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sexta-feira, março 29, 2024

Migração: vias sem saída?

Fronteiras militarizadas, muros e obstáculos inexpugnáveis somam-se às políticas progressivamente anti-migratórias, acompanhadas de progressiva hostilidade e xenofobia, preconceito e discriminação.

Por Pe. Alfredo J. Gonçalves

O fenômeno migratório, tanto em nível regional, internacional e/ou transoceânico, quanto no interior de cada país, vem criando verdadeiras “vias sem saída” para as pessoas que nele se envolvem. Indivíduos e famílias, contados aos milhares e milhões, órfãos, perdidos e solitários, perambulam em todo planeta pelas estradas do êxodo, do exílio e da diáspora.

O cerco estreito a essa população sem raiz, sem rumo e sem um porto seguro parece estar se apertando negativamente. Fronteiras militarizadas, muros e obstáculos inexpugnáveis somam-se às políticas progressivamente anti-migratórias, acompanhadas de progressiva hostilidade e xenofobia, preconceito e discriminação. Faz-se igualmente estreito o horizonte e a certeza de um futuro menos ingrato.

O conceito de segurança nacional, proveniente dos tempos da Guerra Fria, ressuscita e se sobrepõe à noção dos direitos humanos. América do Norte e Europa se convertem numa espécie de continentes fortalezas, embora não descartem receber doses selecionadas de “cérebros”.

Populações excluídas

Os exemplos se multiplicam à saciedade. Poderíamos falar dos acampamentos de refugiados em países como a Turquia e a Grécia, a Líbia e a Polônia, o Bangladesh e o Paquistão, como também em não poucos pontos da África Subsaariana. Poderíamos trazer à tona os migrantes centro-americanos e caribenhos encurralados na fronteira entre Estados Unidos e México e entre este último e a Guatemala, filhos sem destino daquelas caravanas que se organizavam antes da pandemia. Ou das multidões de fugitivos da pobreza e da fome que convergem sobre Ceuta e Medilha, à beira do Mediterrâneo, entre Marrocos e Espanha, de olho no velho continente europeu, como lugar proibido do Eldorado. E ainda dos inúmeros grupos de sul-americanos e haitianos atolados na floresta entre Colômbia e Panamá, alguns morrendo de fome e sede, com pouca ou nenhuma esperança de um porto seguro onde desembarcar o próprio sonho interrompido.

Tampouco podemos esquecer o número crescente de “refugiados climáticos”, escorraçados por inundações, estiagens, tornados, deslizamentos e outras catástrofes – cada vez mais extremas e mais letais, por causa da devastação e contaminação do meio ambiente e como consequência do aquecimento global. E restam ainda os milhões de venezuelanos, ucranianos e afegãos (entre outros) espalhados por tantos países, praticamente sem possibilidade de voltar atrás.

Nem podemos desconhecer os migrantes à deriva, de maneira especial nas águas que dividem a África e a Europa, e menos ainda os milhares de náufragos sepultados vivos nas ondas torvas e furiosas do mar Mediterrâneo, “cemitério de migrantes”, denuncia o Papa Francisco, bem como de outros mares ou rios que limitam dois ou mais países. Isto sem falar dos milhões de “desplazados” internos, vítimas das diversas formas de conflito e violência: política, religiosa ou ideológica – e que, por isso mesmo, na maioria dos casos, também não podem voltar atrás.

Por fim, mas nunca em último lugar, encontram-se os apátridas. Alguns o são sem jamais terem cruzado os limites do lugar em que nasceram, cresceram e se formaram, mas são tratados como cidadãos de segunda ou terceira categoria; outros foram brutalmente desterritorializados do solo em que sepultaram os restos de seus queridos ancestrais, como é o caso de tantos indígenas em indigência nas ruas e praças de tantas metrópoles; outros, ainda, expatriados pelos tiranos de plantão, por serem indesejados do ponto de vista político, religioso ou ideológico, rechaçados do berço pátrio que os viu nascer; enfim, os chamados “clandestinos” sans papiers (sem documentos), implacavelmente acorrentados e expurgados para o país de origem, as raízes expostas ao calor do sol e sem terreno sólido onde pousar e firmar os pés.

Mais do que números, pessoas

Antes de tudo, não se trata de números, cifras, gráficos, censos, cálculos, tabelas e estatísticas. Para além da matemática, existem rostos, nomes e sobrenomes, famílias, histórias, lutas e sonhos. Numa palavra, existem pessoas humanas, desde sempre ignoradas e para sempre esquecidas. Gente, muita gente que, se não perdeu a esperança, esta permanece por um tênue fio.

De igual forma, não podemos mais culpabilizar a pandemia da Covid-19 ou o avanço mais ou menos generalizado das forças de extrema direita. Trata-se, com maior razão, da estarrecedora desigualdade socioeconômica, das profundas assimetrias entre grupos, povos e nações, da concentração de renda que gera a exclusão social, da carência de trabalho e assistência básica, das tensões, guerras e intolerância ao outro, o diferente o estrangeiro.

Citando novamente o pontífice, trata-se de superar “a economia que exclui, descarta e mata” ou a “globalização da indiferença” pela “cultura do encontro, do diálogo, do intercâmbio e da solidariedade”.

Sobre o autor

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, é vice-presidente do SPM (Serviço Pastoral dos Migrantes)

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