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sábado, dezembro 21, 2024

Falta de uma política migratória nacional maltrata migrantes, compromete avanços e sobrecarrega a sociedade civil

Missão Paz, São Paulo, abril de 2014: o fechamento do abrigo para imigrantes em Brasileia (AC) e o envio destes para São Paulo sem aviso prévio causa superlotação na instituição, que é obrigada a acomodar os recém-chegados no salão da Paróquia Nossa Senhora da Paz. Colchões, cobertores, malas e pertences dos imigrantes podem ser vistos em todo o espaço.

Auditório da Missão Paz vira alojamento provisório para cerca de 200 migrantes que chegaram nos últimos dias. Crédito: Rodrigo Borges Delfim - 29 de abril de 2014
Auditório da Missão Paz vira alojamento provisório para cerca de 200 migrantes que chegaram nos últimos dias.
Crédito: Rodrigo Borges Delfim – 29 de abril de 2014

Missão Paz, fevereiro de 2015: quase um ano depois, a situação de dificuldade vivida pelos imigrantes e pela instituição continua a ocorrer – e com potencial para ser ainda pior. Malas e outros pertences dos migrantes estão por toda a parte – do lado de dentro e de fora da paróquia. Seus donos, recém-chegados ao Brasil e à maior metrópole sul-americana, vivem a incerteza de sequer saberem ao certo como e onde vão passar a próxima noite.

Malas se acumulam do lado de fora da Missão Paz. Crédito: Miguel Ahumada
Malas se acumulam do lado de fora da Missão Paz.
Crédito: Miguel Ahumada

Os ônibus continuam a chegar em vários dias da semana do Acre ao Terminal Barra Funda. Com essa demanda, muito superior à capacidade real de acolhida, a entidade novamente é obrigada a improvisar acomodações no salão da paróquia e a pedir doações para ajudar na manutenção do local – faltam produtos de limpeza, por exemplo.

A Missão informa que os imigrantes que atualmente chegam do Acre estão sem a carteira de trabalho, o que os impedem de buscar emprego formal e dificulta o encaminhamento para outras regiões. Nos meses anteriores, eles já chegavam do Acre com o documento em mãos.

“Por muito tempo pensamos não divulgar fotos como estas. Mas chegamos ao limite! Aqui está uma parte dos haitianos que chegaram na Missão Paz no último final de semana. Estão abandonados: sem carteira de trabalho, sem abrigo, sem assistência… Mais uma vez a Missão Paz se vê obrigada a substituir o poder público. Onde está a política migratória brasileira?”, desabafa a instituição, por meio de sua página no Facebook.

Interior de um dos salões da Missão Paz, em 22 de fevereiro de 2015. Crédito: Missão Paz
Interior de um dos salões da Missão Paz, em 22 de fevereiro de 2015.
Crédito: Missão Paz

Uma petição online foi criada pela Missão por meio do portal Walk Free, dirigida a autoridades das três esferas de governo (federal, estadual e municipal): “Diga não ao abandono de haitianos em São Paulo e sim por uma gestão migratória”. Para aderir, basta acessar o link abaixo.

Clique aqui para tomar parte e assinar a petição

Até o fechamento deste texto, o documento contava com a assinatura de cerca de 800 pessoas. Versões em quatro idiomas do texto da petição foram preparadas para expandir o alcance do pedido da Missão.

Inglês
http://www.youblisher.com/p/1083092-Publicidade-Peticao-On…/

Francês
http://www.youblisher.com/p/1083098-Publicidade-Peticao-On…/

Espanhol
http://www.youblisher.com/p/1083106-Publicidade-Peticao-On…/

Português
http://www.youblisher.com/p/1083104-Publicidade-Peticao-On…/

Falta de política migratória compromete conquistas já obtidas

Em abril de 2014, a chegada dos imigrantes a São Paulo levou a uma troca de farpas entre os governos paulista e do Acre, que tinha ainda como pano de fundo a eleição presidencial. No mês seguinte, já na abertura da Conferência Nacional de Migrações e Refúgio (Comigrar), o governo federal, a Prefeitura paulistana e os governos estaduais de São Paulo e Acre firmaram um termo de cooperação para atendimento e integração dos imigrantes, em resposta às lacunas que ficaram evidentes com o envio destes à capital paulista.

União, governo de SP e Prefeitura assinam o Termo de Cooperação. Crédito: Rodrigo Borges Delfim
União, governo de SP e Prefeitura assinam o Termo de Cooperação na Comigrar – maio de 2014.
Crédito: Rodrigo Borges Delfim

No segundo semestre de 2014, depois de décadas sem centros de acolhida do poder público, foram entregues o Centro de Referência e Acolhida para Imigrantes, da Prefeitura de São Paulo, e a Casa de Passagem Terra Nova, do governo estadual. Foi aberto ainda o CIC do Imigrante na região da Barra Funda, também sob responsabilidade do governo do Estado.

Mas embora esses fatos concretos representem avanços históricos em relação aos últimos anos em política pública para migrantes, muitas lacunas persistem. E a falta de uma diretriz migratória em nível nacional sufoca e minimiza os efeitos dessas e de outras conquistas já obtidas.

A falta de ação do governo federal é agravada ainda pela antiquada legislação migratória brasileira em vigor, ainda da época da ditadura militar, mas sua revisão se arrasta pelo menos desde 1991. O “passo” mais recente veio em dezembro, quando a Comissão de Relações Exteriores do Senado adiou a votação do Projeto de Lei (PLS) 288/2013, uma das propostas em trâmite em Brasília que visa substituir o Estatuto do Estrangeiro.

Petição da Missão Paz pede "não ao abandono dos haitianos em São Paulo e sim por uma gestão migratória". Crédito: Missão Paz
Petição da Missão Paz pede “não ao abandono dos haitianos em São Paulo e sim por uma gestão migratória”.
Crédito: Missão Paz

Mas se a mudança da lei permanece estagnada, crescem em ritmo acelerado as dificuldades da sociedade civil em cumprir com um papel que deveria ser em sua maior parte do poder público. E a situação da Missão Paz é um exemplo claro dessa realidade, que precisa ser mudada de forma urgente. Para isso, todo gesto concreto é válido e necessário.

O migrante não deixa de ser humano ao cruzar uma fronteira e chegar a um novo país. Portanto, cobrar do Brasil – e dos demais países – uma postura mais humana e que procure conservar a dignidade do migrante não é uma simples filantropia, mas sim defender a vida,

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