Soluções digitais como os apps estão rapidamente preenchendo o vácuo de informação que assola milhares de pessoas deslocadas ao redor do mundo
Por Adriana Erthal Abdenur e Lycia Brasil
Publicado originalmente em inglês no portal PassBlue
Tradução de Milene Miller
“DoNotPay”, um aplicativo apelidado por seu desenvolvedor Joshua Browder como “o primeiro robô advogado do mundo”, tem ajudado refugiados nos Estados Unidos e Canadá a completar suas solicitações migratórias.
Há também o “MigApp”, desenvolvido pela Organização para Migração, que preenche lacunas em tópicos que vão desde transferência de dinheiro até regras à respeito de vistos ao redor do mundo. O “Signpost”, um portfólio de ferramentas online para pessoas em áreas afetadas por conflitos, alcançou um milhão de pessoas na Grécia, Itália, Jordânia e El Salvador; “RefAid”, no qual conecta refugiados com serviços, é utilizado por mais de 400 organizações não governamentais, como Cruz Vermelha e Save the Children. Há ainda o aplicativo “Techfugees”, que convida indivíduos e organizações a compartilhar soluções tecnológicas, incluindo formas de combate à xenofobia online.
Assim, soluções digitais estão rapidamente preenchendo o vácuo de informação que assola milhares de pessoas deslocadas ao redor do mundo.
Muitas vezes, migrantes aterrissam em lugares nos quais pouco ou sequer conhecem à respeito. Alguns confiam no que os duvidosos coiotes lhes dizem ao contrabandeá-los através das fronteiras. Mesmo aqueles recém-chegados que possuem alta qualificação podem se encontrar desamparados por instituições, leis e práticas que diferem daquelas de seu país de origem. As burocracias locais podem impor requisitos espinhosos que envolvem a proteção e atualização de determinados documentos. As barreiras linguísticas podem afetar tudo: desde a obtenção de comida e hospedagem até o ingresso no complexo sistema jurídico.
O Signpost, lançado em 2015, é uma colaboração entre o International Rescue Committee e o Mercy Corps. Segundo seus desenvolvedores, uma de suas ferramentas chamada Refugee.info, fornece informações confiáveis em cinco idiomas e chega a 70% dos cerca de 50.0000 refugiados na Grécia.
Ter uma conexão de celular não é apenas uma questão prática, como acessar informações e nos localizar – “é sobre reforçar nossa dignidade”, assim nos disse um refugiado venezuelano na fronteira com o Brasil em uma entrevista em abril.
Os críticos alertam para a chamada “tecnoforia”, termo referido à euforia tecnológica, que resulta em um otimismo exagerado à respeito dessas plataformas. Em Roraima, pesquisadores do Instituto Igarapé, nossa organização sem fins lucrativos, encontraram migrantes que haviam vendido seus telefones para financiar suas viagens. Dentre aqueles que possuíam celulares, seus modelos eram geralmente simples, com armazenamento mínimo de dados e frequentemente compartilhados.
Embora alguns campos e abrigos de refugiados ofereçam espaços exclusivos com Wi-Fi, apenas uma porção de migrantes pode obter acesso à internet de uma só vez. Pacaraima, cidade de Roraima onde a maioria dos migrantes venezuelanos cruzam a fronteira, possui uma conexão 4G há cerca de um ano, mas não é suficiente para atender à demanda.
As novas tecnologias muitas vezes envolvem riscos. Os aplicativos que coletam dados do usuário mas não conseguem protegê-lo podem tornar os recém-chegados vulneráveis às alterações políticas governamentais. Por exemplo, esses dados podem ser utilizados para rastrear e deportar migrantes ou expô-los a hackers xenófobos. Novas tecnologias também podem ser usadas para espalhar informações erradas, direcionando os migrantes para as mãos de traficantes de pessoas e comandantes de trabalho escravo.
No Brasil, o programa de realocação voluntária de migrantes venezuelanos teve que lidar com notícias falsas divulgadas sobre as cidades de destino oferecidas pelo programa. Em casos raros, a população local usou acesso gratuito à internet e mídias sociais para organizar ataques xenófobos contra migrantes. (Mais de quatro milhões de venezuelanos deixaram seu país durante a atual crise; somente em Boa Vista e Pacaraima, 6.000 venezuelanos residem em campos de refugiados das Nações Unidas).
Para tornar as novas plataformas tecnológicas mais seguras, os patrocinadores podem tomar medidas para coletar dados apenas em níveis agregados e assim garantir a integridade e a segurança desses dados. As notícias falsas podem ser controladas a partir do monitoramento das informações compartilhadas na internet.
Após realizar entrevistas e grupos focais com migrantes, o Igarapé revisou seu projeto, resultando em um aplicativo de telefone gratuito chamado OKA, que não requer acesso ao Wi-Fi após o download. (Veja o vídeo abaixo.)
A ferramenta, financiada inicialmente pela instituição de caridade internacional Porticus, está disponível em português, espanhol e francês e em breve estará disponível em inglês. Ele oferece informações sobre os serviços públicos federais do Brasil – abrangendo moradias, escolas, assistência médica, empregos, assistência social e jurídica e respostas e prevenção de desastres – além de demais serviços locais no Rio de Janeiro e em Boa Vista, Roraima.
Os dados não são coletados no nível individual; em vez disso, o aplicativo analisa os padrões de uso, com o objetivo de influenciar e melhorar as políticas de migração no Brasil e na região. Esforços estão em andamento para expandir suas informações locais para outras partes do Brasil e da América do Sul.
Aplicativos como esse, embora dificilmente sejam uma panaceia, podem oferecer um poderoso suporte. Como uma jovem venezuelana que recentemente cruzou a fronteira para Boa Vista nos disse: “Essas tecnologias não resolverão todos os nossos problemas, mas se forem construídas com a nossa participação, poderão ajudar a apontar o caminho para algumas das soluções, além de nos dar maior autonomia”.