Além de celebrar a história, país também debateu seu futuro, de olho nos acontecimentos recentes na Europa
Por Victória Brotto
De Verona (Itália)
No último dia 25, durante o importante feriado nacional do Dia da Libertação, os italianos, que comemoravam 70 anos da libertação do país das forças nazifascistas na Segunda Guerra Mundial, também decidiram debater o futuro – e não só lembrar o passado. E os vizinhos franceses, que colocaram a ultra-nacionalista Marine Le Pen e o centrista de partido próprio, Emmanuel Macron, no 2º turno das eleições presidenciais, ajudaram a esquentar os debates na Itália, principalmente a temas ligados ao que os europeus chamam de “crise migratória”.
Em 4 de dezembro, a Itália viu seu então primeiro-ministro Matteo Renzi renunciar após ser derrotado em referendo sobre a reforma constitucional. Lançado então em um futuro política incerto, hoje a terceira maior economia da Zona do Euro se vê às voltas com uma provável antecipação das eleições gerais.
Já nas fronteiras, a bota europeia é um dos países que mais vê chegar, em barcos, migrantes do norte da África e Oriente Médio a pedir asilo ou refúgio, por conta das guerras e desastres humanitários em seus países. De acordo com o último balanço da Agência das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), nos últimos dois anos, foram mais de 700 mil migrantes de países com Nigéria, Eritreia, Sudão, Gâmbia, Iraque, Afeganistão e Síria a atravessar o Mar Mediterrâneo em direção à Itália e Grécia. De acordo com o porta-voz da Organização Internacional de Migrações (OIM), Flávio di Giacomo, em Roma, são 158 mil requerentes de asilo e refugiados vivendo hoje em solo italiano.
Em entrevista ao programa televisivo #CartaBianca do canal Rai 3, o ex- primeiro-ministro, Enrico Letta, político de centro-esquerda do Partido Democrático, afirmou que defende “uma integração europeia” como resposta às crises do bloco e que, sobre os migrantes, ele gostaria de viver em “uma Europa com menos cara de Trump”. E acrescentou, “Estou acompanhando de perto o que acontece na França e estou torcendo por Macron”. Letta disse ainda que todas as crises, financeiras e migratórias, só foram superadas devido “à capacidade de união do bloco”. “A resposta não está no Nacionalismo, no fechamento das fronteiras, construção de muros”, disse Letta, criticando a francesa Le Pen e o presidente norte-americano Donald Trump. “Não dá para, diante de problemas, nós simplesmente fecharmos todas as portas e voltar atrás, voltar ao que éramos há 20 anos”, afirmou o italiano.
Citando os fluxos de pessoas que chegam da África e Oriente Médio na costa italiana, o candidato culpou “a América de Bush” pelas guerras na região que fizeram iraquianos, afegãos e sírios fugirem de seus países. “A crise migratória é filha da América de Bush”, afirmou. “Mas eu sinceramente gostaria de viver numa Europa que não fosse dura como muitas vezes ela tem se mostrado – tanto com europeus quanto com não-europeus. Uma Europa com menos cara de Trump”, finalizou.
Em participação no mesmo programa, ao lado do candidato, a diretora do jornal Il Manifesto, Norma Rangeri, rebateu Letta e afirmou que o neoliberalismo da década de 1990 produziu também as crises que a Europa vive hoje – e que a Itália, como integrante do bloco, precisa rever muitas posturas, inclusive na questão das fronteiras. “São problemas massivos que a Itália precisa começar a pensar em reformas, reformas desse sistema neoliberal de Europa que já se vê ruir”, afirmou. Segundo Rangeri, a União Europeia como está “não se sustenta mais” – “e nem a Itália dentro dela”.
Durante todo o feriado italiano, dezenas de pessoas foram às ruas em cidades como Firenze, Milão, Veneza e Roma para comemorar a libertação do país das forças nazifascistas. E, em meio às passeatas, viam-se cartazes, faixas e camisetas protestando contra a União Europeia e a favor de um mais forte nacionalismo italiano e outros a favor de uma integração maior das economias e das sociedades do bloco. “Não creio que deva haver qualquer separação nem dentro nem fora da Itália. Em momentos de crise, o nacionalismo sempre encontra um espaço forte, é natural, mas o que temos que entender também é que quanto mais una a Europa for, mais forte será”, disse a diretora Natanhia Zevi, diretora da Comunidade Hebraica di Roma. A Comunidade Hebraica também saiu às ruas em comemoração, lembrando a libertação do povo judeu dos campos nazistas. “Se a Europa tivesse se separado na crise pós Segunda Guerra, não sei se ela teria conseguido se reerguer como se reergueu”, afirmou Natanhia.