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sábado, abril 12, 2025

Já ouviram falar de Externalização da Gestão Migratória? Um olhar sobre o caso Itália-Albânia

Transferir migrantes para centros administrados fora de seus territórios é uma prática cada vez mais comum, mas suscita questionamentos diversos que vão da soberania estatal ao direito internacional

Que as decisões trumpistas sobre migração mudaram todo o cenário mundial sobre a temática não é nenhuma novidade. O que ainda “pega” de surpresa são os impactos de algumas decisões mundo afora e, na Europa, isso envolve a “família toda”.

A União Europeia é, de fato, conhecida pela concentração de poderes, valores e, legislações em torno de uma comunidade que é forte internacionalmente, mas como toda família tem grandes divergências internas. Neste sentido, quando o assunto é migração, a máxima do tio chato que ninguém quer por perto e, manda para o parente mais próximo cuidar porque ninguém quer mais vê-lo, ou não quer mais lidar com ele tem a mesma lógica organizacional.

A recente decisão da Justiça italiana de rejeitar a detenção de 43 migrantes em centros localizados na Albânia, destaca essa mesma lógica e, revela um embate fundamental entre políticas migratórias restritivas e a proteção dos direitos humanos.

A tentativa do governo de Giorgia Meloni de transferir migrantes para centros administrados em território albanês reflete uma estratégia cada vez mais comum de externalização do controle migratório por parte de países europeus. No entanto, essa prática suscita questionamentos teóricos e jurídicos que vão desde a soberania estatal e os princípios da autodeterminação até a proteção dos refugiados conforme o direito internacional.

Externalização migratória, um assunto antigo

A externalização da gestão migratória não é um fenômeno novo. Segundo Gammeltoft – Hanse (2011) essa estratégia tem sido utilizada como forma de reduzir a pressão migratória sobre seus próprios territórios, transferindo a responsabilidade para países terceiros. No caso europeu, essa política tem se intensificado após a chamada “crise dos refugiados” de 2015, levando a acordos como o firmado entre a União Europeia e a Turquia, que previa o retorno de solicitantes de asilo para território turco em troca de benefícios financeiros e políticos. (GUILD, 2016).

Para a Itália, a aplicação desse modelo, porém, esbarra na decisão judicial que impede a detenção dos migrantes na Albânia com a premissa de que um país só pode ser considerado “seguro” se essa segurança for garantida de forma uniforme em todo o seu território (COSTELLO, 2020). Ou seja, segundo um dos mais importantes princípios do direito europeu e internacional, incluindo a Convenção de Genebra de 1951, de non-refoulement, não é possível deportar pessoas para países onde possam enfrentar perseguições ou tratamento degradante (GOODWIN-GILL, 2014).

E a situação piora! A tentativa italiana de classificar Bangladesh e Egito como países seguros foi questionada com base no critério de segurança territorial uniforme, já que esses países registram violações sistemáticas de direitos humanos, especialmente contra minorias políticas e religiosas (UNHCR, 2022).

Mas, espera que ainda tem mais! A transferência de migrantes para a Albânia, um Estado não-membro da União Europeia, levanta dúvidas sobre a aplicabilidade das normas europeias de proteção aos refugiados, uma vez que a Albânia não integra o sistema comum europeu de asilo. Então, pra quê e por que a Albânia?! Fica o questionamento no ar. Ou melhor, nem fica, mas quem somos nós para duvidar do bom satanismo de um europeu. Opa, samaritanismo! Desculpem, erro meu.

Verdade seja dita, a decisão judicial que reverteu a detenção dos migrantes expôs as dificuldades jurídicas enfrentadas por governos que tentam implementar políticas migratórias mais rígidas sem desrespeitar tratados internacionais. O direito europeu impõe limites à externalização da gestão migratória, estabelecendo que a transferência de requerentes de asilo para países terceiros só pode ocorrer caso sejam garantidas condições de segurança jurídica e humanitária equivalentes às do país de origem do pedido (CHETAIL, 2016). A ausência dessas garantias no caso da Albânia reforçou a decisão da Justiça italiana, que optou por não validar a detenção e ordenou o retorno dos migrantes ao território italiano.

Securitização da migração na UE

A polêmica maior disso tudo, esta nos impactos da securitização da migração na União Europeia. Autores como Bigo (2002) argumentam que a migração tem sido tratada cada vez mais como uma questão de segurança, em vez de uma questão de direitos humanos, resultando em políticas restritivas que buscam barrar fluxos migratórios sem necessariamente oferecer soluções humanitárias. Essa perspectiva securitária, aliada ao crescimento da extrema-direita e do discurso anti-imigração, tem levado a uma série de medidas que desafiam o equilíbrio entre soberania nacional e obrigações internacionais.

No plano político, a decisão da Justiça italiana representa um revés para a estratégia do governo Meloni, que busca endurecer as políticas migratórias como forma de resposta à pressão social e política por maior controle das fronteiras.

A decisão final do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) sobre o caso será fundamental para determinar a viabilidade jurídica de políticas semelhantes no futuro. Caso o tribunal decida contra a externalização da gestão migratória para a Albânia, isso poderá ter repercussões não apenas para a Itália, mas também para outros países europeus que consideram modelos semelhantes, como o Reino Unido com seu acordo de deportação para Ruanda.

Logo, mais uma vez, a rejeição da detenção de migrantes na Albânia pela Justiça italiana escancara as contradições políticas, sociais e legais do trato migratório com as políticas de externalização do controle. Enquanto os governos nacionais buscam formas de reduzir o fluxo para seus territórios, os direitos internacionais e, ás vezes, o direito europeu impõem restrições que visam garantir a dignidade e a segurança dos migrantes. Quer dizer, depende do migrante…

Sobre a autora

Bianca da Silva Medeiros é Doutoranda em Direito na Universidade Nova de Lisboa – UNL, mestre em Ciências da Sociedade com ênfase em direitos humanos, sociedade e cidadania ambiental pela Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Oeste do Pará – Ufopa. Especialista em Direito Constitucional Aplicado e Relações Internacionais com ênfase em Direito Internacional Público. Pesquisadora, Consultora Jurídica e Gestora de Projetos no Terceiro Setor. Amazônida, latina, filha da educação pública e defensora dos direitos humanos.

Referências

BIGO, D. (2002). “Security and Immigration: Toward a Critique of the Governmentality of Unease.” Alternatives: Global, Local, Political, 27(1), 63-92.

CHETAIL, V. (2016). “The Common European Asylum System: Bric-à-brac or System?” In: Research Handbook on International Refugee Law. Edward Elgar Publishing.

COSTELLO, C. (2020). The Human Rights of Migrants and Refugees in European Law. Oxford University Press.

GAMMELTOFT-HANSEN, T. (2011). Access to Asylum: International Refugee Law and the Globalisation of Migration Control. Cambridge University Press.

GOODWIN-GILL, G. S. (2014). “The International Law of Refugee Protection.” In: The Oxford Handbook of Refugee and Forced Migration Studies. Oxford University Press.

GUILD, E. (2016). “Does the EU-Turkey Migration Deal Undermine International Refugee Law?” EU Immigration and Asylum Law and Policy Blog.UNHCR (2022). Global Trends: Forced Displacement in 2022. United Nations High Commissioner for Refugees

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