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domingo, dezembro 22, 2024

Governo renova portaria de vistos humanitários para afegãos, mas mudanças geram preocupações

Medida válida até o fim de 2024 trouxe pontos que geraram controvérsia junto a entidades da sociedade civil e outros envolvidos na temática migratória

O governo federal renovou e fez mudanças na concessão de vistos humanitários para afegãos. No entanto, a medida causou preocupação e dúvidas junto a entidades da sociedade civil e outros envolvidos diretamente na questão. 

As duas principais mudanças se referem aos locais de emissão do documento e a limitação da concessão do visto pela capacidade de abrigo dos solicitantes em território brasileiro.

A renovação da portaria e as novas regras foram definidas por meio de portaria conjunta dos Ministétrios da Justiça e das Relações Exteriores, publicada na edição desta terça-feira do Diário Oficial da União. O texto entra em vigor a partir de 2 de outubro e vale até 31 de dezembro de 2024.

De acordo com o texto, a partir do dia 2 de outubro, os afegãos só poderão pedir o visto humanitário para o Brasil nas embaixadas situadas em Teerã (Irã) e Islamabad (Paquistão), ambas que concentravam a maior parte das solicitações. Até então, outras representações diplomáticas em países vizinhos estavam habilitadas a emitir o documento  – Doha (Qatar), Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos), Moscou (Rússia) e Ancara (Turquia).

Ainda segundo a portaria, a concessão do visto humanitário fica condicionada à capacidade do país em abrigar os afegãos solicitantes. Isso deve ocorrer, de acordo com o governo, a partir de convênios a serem firmados com entidades da sociedade civil. Esse procedimento já é empregado por outros países, como o Canadá, mas é uma novidade no contexto brasileiro.

Por meio de nota conjunta, as duas pastas sustentam que a nova portaria aprimora a política migratória do Brasil para pessoas afetadas pela situação de instabilidade institucional e de grave violação de direitos humanos no Afeganistão, ao assegurar uma estrutura de acolhimento prévia à efetiva chegada dos afegãos ao país.

“A normativa migratória reafirma o compromisso do Estado brasileiro em promover o acolhimento humanitário dos imigrantes afegãos de forma segura, ordenada e regular. A nova política pretende assegurar que, ao chegar no Brasil, os afegãos tenham acolhimento planejado, organizado e digno, de forma a melhor promover a integração local e a dignidade dos beneficiários, com segurança e preparação prévia”.

Os afegãos no Brasil e os vistos humanitários

Os vistos humanitários para afegãos foram criados em setembro de 2021, um mês depois de o grupo radical Talibã retomar o poder no Afeganistão e levar a um grande deslocamento de opositores para outros países. 

Desde o começo, no entanto, foram diversos os episódios de choque gerados por questões como a demora, burocracia e a suspensão da emissão dos vistos. Além dos problemas encontrados pelos afegãos para obter o documento, a chegada ao Brasil ainda costuma reservar outra adversidade: a falta de abrigamento, levado parte dos recém-chegados a ter de acampar no mezanino do Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo.

A cena tem se repetido com maior ou menor frequência desde agosto de 2022. No  momento de fechamento deste texto, segundo cálculos do Coletivo Frente Afegã, que apoia os afegãos no terminal, 81 pessoas estavam instaladas em barracas improvisadas com mantas, cobertores, bancos e carrinhos para transporte de bagagens. Em outros momentos, esse grupo já chegou à casa dos duzentos, incluindo crianças.

Entre os afegãos que chegam a Guarulhos, tem aqueles que veem o Brasil como uma etapa a mais de uma longa, cara e perigosa jornada, que tem os Estados Unidos como destino final. Mas também há quem expresse vontade de recomeçar a vida em solo brasileiro, ainda que sem saber ao certo como e onde.

Segundo a Secretaria Nacional da Justiça, o governo federal está construindo um plano de ação para os refugiados e para evitar que a cena de pessoas em aeroportos se repita. No entanto, a situação vem persistindo, como os números mais recentes deixaram claro.

No último dia 4 de setembro, o MigraMundo publicou uma reportagem na qual falou sobre como os fatos recentes ligados ao fluxo de afegãos para o Brasil servem de exemplo para às contradições da política migratória nacional.

De setembro de 2021 a agosto deste ano, de acordo com dados do Ministério das Relações Exteriores, foram 12.548 vistos humanitários autorizados pelo governo brasileiro e 9.392 devidamente emitidos. Ainda segundo o Itamaraty, 4.280 afegãos deram entrada em pedidos de residência e 606 solicitaram refúgio.

Preocupações e incertezas

O advogado especializado em migrações Vitor Bastos acompanha de perto a questão dos vistos humanitários para afegãos desde o início da validade da medida, em setembro de 2021. Ele observa que há famílias de afegãos aguardando há mais de um ano por uma resposta do governo brasileiro em países como Irã e Paquistão em uma situação vulnerável. E que a portaria visa atuar sobre algo “que não tinha mais como piorar”.

“Essa mudança tem dois lados. Ela muda a inércia com a qual o tema vinha sendo tratado pelo governo ao longo do tempo, mas também gera preocupação por trazer esse formato do patrocínio que nunca foi usado no Brasil. E não sabemos exatamente como será esse fluxo e como serão as pactuações com a sociedade civil para definir os vistos humanitários a serem emitidos. É muita insegurança para as famílias, muita falta de transparência sobre o procedimento”.

Por meio de nota conjunta, um grupo de 36 entidades, incluindo ONGs de apoio a migrantes, coletivos e universidades, expressou preocupação com a portaria. Elas criticaram especialmente o ponto que condiciona a emissão dos vistos humanitários ao patrocínio de uma determinada entidade ao solicitante do documento.

“É de domínio público que restrições de entrada não evitam que as pessoas deixem de sair de seus países em busca de salvar suas vidas e de suas famílias, mas sim as expõem ainda mais a situações de exploração pelas redes de contrabando de migrantes. Esse modelo certamente privilegiará grupos e pessoas com maior capital social e financeiro e aumentará o risco de facilitação da emissão de vistos e apoio mediante a pagamentos e favorecimento de rotas irregulares”.

A nota das entidades faz ainda uma cobrança específica ao poder público para que também se comprometa em buscar soluções para o acolhimento dos afegãos no Brasil.

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