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sábado, novembro 23, 2024

Jornalismo de Paz é um caminho para a cobertura de migrações, aponta professor

Embora pensado inicialmente para cobertura de guerras, o Jornalismo de Paz e seus valores também se aplicam às migrações, segundo Steven Youngblood, referência global no tema

Como a cobertura na mídia em geral de questões ligadas às migrações poderia ser mais proativa e humanizada, além de mais efetiva na luta contra estereótipos e desinformação? Para o professor e pesquisador estadunidense Steven Youngblood, o Jornalismo de Paz seria um caminho possível.

Uma das maiores referências globais nesse conceito, Youngblood falou sobre o Jornalismo de Paz e suas aplicações no workshop online “Jornalismo de Paz: muito além do conflito violento”, que ocorreu na última terça-feira (24), por meio da plataforma Zoom e com tradução simultânea do inglês para o português.

A atividade foi promovida pelo HumanizaCom, grupo de pesquisa Jornalismo Humanitário e Media Interventions, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), com apoio de instituições nacionais e de outros países. O MigraMundo é uma das instituições parceiras do HumanizaCom e também apoiou a realização da atividade, que já se encontra disponível no YouTube.

O Jornalismo de Paz

Em linhas gerais, o Jornalismo de Paz visa se contrapor à lógica vigente na cobertura de situações de conflitos. Em vez de “jogar gasolina no fogo”, privilegia as respostas não violentas para resolução dos embates. Além disso, o Jornalismo de Paz se baseia nos seguintes princípios, resumidos abaixo:

  • ser proativo, buscar soluções
  • rejeitar o clima de “nós contra eles” e buscar a construção de pontes
  • rejeitar propaganda de qualquer lado
  • dar visibilidade à complexidade
  • dar voz aos atores que costumam ficar silenciados nas coberturas convencionais
  • dar profundidade e contexto aos fatos noticiados
  • considerar as consequências de cada reportagem
  • escolha criteriosa das palavras utilizadas
  • escolha criteriosa das imagens utilizadas
  • trazer contranarrativas que desmascaram estereótipos e mitos

Pelo seu caráter propositivo e pelo foco em valores humanitários, o Jornalismo de Paz costuma ser associado a outros dois conceitos, o Jornalismo Humanitário e o Jornalismo de Soluções. Segundo Youngblood, isso ocorre porque ambos são como subcategorias do Jornalismo de Paz.

“Galtung [criador do conceito de Jornalismo de Paz] falava de soluções no jornalismo 50 anos antes de existir esse conceito. E assim como o Jornalismo de Soluções, o Jornalismo Humanitário é como uma subcategoria do Jornalismo de Paz. Se você volta aos princípios Jornalismo de Paz, você vê os princípios humanitários nele refletidos”.

O professor ressalta, no entanto, que o Jornalismo de Paz não é uma forma de advocacy pela paz ou um “jornalismo de boas notícias”. “Não é advocacy pela paz, mas sim abrir discussões para que ela possa ser construida. O Jornalismo de Paz também não é um ‘jornalismo de boas notícias’. Se acontece algo ruim, é notícia e deve ser reportado, mas o jornalista de paz se pergunta sobre como reportá-la”.

Ele ainda acrescenta: “Construir pontes é um dos apsectos mais importantes do Jornalismo de Paz”.

Youngblood lecionou por 27 anos na Park University, em Parkville, nos Estados Unidos, onde fundou o Centro Global para Jornalismo de Paz. A partir de outubro o professor assume a coordenação do programa de jornalismo do East–West Center, em Honolulu, no Havaí.

Jornalismo de Paz e as migrações

Embora o Jornalismo de Paz tenha sido pensado inicialmente para a cobertura de conflitos armados, ele também é aplicável em outras áreas e temas, sobretudo aquelas que costumam gerar algum tipo de embate ou que envolvem estereótipos diversos, como sobreviventes de traumas, questões de gênero e migrações em geral.

O professor citou como exemplo um caso de desinformação recente nos Estados Unidos, quando o candidato do Partido Republicano à Presidência e ex-presidente Donald Trump afirmou que imigrantes haitianos estavam comendo cachorros. Embora tenha sido prontamente desmentido por diferentes veículos de imprensa e especialistas, a notícia falsa rapidamente se espalhou e ajudou a reforçar uma percepção negativa sobre a comunidade migrante, especialmente a haitiana.

“A cobertura sobre refugiados e migrantes no Brasil, assim como nos Estados Unidos e em outros locais, é particularmente negativa. Em todo o mundo vemos a mídia retratar refugiados como crimimosos ou inimigos em geral. O Jornalismo de Paz rejeita estereótipos e bodes expiatórios, afim de construir uma imagem positiva para tratar das questões dessas comunidades”, apontou Youngblood.

Em uma de suas obras, intitulada “Peace Journalism – Principles and Practices” (sem tradução para o português), o professor adapta os preceitos do Jornalismo de Paz para uma série de dez orientações básicas a serem aplicadas à cobertura da mídia sobre migrações.

  • Considerar as consequências da reportagem a ser publicada
  • Proteção da identidade do migrante
  • Simpatia
  • Tomar cuidado com propaganda de qualquer lado
  • Cuidado com desinformação
  • Atenção e cuidado com os termos utilizados
  • Direito de imagem 
  • Lutar contra estereótipos
  • Estabelecimento de boas parcerias
  • Humanização das histórias

Em sua cobertura sobre migrações, o MigraMundo procura seguir essas orientações descritas na obra de Youngblood. Esses mesmos critérios também se fazem presentes em alguns dos manuais e cartilhas publicados recentemente no sentido de apoiar profissionais de comunicação quanto à abordagem do tema na mídia.

Próximos passos

O workshop sobre Jornalismo e Paz é o primeiro de uma série de atividades semelhantes a serem promovidas nos próximos meses pelo HumanizaCom. A expectativa é que ainda ocorra mais uma neste ano, em tema e data a serem definidos.

Para a professora Cilene Victor, líder do HumanizaCom, o workshop foi pensado para reiterar a proposta e o compromisso do grupo de pesquisa com a abordagem e a investigação da paz na sua base cotidiana – ou seja, muito além da simplificação da paz como ausência de conflito violento.

“Pensar o jornalismo de paz no cotidiano é, em outras palavras, promover a paz positiva que, como cunhado por Johan Galtung, pioneiro nos estudos nessa área, não restringe-se à ausência de guerra [paz negativa]. A paz positiva se antecipa aos conflitos e vai diretamente na sua raiz”.

O evento, segundo a professora, foi um tributo ao norueguês Johan Galtung e ao brasileiro-israelense Dov Shinar, referências no Jornalismo de Paz que faleceram este ano. “O workshop prestou uma homenagem singela a Galtung e Shinar e, com a participação de Youngblood, lançamos uma série de eventos com as principais referências estudadas no escopo do HumanizaCom”, completou. 

Além do MigraMundo, também são parceiros do HumanizaCom na série de workshops: o portal de notícias Monitor do Oriente Médio – Brasil (MEMO), a Fundação para Governança Global e Sustentabilidade (FOGGS), sediada na Bélgica, a Rede de Perspectivas do Sul Global (GSPN), o Instituto Sociedade Inclusiva (ISI), da África do Sul, a Escola do Parlamento Dr. Osmar de Souza, a Associação Paulista de Escolas do Legislativo e Contas (Apel) e a Associação Brasileira das Escolas do Legislativo e de Contas (Abel).


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