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quinta-feira, março 28, 2024

Imigrantes peruanos no Brasil se posicionam diante da crise no país natal

A instabilidade política e a repressão violenta a manifestações no Peru levaram a mobilizações da comunidade peruana no Brasil

Por Cristina de Branco
Colaboração de Rodrigo Borges Delfim

A conturbada situação política vivida pelo Peru também preocupa e mobiliza imigrantes peruanos que vivem no Brasil.

Nas últimas semanas, o país vizinho tem vivenciado protestos contra a atual presidenta, Dina Boluarte, que assumiu o cargo após o impeachment do antecessor, Pedro Castillo, em dezembro.

As manifestações, que pedem a renúncia de Boluarte, o fechamento do Congresso e o adiantamento das eleições e da Assembleia Constituinte, previstas para 2024, tem sido duramente reprimidas pelas forças de segurança. Até o momento foram confirmadas 49 mortes, além de centenas de feridos.

No último dia 10 de janeiro, peruanos residentes no Brasil divulgaram pelas redes sociais um comunicado público no qual se posicionaram contra a violência policial e militar sobre os protestos recentes. O texto também fez coro às demandas mais repetidas nas ruas do país.

Entenda a situação

Após uma acirrada disputa eleitoral protagonizada por Keiko Fujimori (Fuerza Popular) e Pedro Castillo (Perú Libre), no dia 28 de julho de 2021, Castillo saiu vencedor por apenas 71 mil votos de diferença.

Esse panorama já evidenciava a polarização política da sociedade peruana, dividida entre o professor e sindicalista andino Castillo e Keiko, empresária da capital, Lima, e herdeira política do ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), condenado em 2009 a 25 anos por crimes de lesa humanidade ocorridos durante seu governo, atualmente cumprindo pena.

Depois da eleição de Castillo, o então presidente peruano veio a se afastar de seu partido de candidatura, abandonando o programa político apresentado para as eleições. Diante de uma base frágil e minoritária no Congresso peruano, de pressões midiáticas, congressistas e civis constantes que minaram a sua governabilidade, Castillo decidiu fechar o Congresso nacional e instalar um Estado de exceção.

Horas depois do anúncio, por maioria no Congresso, Castillo foi destituído do cargo e de seguida preso pelas autoridades peruanas. Logo a seguir, foi empossada sua vice, a atual presidenta do Peru, a advogada andina Dina Boluarte, tornado-se a primeira mulher a comandar o país.

A partir da destituição e prisão de Castillo, teve início uma série de manifestações por cidades peruanas, principalmente no oriente e sul do país, no eixo da Serra e do Altiplano andino de Ayacucho-Cuzco-Puno, que vem sendo violentamente reprimidos pelas forças policiais e militares peruanas.

Raízes profundas

“O que está acontecendo hoje é resultado de problemas que existem no Peru há décadas”, pontua Sandra Morales, psicóloga e professora peruana e integrante da Equipe de Base Warmis – Convergência de Culturas, residente em São Paulo.

Mais precisamente, Morales assinala o período do fujimorismo, durante a ditadura liderada por Alberto Fujimori nos anos noventa, como um dos períodos mais sombrios da história recente do Peru que em muito influi não apenas na instabilidade política do país, como também na associação estigmatizante do protesto como ato terrorista, do manifestante como terrorista (fenômeno nomeado como “terruqueo” no Peru), e na brutal repressão policial e militar, com um direcionamento tendencialmente racista e classista.

Para além dessa herança direta que vem apodrecendo o sistema político e minando a atuação política da cidadania peruana, Sandra menciona também a corrupção endêmica que estrutura os sucessivos governos peruanos e destaca a ação ideológica das mídias peruanas, evidentemente envolvidas na rede de interesses da classe congressista peruana e emissoras de discursos discriminatórios sobre os cidadãos em protesto.

Diante deste panorama atual, a diretora Executiva da Associação Latino-americana e Arte e Cultura e dirigente política do Perú Libre, Tania Bernuy, considera que a partir da possessão de Dina Boluarte vem se afirmando “um regime ditatorial que busca se legitimar, através da impunidade aos massacres e violações de direitos humanos que estão sendo perpetradas contra o povo peruano que reclama, e exige um basta ao abuso e ao descaso das autoridades do governo e do estado peruano, que tem acontecido em décadas ou se não é em séculos”.

Bernuy entende ainda que a sociedade peruana está vivendo um processo de refundação do Peru. “Infelizmente por caminhos muito dolorosos que nos impõe as hegemonias históricas”.

Protestos aymaras em Puno, Peru, em jan.2023 (Foto: Uriel Montufar @urielmontufar)

Mobilizações

Diante dessa situação, se multiplicam os protestos que vão se expandindo por todo o país, tendo chegado à Lima no dia 12 de janeiro e até a São Paulo no último dia 15.

Tal como manifestado por imigrantes peruanos no Brasil, em geral, estes protestos populares exigem a renúncia da atual Presidenta, o fechamento do congresso, um referendo para uma nova constituinte e, sobretudo, o adiantamento máximo das eleições gerais (previstas para serem realizadas em abril de 2024, como encaminhado pelo Congresso peruano em 20 de dezembro passado, proposta que deve ainda passar pela segunda votação dos congressistas, marcada para 15 de março).

Enquanto o Ministério Público do Peru já afirmou existirem provas suficientes para investigar a Presidenta Dina Boluarte e a cúpula de Ministros por crime de genocídio, Sandra Morales também afirma como reivindicação sua, entre outros tantos referentes e frentes políticas peruanas, “que o governo reconheça os erros cometidos no último mês e investigue cada morte”, algo que, segundo ela, “parece distante do diálogo entre ministros e a presidência”.

Os residentes peruanos recomendam “a presença de organismos internacionais de direitos humanos, da Cruz Vermelha Internacional e outros organismos” no território peruano e pedem aos seus compatriotas “que lutem na promoção da unidade das forças”.

Em consonância com exigido pelos imigrantes peruanos, também foi lançado no dia 11 de janeiro um comunicado assinado pelo Partido Comunista do Peru, o Partido Humanista Peruano, o Partido Povo Unido, o Partido Socialista, o Partido do Povo do Peru e o Peru Libre, ao Governo de Lula, denunciando os assassinatos perpetuados por forças públicas nas últimas semanas e afirmando que “en el Perú se ha ejecutado un plan de quiebre anti democrátido, el período para 2021-26 se ha interrompido por un Gobierno civico-militar-congressal”.

Ao agradecerem a solidaridade dos governos mexicano, colombiano, boliviano, argentino, venezuelano, hondurenho e chileno que já reagiram a repressão policial e militar desatada pelo governo peruano, os seis partidos solicitam o pronunciamento do Brasil através do Partido dos Trabalhadores e do Presidente Lula, o que até ao momento ainda não se deu.

No dia 7 de dezembro do ano passado, o então presidente eleito emitiu uma nota na qual afirmava a sua preocupação diante da situação política peruana e da destituição e prisão de Pedro Castillo, ainda que entendendo que “tudo foi encaminhado no marco constitucional”. Nessa altura, saudou a Presidenta Dina Baluarte desejando-lhe êxitos no “caminho do desenvolvimento e da paz social”.

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