Tirando proveito do medo “dos outros”, companhias lucram globalmente com ferramentas e dispositivos de controle
Por María Villarreal
Coluna Fronteira Aberta
No Rio de Janeiro (RJ)
Muros, arames farpados, radares e detectores de batidas do coração, assim como outras tecnologias para individuar, deter e controlar a imigração são um fenômeno atual e em expansão, não somente na Europa ou nos Estados Unidos.
Os investimentos cada vez maiores que realizam os países para frear a chegada de pessoas vistas como “indesejáveis” ou fonte de problemas têm crescido de forma exponencial desde os anos 90 e, particularmente, a partir dos 2000. O medo em relação à imigração e a ideia de combater fenômenos como o crime e o terrorismo tem criado o contexto ideal para justificar a “necessidade” de controlar os fluxos, sem que importem os meios ou as violações aos direitos humanos que estes controles e tipo de “gestão” provocam em nome da eficiência ou eficácia.
Além disso, a realidade dos controles migratórios, da edificação de muros ou da construção de campos de detenção e internação de pessoas não responde só a “teóricas necessidades de segurança”, e sim a diversos e poderosos interesses econômicos, vinculados a empresas de segurança privada e a indústria do armamento.
Com efeito, o medo a respeito “dos outros” tem criado uma oportunidade de negócio para numerosas companhias, gerando uma indústria das fronteiras e do controle da imigração que cria cada vez mais empregos e é altamente competitiva no mercado global. Como consequência, em contracorrente a crise econômica global que afeta diversos investimentos, este setor tem experimentado um boom e, a cada mês, produz novos e mais elaborados dispositivos de controle migratório.
Assim, a maior empresa de segurança privada do mundo (G4S), com diversos projetos no controle e “gestão” das migrações está presente hoje em mais de 100 países e emprega mais de 600.000 pessoas. Por outro lado, a produção de farpas para cercas (como as presentes nas barreiras de Melilla, na fronteira entre a Espanha e Marrocos) ou o detector de batidas do coração para identificar a presença de humanos em qualquer lugar, são só alguns dos produtos e tecnologias produzidos por empresas como a espanhola European Security Fencing (ESF) ou a inglesa Intelligent Security Limited (INTELSEC). Eles podem ser adquiridos entre uma ampla gama de produtos que incluem as explicações, mesmo em vídeos tutoriais, sobre os “benefícios” ou sobre as “vantagens” do produto na hora de impedir que as pessoas possam continuar a sua travessia.
Na hora de descrever sua missão e objetivos, estas empresas afirmam, de fato, que a única perspectiva que as guia é a de “beneficiar e satisfazer” os clientes.
No seu livro “El negocio de la xenofobia”, Claire Rodier, advogada e cofundadora da Rede Euroafricana Migreurop GISTI, afirma que os controles migratórios existem e têm aumentado em um cenário de profundas contradições. Por um lado, enquanto a mobilidade humana tem registrado um aumento muito significativo, as facilidades para migrantes qualificados, turistas e outros privilegiados têm tido uma evolução paralela, e os limites só se aplicam aos grupos de pessoas consideradas “indesejáveis” ou “não bem-vindas” em razão da sua origem, grupo étnico de pertencimento, classe social ou religião. Por outro lado, a “eficácia” dos controles e da crescente edificação de barreiras para limitar a imigração é relativa e, na maioria dos casos, serve apenas para aumentar ou multiplicar os controles, beneficiando com isso os interesses econômicos por trás destes dispositivos.
De fato, cada dispositivo evidencia as fraquezas das fronteiras e dos mecanismos de “gestão” dos fluxos, ao passo que justifica a criação de modos cada vez mais sofisticados para superar seus limites. Estas reflexões, estão corroboradas pela pesquisa jornalística coletiva Security for Sale onde, na busca por compreender o preço que se paga para proteger os cidadãos europeus, mais de vinte jornalistas evidenciam o papel dos lobbies do controle e da segurança, mostrando os subsídios e benefícios que estes setores recebem.
Apesar de tudo, o elemento mais importante é que o aumento de barreiras a imigração não limita a chegada de pessoas de forma integral, mas provoca apenas a criação de novas e perigosas rotas, cujo maior efeito é o de expor os migrantes a novos riscos e a piores condições de deslocamento na busca de uma vida melhor. Com efeito, este resultado acaba beneficiando sobre tudo as empresas do controle migratório e as redes do crime organizado que lucram criando formas de controle ou mecanismos para eludir ou burlar as primeiras, gerando inumeráveis custos humanos.
Além disso, o foco nas formas de limitar a mobilidade humana, não permite gerar uma discussão séria sobre o fenômeno migratório que considere, por exemplo, a necessidade de redistribuir os recursos e diminuir as assimetrias entre as diversas regiões do planeta, subestimando também que as razões que motivam os deslocamentos humanos são heterogêneas e que, portanto, eles sempre existirão.
Saiba mais:
El Negocio de la Xenofobia. ¿Para qué sirven los controles migratorios? Claire Rodier. Madrid: Editorial Clave Intelectual, 2013.
https://elpais.com/internacional/2017/08/05/actualidad/1501963986_656529.html
https://thecorrespondent.com/10221/security-for-sale-the-price-we-pay-to-protect-europeans