Esta é a oitava parte da série Migração e Saudade, feita em conjunto com o Projeto Guadalupe, idealizado pela cineasta e fotógrafa Erica Suelen de Sousa. Ele retrata imigrantes que vivem em Brasília e arredores a partir de um sentimento comum a todos eles: a saudade. O perfil de Valentín encerra essa fase da série – mas ela pode ser a primeira de muitas outras.
Valentin Flamini: um sorriso para o mundo
Por Erica Suelen de Sousa
Flamini é um ser inquieto quando se trata de geografia. Veio da Argentina ao Brasil e vive fazendo sua ponte entre o Vale do Capão na Bahia e a Vila Cultural em Brasília entre outras vilas no Goiás. Valentín é um circense que também faz lindas artes de Filete Argentino, (aquelas pinturas que se usam muito nas fachadas argentinas, com muitas cores e efeitos tridimensionais). Muitos os chamam de mestre. Por onde passa, deixa um pouco de conhecimento compartilhado. Esse espírito de coletividade e de compartilhar foi o que mais enriqueceu sua participação no Projeto Guadalupe.
Valentín é um ser plural. Conhecê-lo foi um grande presente para o Projeto. Não foi à toa que nossos caminhos se cruzaram, pois ele já vinha com sua mensagem pronta para todos os migrantes viajantes do mundo. Enquanto ele olhava para a lente da minha câmera suspirava com os olhos cheios de brilho. Sorria e dizia:
“Una sonrisa para el mundo!”
“Um sorriso para o mundo!”
No meio de muitos minutos de silêncio enquanto pintava uma arte “surpresa”, ele pausava para olhar de novo a lente em silêncio e fazia comentários:
“Es como mirar al mundo por allá adentro. Como si estuviera mirando al mundo desde aqui. Es como si la lente fuera el mismo mundo!”
“É como olhar ao mundo por lá dentro. Como se estivesse olhando o mundo inteiro desde aqui onde estou. É como se a lente fosse o próprio mundo!”
Os minutos de conversa com Valentín enquanto o entrevistava e o conhecia foram longos mas se passaram em um piscar de olhos. O circense não se preocupava com o tempo que levaria naquele momento em que ele viu a oportunidade de compartilhar suas experiências e alguma mensagem com as pessoas que iriam chegar a conhecer um dia o projeto. Ele é um ser humano de raízes mas que já faz parte de todo lugar onde pisa. Um verdadeiro nômade que faz do mundo inteiro seu lar, mas como nômade ele caça amizades e compartilha suas habilidades deixando sempre um presente por onde passa. A saudade, porém, é um sentimento que está em todos nós e com Valentín não é diferente:
“Uma das coisas que mais sinto saudades é estar relaxado ao falar, porque pra falar português aqui, tenho primeiro que pensar em espanhol, formular o que eu vou dizer, logo pensar em como traduzir ao português pra então falar. Existem uns temperos que só encontro por lá também. Sinto saudade desses sabores. Dos amigos que sempre estiveram e que sempre estão lá me esperando quando volto. Eu adoro estar em lugares novos. Essa adrenalina de viajar e conhecer lugares e pessoas novas é o que eu mais gosto de fazer na vida, mas então quando sinto saudades de casa volto ao meu lar com a minha família e recarrego as energias para uma próxima viagem”
“Las cosas simples que están adentro mio y que una parte mia las extraña y otra parte mia las acepta y las cambio por otras cosas que me dan el viaje…conocer otras cosas… y bueno lo que extraño de donde vivo son las montañas los lagos, los bosques, la nieve, el viento frio, las estrellas… que por más que son las mismas se ven diferentes.”
“As coisas simples que estão dentro de mim e que uma parte minha sente saudades e a outra parte minha as aceita, troco isso por outras coisas que as viagens me presenteiam…conhecer outras coisas. Outra coisa que sinto saudades de onde sou são as montanhas, os lagos, os bosques, a neve, o vento frio, as estrelas…que por mais que sejam as mesmas, de lá a gente vê diferente.”
No final da conversa, Valentín mostra sua pintura que preparava enquanto conversávamos. Uma linda surpresa para o momento. O espírito do Projeto Guadalupe se refletiu naquele instante:
“Quiero enseñar este arte para el mundo, para todos los viajeros, que se sientan siempre bienvenidos y en casa, porque su casa es el mundo entero.”
“Quero mostrar essa arte pro mundo, pra todos os viajantes, para que se sintam sempre bem-vindos e sempre em casa, porque sua casa é o mundo inteiro.”
Cada personagem do Projeto Guadalupe é grande e especial. Amizades, aprendizados e uma gratidão sem fim são os presentes e o legado que o projeto deixou pra mim como autora. Quero agora que essa mensagem do projeto chegue ao coração de muitas outras pessoas para que elas também se sintam presenteadas.
A pesquisa sobre migrações em minha carreira como documentarista apenas começa.
O perfil de Valentín encerra essa fase da série – mas ela pode ser a primeira de muitas outras.