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sexta-feira, abril 26, 2024

Guerras na antiga Iugoslávia geraram refugiados na Europa antes do conflito na Ucrânia

Antes da atual guerra na Ucrânia, o conflituoso processo de dissolução da Iugoslávia na década de 1990 gerou milhões de refugiados e de deslocamentos forçados na Europa

Por André Gabay Piai

A guerra que desde fevereiro assola a Ucrânia é citada costumeiramente como o primeiro grande conflito na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Embora tenha condições de se tornar o maior desde então, o atual embate entre ucranianos e russos teve um antecessor na Europa, que igualmente gerou uma grande crise humanitária, deslocamentos internos forçados e refugiados: a dissolução da antiga Iugoslávia, ao longo da década de 1990. 

Formada por sérvios, croatas, eslovenos, montenegrinos, bósnios, macedônios, entre outras minorias étnicas, a Iugoslávia corresponde ao antigo Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, formado após a Primeira Guerra Mundial e que assumiu o nome Iugoslávia em 1929. As diferenças entre esses povos atingiram um pico a partir do final da década de 1980, com impulsos nacionalistas que levaram à dissolução do país na década seguinte. Um processo que foi marcado por conflitos armados e violações dos direitos humanos, especialmente a Guerra da Bósnia (1992-1995).

Preteridos por alguns especialistas quando se trata de trazer comparações ao conflito travado atualmente entre a Rússia e a Ucrânia, os conflitos nos Balcãs marcaram a memória de diversos povos europeus. O balanço do conflito não é negligenciável e gerou massacres equivalentes aos da Segunda Guerra Mundial. Um dos casos emblemáticos ocorreu na cidade bósnia de Srebrenica, em julho de 1995, no qual um massacre resultou em cerca de 8 mil mortes.

Os custos dessas guerras foram altos: as 6 repúblicas que emanaram da antiga Iugoslávia (Sérvia, Croácia, Eslovênia, Bósnia-Herzegovina, Montenegro e Macedônia do Norte) se envolveram em um total de nove enfrentamentos armados, o que resultou em 400 mil desabrigados, mais de 2 milhões de refugiados e milhares de desaparecidos. Ademais, o conflito matou mais de 200 mil pessoas em apenas 3 anos, sendo que quase metade dessas vítimas eram civis.  

Finalmente, apesar de as guerras terem, na visão de alguns analistas, ganhado novos contornos, as comparações históricas feitas com conflitos passados se fazem presentes. Guardadas as devidas proporções e contextos, o atual conflito travado entre a Rússia e a Ucrânia evoca o passado bélico da Europa. Muitos líderes europeus acusam Putin de ter trazido de volta a guerra à Europa.   

Não só a Segunda Guerra Mundial, como também a guerra dos Balcãs, ocasionada pela dissolução da Iugoslávia, trazem elementos em comum com o conflito atual. Assim como na guerra dos Balcãs, disputas de caráter étnico também estão presentes na Ucrânia, país multinacional. Pesquisas indicam que mais de 130 grupos étnicos estariam presentes no país. Por fim, com a guerra às portas da União Europeia, a participação de potências ocidentais – traduzida pela presença da OTAN – marca o conflito atual, assim como marcou a guerra travada nos Balcãs.   

No que diz respeito à mobilização internacional frente à questão dos refugiados, já não é novidade que a resposta humanitária por parte da Europa é bastante criticada devido ao acolhimento seletivo de deslocados pelo conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Diversos países europeus recorrem ao uso da temática das migrações como instrumento político, além de serem acusados de adotar uma postura dúbia em relação à catástrofe humanitária que se desenha à medida que a guerra avança.  

Desta forma, alimentados por um discurso anti-imigração, alguns países europeus tomaram, num passado recente, duras medidas para coibir a entrada de refugiados provenientes do Oriente Médio e da África no continente. Atualmente, no contexto do conflito russo-ucraniano, a resposta europeia parece ter mudado: grande parte dos países cujos dirigentes são adeptos de discursos securitários, tal qual a Hungria e a Polônia, estão mobilizados pelo acolhimento dos ucranianos vitimados pelo conflito. Juntas, as duas nações já receberam mais de 1 milhão de refugiados, a despeito do projeto de Viktor Orbán, primeiro-ministro húngaro, de construir um muro entre a Sérvia e a Hungria. Orbán já chegou a afirmar que a “imigração põe a segurança da Europa em perigo”.  

Comparativamente, à época do conflito nos Balcãs, a Europa também esteve mobilizada para prestar assistência aos deslocados provenientes da Iugoslávia. Considerada a maior crise humanitária já enfrentada pelo continente desde a Segunda Guerra Mundial, a guerra na Iugoslávia fez com que quase 700 mil refugiados buscassem auxílio para além das fronteiras do antigo país. Assim, em 1993, Suécia, Noruega, Dinamarca, Áustria, Alemanha e Suíça propuseram uma repartição dos refugiados entre os diferentes países europeus. A Suécia e a Alemanha se destacaram por terem acolhido um grande número de refugiados provenientes da Bósnia e Herzegovina.   

Países como França e Reino Unido se opuseram à tentativa de acordo, o que contrasta com a situação atual. À luz do conflito russo-ucraniano, na França, diversas manifestações em favor do acolhimento de refugiados se traduzem, por exemplo, em doações de alimentos organizadas pelo terceiro setor e por bandeiras da Ucrânia tremulando ao lado da bandeira francesa em repartições públicas do país.   

Por fim, o que se pode afirmar é que, tanto o conflito russo-ucraniano quanto o conflito na ex-Iugoslávia desencadearam ações por parte de países ocidentais e de organizações internacionais, como ONU e OTAN. Tanto atualmente, com a situação na Ucrânia, como no passado, com a situação nos Balcãs, a União Europeia propôs uma repartição de refugiados entre os estados-membros para que, idealmente, nenhum país ficasse sobrecarregado.

Desde a Segunda Guerra Mundial, a Europa teme a reprodução de desastres humanitários em seu território, o que pode explicar a grande mobilização ocidental em torno do conflito que marcou o continente na década de 1990 e que o marca hoje, em 2022.


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