismo. Uma pessoa me falou que eu tava cheirando muito mal. Falam que eu venho aqui e não tenho trabalho. Outras pessoas gostam de mim, mas acho que de 100%, 80% não gosta. As crianças são racistas com a Érica também, ela conta muito. Eu falo para ela que não interessa o que pensam”.

Crédito: Reprodução/*Érica

Segundo Pamela, as instituições no Brasil não reconhecem o protocolo de refúgio, único documento ao qual elas tem direito enquanto aguardam a decisão do CONARE de aceitar ou não sua solicitação de refúgio, o que torna tudo mais complicado. “Quando você vai no banco eles ligam no telefone, ligam, ligam, e descobrem que é o documento de estrangeiro. Pra procurar emprego, se não tem RG, não tem trabalho pra você. Alguns brasileiros sabem o que é refúgio, outros não, mas não sabem nada do Congo. Perguntam que país é, onde fica, se é igual ao Haiti”, critica.

Com todas as adversidades, entretanto, Pamela sustenta que gosta de quase tudo no Brasil. “O Brasil é bom. Em todo lugar não tem polícia pra perguntar de documento. Lá no Congo tinha muita polícia, se você voltava para casa depois das 20h eles pegavam suas sacola, seu celular. Aqui só tem polícia quando tem problema do “Fora PT, Fora PT”, eu vi um dia lá no centro. Gosto muito daqui, mas dá saudade né…”.

Me despedi de Pamela e Érica já, eu mesma, com certa saudade. As duas, tão opostas em personalidade e tão completas como família, cativam não só pela experiência de vida e por respeito à sua história, mas por acolherem com carinho qualquer companhia que se aventure a mergulhar em seu mundo por algumas horas. Fui convidada para a comemoração do aniversário de Érica, mas não consegui ir. Deixei uma boneca da loja Preta Pretinha de presente, esperando que os próximos anos lhe sejam mais ternos.

– Uma bonequinha!!! Eu adoro bonequinhas! Bonequinha nova, bonequinha nova! Obrigada, eu gostei!
– Bonequinha africana – disse Pamela, sorrindo e agradecendo o presente.
– Tem até cabelo trançado, né mãe? Vai chamar Lúcia, é um nome bonito. Ou Rosa. Ou Isabela. Ou…

Crédito: Reprodução/*Érica

Dicionário das crianças refugiadas – Érica

 

Refugiado: O que é refugiado?

Imigração: Pfuit, não sei.

Brasileiro: Ser brasileiro é… Não entendi o que vocês tão dizendo, essas coisas que vocês tão dizendo é tão difícil.

Assim Érica, eu te pergunto o que é algo e você me explica o que você acha que significa. Tipo… Lápis, o que é lápis? Lápis é uma coisa que escreve. Como giz de cera é uma coisa que escreve também, e luz é uma coisa que acende.

Isso. E brasileiro? Brasileiro é uma pessoa que tem cor brasileira. É uma pessoa que é igual vocêszinhos, os brasileiros é igual a vocês.

Congo: Congo é nosso país, como a gente somos estrangeiras, a gente somos diferentes. Porque as Angolanas não são da mesma cor, as Angolanas tem outra cor. Que nem minha cor, é igual a cor da minha mãe? Não. Acho que aqui fora é preto, aqui na mão não é preto…

Racismo: Racismo é igual uma pessoa cantora.

Uma pessoa cantora? É, tem muitas pessoas que ficam com medo das vidas, eu não to com medo da vida porque eu já to tão tranquila, eu gostei desse país um pouquinho.

Mas você já teve medo da sua vida? Eu? Nunca.

Cáritas: As pessoas vão lá pra procurar ajuda, porque não tem ajuda, não tem carinho, não tem ninguém pra ajudar, eles não tem casas e não tem nada. Deu problema nos países. Assim como aqui quem é presidência é a Vilma, aqui a Vilma é chata, lá no Congo também tem o Kabila que é muito chato, ele manda todas as polícias matar as pessoas. Eles não deixam tirar fotos do lugar que eles não gostam.

País: País é pra gente morar. Que nem esse coração que eu fiz aqui, parece um país. No mundo todo, todo mundo tem país. Às vezes tem as pessoas que tão morrendo e tem as pessoas que não tão morrendo. Tem uma coisa que o deus não mandou fazer e eles fez, daí azar deles. Eu tenho um livro que “Era uma vez que o Satanás que era cobra, daí tinha uma laranjinha e deus mandou não comer e eles não obedeceu e comeu, aí deus mandou “Fora do meu país!!!”” É assim. Se eu sou inteligente então o Deus pode me colocar em cima lá no céu. Tem muitos país, aqui tem muitas pessoas muito chatas também. Também pessoas tão maluquinhas aqui, dormem na rua.

Criança: é como uma mamãe que teve uma criança. Deus criou as crianças, a gente, deus criou todo nós. Você não era pequenininha? Você cresceu né, então me diz você, o que é criança?

Eu não tenho uma resposta também…

Aaah, eu também não tenho né. Não tenho ainda resposta.

 

*Esta é a terceira parte do especial Infância e Refúgio, sobre crianças refugiadas na cidade de São Paulo. Nele, as crianças entrevistadas usam desenhos e outros elementos lúdicos para falar sobre o que já viveram em tão pouco tempo de vida. Os perfis são do livro Por um Pedaço de Terra ou de Paz, trabalho de conclusão de curso (TCC) na PUC-SP da jornalista Júlia Dolce Ribeiro, e serão publicados um a cada semana no MigraMundo (veja aqui a lista completa). Os nomes das crianças nos textos são fictícios para preservar a identidade de cada uma.

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