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quinta-feira, março 28, 2024

“Migração foi reduzida a uma questão de passaporte”, afirma pesquisadora

Em seminário sobre acolhimento de refugiados, diretora de pesquisas migratórias do Instituto de Ciências Políticas de Paris criticou “política irracional” da União Europeia para um fenômeno “secular e humano”

Por Victoria Brotto
de Estrasburgo (França)

Como uma professora em uma sala de aula, Catherine Wihtol de Wenden abre slides, mapas e imagens para explicar o fenômeno da migração, fenômeno que chama de “tipicamente humano e secular”. “O ser humano migra porque é de sua natureza (…). Mas o que existe hoje são desigualdades no direito de migrar. Migrar passou a ser não uma questão humana, mas uma questão de passaporte. Se você tem um passaporte africano, isso é quase uma sentença de morte”.

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Dona de um extenso currículo e de uma crítica ácida da atual política migratória da União Europeia (UE), Catherine é diretora do Centro de Pesquisas Internacionais do Instituto de Ciências Políticas de Paris (o famoso SciencesPo) e foi convidada para o seminário “Acolhimento e Integração de migrantes”, realizado na sede do INET (Instituto Nacional para Estudos Territoriais) em Estrasburgo (França), em junho passado.

O evento reuniu especialistas e membros dos governos alemão e francês em torno do tema. De acordo com o Euro Institut, promotor do encontro, a ideia era colocar em perspectiva as ações de integração de refugiados na Alemanha e na França.

A pesquisadora francesa Catherine Wihtol de Wenden (e), que aponta a migração como fenômeno secular e humano.
Crédito: Victória Brotto/Migramundo

“O ser humano migra porque é de sua natureza, porque é fundamental para o nosso desenvolvimento. Quanto mais migramos, mais desenvolvidos nós somos”, afirmou Wender em tom didático. E acrescentou: “Mas nós europeus temos problemas com a migração, quando se trata das pessoas do Sul”.

“Para nós é formidável, enquanto europeus, viajarmos, fazermos estágios mundo a fora, colocar nossos filhos para fazer ERASMUS (programa europeu para estudantes universitários). Mas quando se trata das pessoas do Sul do globo nós dizemos “não””, afirmou. “Mas eles também querem viajar, estudar, trabalhar fora, fazer como nós, tentar a vida.”

“O que existe hoje são desigualdades no direito de migrar. As fronteiras não têm o mesmo valor nem a mesma cara. Se você é europeu, por exemplo, você pode visitar mais de 100 países sem nenhum problema ou quase nenhuma barreira. Mas se você é africano, as suas chances de sair do seu país se reduzem a quase zero”, afirmou.

Para a pesquisadora, toda a política europeia precisa ser repensada. “Temos uma crise de valores da Europa, o valor da solidariedade – um dos valores centrais do bloco – está sendo colocado em cheque”, afirmou. E acrescentou: “É uma crise ideológica da Europa com um retorno aos “velhos demônios.”

Migração e aumento populacional

“Se nós hoje na Europa queremos aumentar a população, precisamos considerar que a migração é uma resposta para o crescimento de nossa população”, afirmou Wenden, que já foi membro-consultiva de órgãos internacionais como a Comissão Europeia e o Alto Comissariado da ONU para Refugiados, além de ser presidente do Comité de Pesquisas sobre migração na Associação Internacional de Sociologia desde 2002.

“A Europa é rica, mas ela está morrendo. Se continuarmos a fechar as nossas portas para os migrantes, não teremos força de trabalho suficiente e nosso PIB será afetado”, afirmou Catherine. E acrescentou: “Há um grande medo hoje entre os economistas de que até meados de 2050 a Europa perca 50 milhões de pessoas economicamente ativas. Se nós nos fecharmos para a migração, sim, nós vamos ter esse problema.”

Seminário em Estrasburgo, com a participação de Catherine, debateu o acolhimento e integração de migrantes no continente europeu.
Crédito: Victória Brotto/MigraMundo

Para ela, o acolhimento e a integração no mercado de trabalho dos migrantes resolveriam, em boa parte, as crises demográficas e econômicas da região. “A Alemanha aumentou 0,3% de seu PIB desde que acolheu um milhão de migrantes desde 2015”, afirmou a cientista política citando estudo de economistas de Oxford, onde previam crescimento de 0,6% até 2020 para a Alemanha por causa da injeção de mão de obra com a integração de refugiados. Porém, o estudo também pondera ao falar que “a entrada de refugiados não resolverá o problema demográfico da Alemanha a longo prazo”. De acordo com previsões da Nações Unidas, o país perderá 11 milhões de pessoas ativas até 2050 – e a União Europeia, 50 milhões.

Em artigo publicado em fevereiro deste ano, a Fundação Robert Schuman, um dos mais importantes centros de estudos sobre a UE, afirmou que a Europa “caminha para um suicídio demográfico, mas que ninguém fala deste problema e menos ainda se prepara para ele.”

No artigo intitulado “Europa 2050: um suicídio demográfico” (leia aqui, em inglês), os economistas Michel Godet e Jean-Michel Boussemart mostram o crescimento do PIB é mais baixo nos países onde o aumento de população é menor.

“Ao final, nós morreremos dentro dos muros que nós mesmos construímos”, afirmou Catherine.

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