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domingo, dezembro 22, 2024

Especialistas alertam: com planeta 1,5°C mais quente, fome, migrações forçadas e conflitos aumentarão

‘Climatólogos’ urgem para ‘fechar torneira de banheira cheia’. “Se consumo não diminuir drasticamente, adaptação humana chegará no seu limite”, disse diretor do centro da Cruz Vermelha para o clima

Apenas em 2020, cerca de 21 milhões de pessoas já foram deslocadas forçadamente em razão de catástrofes climáticas em países como Afeganistão, Bangladesh, Filipinas, Burundi, Quênia e Moçambique. São três milhões do que há três anos, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Em 30 anos, o número aumentará para 200 milhões de pessoas.

A questão climática foi um dos temas abordados durante o Congresso Humanitário de Berlim, que ocorreu em outubro passado e teve acompanhamento do MigraMundo.

Tais deslocados fogem de situações como a falta de alimentos causada pela seca, de ventos quentes cada vez mais severos no Chifre da África, ou estão a fugir das chuvas devastadoras no Oeste da África, na Ásia ou nas Américas após terem perdido casa e trabalho.

Essas catástrofes não só obrigam as pessoas a migrar, mas aprofundam problemas sociais, econômicos e políticos em países já frágeis. Segundo a socióloga Rebecca Elliott, da Universidade de Cambridge, a mudança climática evidencia mazelas sociais que não são novas, mas historicamente conhecidas.

 “Ao longo da História, os pobres foram colocados à margem sendo obrigados a viver em terrenos vulneráveis. E hoje, por consequência, são eles os mais expostos às catástrofes climáticas”, afirmou em seu estudo “Sociologia da perda”(Sociology of loss, em inglês), disponível para download aqui.

Especialistas falam da necessidade de responder à pobreza e ao aquecimento global ao mesmo tempo. (Foto: VB/ Migramundo)

Pobreza e mudança climática

 “E serão os mais pobres que continuarão a sofrer –  e com mais intensidade  – se não respondermos à mudança climática e à pobreza, ao mesmo tempo”, afirmou Marteen van Aalst, diretor do centro da Cruz Vermelha Internacional para o Clima, durante o Congresso. Ele e outros agentes humanitários relataram o que têm acontecido nos países onde trabalham, como Bangladesh, Quênia e Afeganistão.

Afroza Haque, diretora de projetos do escritório da Cruz Vermelha alemã em Bangladesh afirmou que o país é um exemplo de como a mudança climática têm causado o aumento da tensão interna.

“Temos milhares de pessoas se deslocando da costa para as áreas urbanas após as inundações, mas Bangladesh não têm estrutura para acolher um fluxo dessa importância nas cidades” , afirmou Haque, que acrescentou dizendo que seus próprios avós e pais foram alguns dos deslocados.

O resultado disso é que as tensões na área urbana crescem, com guetos sendo criados dessa população “sem espaço” juntamente com o impacto na economia de Bangladesh, essencialmente agrícola.

No Afeganistão, as secas de 2018 aprofundaram os problemas de um local ainda em pleno conflito internacional. “O Afeganistão não é um país para se viver dignamente, além do conflito acontecendo temos que lidar com o impacto de uma seca nunca antes vista, gerando insegurança alimentar e miséria”, disse Festus Yambu, coordenador de projetos da ONG alemã Welthungerhilfe.

Por inundações ou seca, milhões de pessoas mundo afora são obrigadas a se deslocarem por conta das mudanças climáticas. Crédito: OIM

‘Refugiados do clima’

Yambu, em sua tese de doutorado na Universidade de Hambourg sobre os impactos da mudança climática no fluxo migratório mundial, constatou que é preciso criar uma nova categoria legal para proteger esses novos migrantes , uma categoria de “refugiados climáticos”, termo usado pelo meio acadêmico, organizational e humanitário.

Isso porque a lei do asilo, criada pela Convenção de Genebra de 1951 em um cenário pós-Segunda Guerra Mundial, define o asilo político como uma proteção para quem sofre perseguição política em seu país. Tal ideia de perseguição está bem longe da realidade de uma pessoa emigrando de seu país por causa de inundações, por exemplo.

Tal distância entre a noção de perseguição e a realidade do migrante climático faz com que a Corte de Justiça do país acolhedor não tenha base legal para lhe conceder o refúgio, como previsto na Convenção de Genebra.

Porém, tal termo já foi utilizado por países como a Nova Zelândia (em 2017) para dar refúgio a deslocados por catástrofes climáticas. Mas o seu uso é menos atraente do que o imaginado: países europeus e Estados Unidos são menos entusiastas no uso de tal termo.

Tal reticência de certos Estados em usar o termo para proteger os deslocados revela, segundo a socióloga Rebeca Elliott, que os Estados terão que decidir mais frequentemente quem proteger da massa cada vez maior de deslocados, mas que tais decisões serão baseadas na ideia do “mérito” e do “caráter da perda”.

“Quem merece ser protegido, o que foi de fato consequência de uma catástrofe e o se perdeu foi algo tão importante para que uma proteção internacional seja concedida?”, serão tais questionamentos que juízas e juízes dos países de acolhimento se colocarão” , afirmou.

O ACNUR já inclui as populações deslocadas por questões climáticas dentro de sua área de interesse, embora ainda não haja consenso sobre o tipo de proteção a ser destinado a essas pessoas.


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