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quinta-feira, dezembro 26, 2024

Estudo critica financiamento da gestão de fronteiras da União Europeia e impacto sobre direitos de migrantes

Relatório aponta que recursos tem sido usados de forma que restringem direitos fundamentais de pessoas migrantes e faz sugestões para um melhor uso desse financiamento

Por Dominique Maia

Um estudo recente, conduzido pela Platform for International Cooperation on Undocumented Migrants (PICUM) em parceria com o European Council on Refugees and Exiles (ECRE), aponta como a União Europeia está financiando ferramentas e operações que podem prejudicar pessoas que atravessam fronteiras. O relatório identifica como ponto crítico a falta de monitoramento adequado desses fundos.

O Instrumento de Gestão de Fronteiras e Vistos (BMVI) — em tradução livre para o português — possui um orçamento substancial de aproximadamente 6,2 bilhões de euros para o período de 2021-2027. Até o momento, os Estados-membros já receberam 4 bilhões de euros, o que representa um aumento de 45% em comparação aos recursos disponibilizados no período de 2014-2020. Segundo o estudo, esse aumento de financiamento reflete a crescente ênfase da União Europeia em reforçar a gestão e o controle de suas fronteiras.

Leia aqui o relatório completo: Beyond walls and fences: EU funding used for a complex and digitalised border surveillance system

Embora a Comissão Europeia tenha proibido explicitamente o uso desses fundos para a construção de cercas e muros, alguns países estão redirecionando os recursos do BMVI para o desenvolvimento e implementação de tecnologias sofisticadas de vigilância fronteiriça. Elas incluem sistemas de sensoriamento remoto, câmeras térmicas, comunicação via satélite, dispositivos de visão noturna e entre outros dispositivos. O objetivo é complementar ou até substituir a vigilância física tradicional, proporcionando uma monitorização mais abrangente e ostensiva das fronteiras. 

A implementação desses sistemas levanta questões éticas e legais sobre o equilíbrio entre segurança e proteção dos direitos individuais, evidenciando uma tendência crescente em direção a métodos de controle de fronteiras mais digitais e remotos. Essas despesas suscitam preocupações sobre o potencial impacto dessas tecnologias na privacidade e nos direitos das pessoas migrantes.

Gastos específicos dos Estados-membros da UE sobre fronteiras

  • Estônia: o país planeja gastar 2 milhões de euros em sistemas móveis de sensoriamento remoto para melhorar a vigilância nas áreas fronteiriças onde não é viável economicamente construir uma infraestrutura permanente.
  • Polônia: busca reduzir a vigilância física na fronteira investindo em sistemas de detecção de luz em torres de observação, alarmes, dispositivos portáteis de visão térmica e noturna, e câmeras de segurança ativadas por movimento nas fronteiras com a Rússia, Belarus e Ucrânia.
  • Croácia, Lituânia, Polônia e Espanha: adquiriram ou planejam adquirir cães farejadores para auxiliar os guardas de fronteira nas patrulhas. Na Croácia, esses cães já foram utilizados para intimidar e ferir migrantes, forçando-os a retornar à fronteira.
  • Estônia, Grécia, Hungria, Itália, Polônia, Romênia e Eslováquia: estão investindo em novos veículos equipados com câmeras térmicas integradas, comunicação via satélite e sistemas de identificação por raio-x com capacidades off-road. Na Lituânia, os recursos da UE permitirão a aquisição de um detector de busca fixo para pessoas escondidas em veículos.

Monitoramento e avaliação: perspectivas na implementação dos fundos do BMVI

O relatório ressalta que o monitoramento e a avaliação das atividades financiadas pelo BMVI são considerados insuficientes. As avaliações intermediárias realizadas pelos Estados-membros devem incluir critérios como eficácia, eficiência, relevância, coerência e valor agregado para a União Europeia. No entanto, a ausência de exigências específicas para avaliar o impacto sobre os direitos humanos representa uma lacuna significativa.

A Comissão Europeia é responsável por realizar uma avaliação intermediária até o final de 2024 e uma avaliação final até o final de 2031, concentrando-se na eficácia, eficiência e coerência da implementação do programa. Essas avaliações devem considerar os relatórios anuais de desempenho e incluir informações sobre projetos de cooperação com países terceiros e o número de pessoas que solicitaram proteção internacional em pontos de passagem fronteiriços.

Além disso, o programa BMVI exige que os Estados-membros estabeleçam comitês nacionais de monitoramento para supervisionar a implementação dos fundos. Esses comitês devem incluir especialistas em direitos fundamentais, incluindo organizações da sociedade civil e instituições nacionais de direitos humanos. No entanto, a pesquisa indica que as organizações da sociedade civil muitas vezes estão sub-representadas e carecem dos meios para contribuir significativamente nesses comitês.

Leia também: Campanha pede fim do uso do termo “ilegal” sobre imigração

Recomendações para a governança do BMVI

Para melhorar a transparência e a eficácia do BMVI, o relatório recomenda à Comissão Europeia e aos Estados-membros:

  1. Fortalecer o monitoramento: estabelecer mecanismos de monitoramento mais robustos para garantir a conformidade com os direitos humanos e os princípios fundamentais.
  2. Engajamento da sociedade civil: incluir organizações da sociedade civil e órgãos de direitos fundamentais nos comitês de monitoramento e nas avaliações dos programas.
  3. Transparência nas avaliações: publicar todas as avaliações de forma acessível e transparente, envolvendo peritos independentes no processo de avaliação.

Segundo a PICUM e o ECRE, a implementação dessas recomendações pode assegurar que os fundos do BMVI sejam utilizados de maneira que respeite e proteja os direitos das pessoas migrantes e refugiadas que atravessam as fronteiras.

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