Mantido por uma fundação turca, local existe há quatro anos e abriga atualmente quase mil crianças
Por Alethea Rodrigues
Em Hatay (Turquia)
Milhões de sírios já foram obrigados a deixar suas casas desde que teve início a guerra no país, em março de 2011. Segundo dados do ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados), são 6,7 milhões de sírios vivendo como refugiados fora do país e outras 6,1 milhões de pessoas deslocadas internamente.
Desse grupo, pelo menos a metade são crianças – e cerca de 800 mil ficaram órfãs, segundo a fundação turca IHH (Humanitarian Relief Fundation) – a Turquia é atualmente o país com maior número de refugiados no mundo (3,7 milhões), de acordo com as Nações Unidas, sendo a maior parte deles da vizinha Síria.
Em meados de 2013, a fundação IHH, com apoio de outras organizações internacionais, sentiram a necessidade de ajudar os órfãos que chegavam a Turquia. A demanda era assustadora e todos chegavam extremamente debilitados, apenas com a roupa do corpo e psicologicamente destruídos. Após dois anos de muito trabalho, em julho de 2015 foi inaugurado o RAF-IHH City que atualmente é considerado o maior orfanato dedicado as vítimas de guerra do mundo, com capacidade para acolher 990 crianças.
Crianças órfãs são consideradas mais vulneráveis a abuso sexual, podem ser forçadas a casar precocemente, se tornarem soldados para lutarem em guerras (como é o caso das sírias) e constantemente são vítimas do tráfico internacional de crianças. No caso das órfãs sírias, grande parte está refugiada na Turquia, em cidades como Hatay, no sul do país e bem próxima da fronteira.
A estrutura ocupa um espaço de 100 mil metros quadrados e foi erguida como uma pequena vila, para que as crianças traumatizadas pela guerra tenham a chance de retornarem a rotina de uma vida normal. O espaço conta com 55 sobrados, todos equipados com ar condicionado e wifi. Cada casa possui duas cuidadoras que trabalham período integral e vivem com as crianças.
Na parte externa, os órfãos desfrutam de diversos playgrounds, um centro cultural, biblioteca, quadras para a prática de esportes e uma mesquita, onde aprendem diariamente os ensinamentos do Islamismo, religião que predomina tanto na Turquia quanto na Síria. O espaço também oferece salão de cabeleireiro e supermercado.
Além da acomodação, a fundação providencia todas as refeições e roupas para os órfãos. A educação também é uma das principais preocupações – por isso, três escolas foram construídas no próprio complexo, duas para meninos (que são a maioria) e uma para as meninas. De acordo com as regras do Islamismo não é permitido a mescla de sexo, por isso, na escola e nas próprias acomodações as crianças são mantidas separadamente.
“Todas as crianças estudam porque é uma prioridade para nós. Queremos acompanhá-las até que alcancem a universidade. Nosso objetivo é que elas se tornem mais independentes possível”, explicou o coordenador-geral do orfanato Sharif Dizen, que trabalha no local desde a inauguração.
Outras atividades também são realizadas durante a semana, como aulas de inglês e turco, idiomas considerados fundamentais para a integração dessas crianças na sociedade do país de acolhida. A saúde também não é considerada menos importante. Os órfãos mantêm contato direto com a natureza, aprendem a plantar frutas e vegetais e passam regularmente por check-ups na clínica do próprio orfanato.
Conflitos armados, como o que está ocorrendo na Síria, causam graves problemas emocionais para todos que convivem ou conviveram em um ambiente de guerra, principalmente quando se trata de crianças que ficaram órfãs. Os traumas são diversos, sempre relacionados com medo excessivo, estresse e ansiedade.
“Temos 168 funcionários, sendo 80 voluntários e muitos deles são responsáveis por cuidarem do equilíbrio psicológico dos pequenos aqui mesmo na nossa clínica de terapia intensiva. Quase todas elas chegaram aqui com problemas sérios, mas depois de receberem tratamento adequado durante meses ou até anos já conseguem viver normalmente e sem grande sequelas”, ressalta o coordenador.
Segundo ele, atualmente há somente dois casos graves de crianças que recebem tratamento intensivo, mas informações específicas relacionadas a doenças desses pequenos não podem ser divulgadas. Apesar do sigilo, Dizen garante que os casos estão evoluindo significativamente e os resultados tem sido positivos.
Cerca de 90% das crianças que vivem no RAF-IHH City são órfãs de pai. O coordenador explica que a maioria delas perdem a figura paterna porque os mesmos vão as ruas lutar na guerra e acabam falecendo enquanto as mães ficam em casa escondidas com os filhos. Apenas 10% perderam ambos os membros da família. As mães não moram com as crianças no orfanato, mas podem fazer visitas quando desejarem e solicitarem que as crianças passem os finais de semana em casa.
O espaço oferece ainda cursos de capacitação como costura e artesanato para essas mães e os produtos produzidos são encaminhados para uma pequena loja. Todo o lucro arrecadado com as vendas é revertido para ajudar nos gastos da fundação, que chega ao equivalente a R$ 2 milhões por mês.
Apesar de o governo da Turquia não ajudar o orfanato financeiramente, há frequentes fiscalizações para checar se as crianças estão recebendo tratamento adequado e se não há nenhum problema de abuso ou maus tratos por parte dos funcionários. Além disso, dão todo o suporte na questão da documentação dos órfãos para os mesmos consigam se legalizar no país.
O coordenador ainda ressalta que os voluntários exercem um papel fundamental para que os resultados dos projetos saiam ainda melhores, por isso foi construída uma Guest House, um espaço para abrigar os voluntários que moram fora da cidade ou que vêm de outros países.
“Nossos voluntários ajudam de forma significativa. Os que vêm de fora da Turquia, por exemplo, ensinam novos idiomas, compartilham suas culturas, isso é bem interessante para o futuro das crianças”.
Dizen finaliza afirmando que o critério que utilizam para selecionar voluntários para fazer parte da equipe é extremamente rigoroso porque todos que tem contato com essas crianças servem de referência para elas.
Atualmente todas os moradores do orfanato são sírios, porém, nos próximos meses é possível que comecem a receber crianças turcas na fundação.