Por Géssica Brandino
“Quando fui secretário de Cultura tive que fazer editais para projetos referentes à questão étnica, porque pela Lei Rouanet não vinham projetos voltados para isso, por falta de apoio. Tenho feito uma pergunta um pouco aristocrata. O negro aqui sempre olha para a coisa do escravo, mas vejo alemães, italianos, portugueses, até por conta da questão do passaporte, todos sabem em qual cidade nasceram. A pergunta é: por que os negros não vão atrás da sua origem? Quem são os negros angolanos?”.
A declaração foi feita pelo vereador Andréa Matarazzo, durante a roda de conversa “Imigração, refúgio e cidadania: desafios de assistência social em São Paulo”, na noite do dia 28 de julho, no Centro Ruth Cardos, em São Paulo. Promovido pela juventude do PSDB, o evento tinha como objetivo conscientizar sobre o tema.
O vereador Andréa Matarazzo era um dos palestrantes do debate, ao lado da mestranda e ex-advogada da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, Andrea Zamur, e do ativista social e exilado político de Angola, Abdu Ferraz. O questionamento feito acima foi dirigido a Abdu, o único negro presente no evento. Antes de ser interpelado por Matarazzo, o ativista havia questionado tanto a ausência de negros na política como o racismo que existe no Brasil. Não havia refugiados na roda de conversa, fato que chegou a ser questionado por um imigrante que participava do debate.
Apesar da declaração e dos estereótipos, ao longo da palestra, Matarazzo defendeu diversas vezes o direito dos migrantes, porém lembrando o risco de que eles sejam usados por traficantes nigerianos ou senegaleses, diante da condição de vulnerabilidade em que vivem. Em outro momento, o deputado estadual Carlos Alberto Bezerra Jr (PSDB) também manifestou preocupação com as fronteiras e defendeu uma ação mais efetiva da Polícia Federal nas regiões, para combater o tráfico de drogas e de pessoas, além de inibir a ação de coiotes.
Ao falar da história da migração em São Paulo, Matarazzo lembrou o papel dos imigrantes europeus, asiáticos e nordestinos na construção da cidade. “O imigrante que aqui chega tem um DNA de guerreiro, pois não se conformou em permanecer no país de origem”, destacou. O vereador citou a própria empregada doméstica, de origem congolesa, como exemplo de uma pessoa que teve inúmeras dificuldades ao chegar à cidade, tendo que passar a noite nas calçadas da Sé. A responsabilidade pela ausência de uma política para migrações foi atribuída ao governo federal.
Apesar do foco ser São Paulo, pouco se falou da necessidade de fortalecer o comitê estadual para refugiados, que atua no âmbito do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Netp), da Secretária da Justiça e da Defesa da Cidadania (Netp), com o objetivo de articular as diversas secretarias para criar políticas que auxiliem na inserção social dos refugiados. A união de esforços com a coordenadoria de migrações da Prefeitura de São Paulo também não entrou no debate.
Quando foi a vez do público se manifestar, o debate foi substituído por manifestações partidárias. A vereadora Patrícia Bezerra inflamou os presentes ao dizer que Matarazzo deveria ser o futuro prefeito de São Paulo. A vereadora também recomendou ao deputado Carlos Bezerra, atual presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), que levasse o debate sobre refugiados e migrantes para a CDH. Minutos depois, a fala volta para Matarazzo, que então faz a declaração que abre este relato.
O que era para ser um debate sobre refúgio se mostrou uma sequência de falas calcadas em preconceitos e estereótipos, que em nada colaboram com a causa.