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sábado, dezembro 21, 2024

Mais de 60 coletivos de migrantes e ONGs lançam nota de repúdio contra restrições do Brasil a solicitações de refúgio

Além do manifesto, ato em São Paulo reforçou coro da sociedade civil contra retocessos na política migratória brasileira e cobrou investigação sobre morte de migrante ganês que passou mal na área restrita do aeroporto de Guarulhos

Um grupo de 61 instituições da sociedade civil e de coletivos de migrantes lançou uma nota conjunta de repúdio à decisão recente do governo federal de restringir as solicitações de refúgio no Brasil. A medida começa a valer nesta segunda-feira (26).

Na prática, de acordo com a medida, quem vier de um país do qual é exigido visto e entrar com pedido de refúgio no Brasil a partir do aeroporto internacional de Guarulhos terá que provar que está sendo perseguido para ter autorização para ingressar em território brasileiro.

Segundo o Ministério da Justiça, trata-se de uma resposta a denúncias de que o país tem sido usado como rota de organizações criminosas para tráfico de pessoas. Ela é baseada em um relatório da Polícia Federal que apontou que a maioria dos solicitantes de refúgio no Brasil não tem motivações que justifiquem a admissão no país sob tal condição. A pasta ainda sustenta que a restrição não atenta contra a legislação migratória brasileira e protege o instituto do refúgio de usos indevidos.

Especialistas ouvidos pelo MigraMundo, no entanto, veem nessa medida uma violação a dois princípios basilares da política brasileira sobre migração e direitos humanos: a acolhida humanitária e a não devolução (non refoulement). Eles também reforçaram que o caminho mais adequado seria o de buscar soluções por meio de uma política pública que de fato defina responsabilidades para cada ente público e privado envolvido na temática migratória.

“Repudiamos veementemente qualquer medida que viole os direitos fundamentais dos indivíduos e que os exponha a situações de vulnerabilidade e injustiça. Instamos as autoridades competentes a rever essa decisão absurda e a adotar abordagens mais humanitárias e respeitosas em relação aos viajantes em trânsito. É preciso agir com empatia, compaixão e respeito pelos direitos de todas as pessoas, independentemente de sua condição migratória. A luta contra o tráfico de pessoas não pode ser utilizada como pretexto para violar direitos humanos e negar proteção internacional aqueles que mais necessitam”, reforça trecho do documento elaborado pelas instituições.

A comunicadora venezuelana Yoli Lyon, indígena warao e uma das porta-vozes da nota de repúdio, acrescentou que o texto divulgado pelo grupo representa um posicionamento firme e que não serão aceitas medidas que causem violações dos direitos de pessoas migrantes.

“Fazemos um chamado à reflexão, à solidariedade e à defesa intransigente dos direitos humanos de migrantes e refugiados, reafirmando o compromisso com a justiça, a igualdade e a dignidade para todos. Espera-se que essa declaração seja o ponto de partida para uma atuação mais incisiva e eficaz na promoção do acolhimento, da inclusão e do respeito às diversidades culturais e humanas”.

O texto completo da nota pode ser lido neste link.

Migrantes na área restrita do aeroporto de Guarulhos

O anúncio de restrição por parte do governo federal ocorre ainda em meio a uma série de debates envolvendo medidas a serem tomadas para lidar com a questão dos migrantes retidos na área restrita do maior terminal aéreo do país. O problema não é novo, mas ganhou destaque nas últimas semanas. Essa permanência ocorre muitas vezes sob condições precárias de higiene, acomodação e alimentação.

No último dia 20 de agosto, veio a público a confirmação da morte de um migrante de Gana que passou dias detido na área restrita do aeroporto de Guarulhos e passou mal. Segundo informações fornecidas pela Polícia Federal, ele chegou a ser levado ao Hospital Geral de Guarulhos, mas não resistiu.

A morte do migrante ganês revoltou a comunidade migrante no país. A nota elaborada e assinada pelas 61 organizações também cobra do governo federal uma investigação sobre o caso. “Repudiamos e exigimos que seja investigada qualquer falha que possa ter ocorrido no atendimento a esse imigrante, e pedimos que as circunstâncias dessa morte sejam apuradas a fundo. É essencial que os responsáveis sejam responsabilizados, se for o caso, e que medidas sejam tomadas para prevenir incidentes semelhantes no futuro”.

Para equalizar a questão no aeroporto de Guarulhos, a Defensoria Pública da União elaborou um documento, divulgado na semana passada, com uma série de recomendações a serem adotadas pelos atores públicos e privados. E ressaltou que são necessárias políticas públicas e um planejamento de longo prazo.

“O Brasil precisa é de mais recursos para o setor de migrações, e digo política pública de acolhimento de forma integrada entre Ministério da Justiça, Desenvolvimento Social, Direitos Humanos, Saúde, Cultura, Educação, Trabalho e Emprego. O país necessita de uma política nacional, de um plano nacional que avance com o tema e que não tenha um viés discriminatório”, disse a DPU, por meio de nota. “Em várias oportunidades houve acúmulo semelhante na área restrita, o que torna necessária a busca de soluções de longo prazo. Não há como anunciar a solução do problema sem que haja um plano de contingência discutido por todos os atores envolvidos e pelo grupo de monitoramento, que existe desde 2015”, completou.

Ato em São Paulo

Além da nota de repúdio, um ato público foi realizado na manhã de domingo (25) na avenida Paulista, em São Paulo, contra as recentes medidas do governo brasileiro e também pedindo justiça em relação à morte de Evans após passar mal na área restrita do aeroporto de Guarulhos.

Ato em São Paulo pediu justiça para migrante ganês que morreu após passar mal na área restrita do aeroporto de Guarulhos (SP). (Foto: Fórum Fronteiras Cruzadas/Divulgação)

“O que fica bem claro é que essa restrição às migrações vai acabar gerando mais tráfico de pessoas”, observou Daniel Perseguim, pesquisador do Fórum Fronteiras Cruzadas, presente ao ato.

A manifestação também contou com a presença do ex-coordenador de política migratória do Ministério da Justiça Paulo Illes, atualmente Coordenador de Relações Institucionais do Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC), que ressaltou a união entre diferentes atores nesse momento para se posicionar contra retrocessos na política migratória brasileira.

“Estamos preocupados com essas mudanças. Que não se tenha nenhum direito a menos e nenhum retrocesso na política migratória. Muito importante encontrar aqui ver essa unidade do movimento migrante em São Paulo e no Brasil”, disse.


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