Por Vitória Dell’Aringa Rocha
O mês de novembro foi marcado por dois grandes eventos internacionais: a 29ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP29), realizada entre os dias 11 e 22 em Baku, capital do Azerbaijão, e a décima nona reunião do Grupo dos Vinte (G20), que ocorreu entre os dias 18 e 19 no Rio de Janeiro. A COP29 e o G20 reuniram lideranças, governos, comunidades e representantes da sociedade civil do mundo todo, colocando sobre a mesa temáticas como justiça climática e sustentabilidade, erradicação da pobreza e da desigualdade e a superação de desafios relacionados à governança global.
Apesar de migrações não serem o tema central de nenhuma das duas cúpulas, questões relacionadas ao tema apareceram em ambas.
COP29 e as migrações
Apenas em 2023, na COP28, em Dubai, durante um painel realizado pelas Nações Unidas (ONU), reconheceu-se as migrações como um impacto climático. Em Baku, o deslocamento humano relacionado às mudanças climáticas e à degradação ambiental continuou sendo um dos focos. Em entrevista ao Voice of America (VOA), Rania Sharshr, Diretora de Ação Climática na Organização Internacional para as Migrações (OIM) declarou: “A COP29 apresentou uma ampla gama de ações propostas para lidar com o deslocamento e a migração induzidos pelo clima”.
Diversos países, como Nova Zelândia, Austrália, Suécia e Alemanha, se comprometeram a contribuir com um fundo de resposta a perdas e danos causados pelo clima, que poderá ser utilizado pelas comunidades afetadas em ações relacionadas ao deslocamento climático.
As pessoas migrantes e deslocadas climáticas foram mencionadas algumas vezes pelos Princípios Orientadores de Desenvolvimento Humano para Resiliência Climática de Baku, um conjunto de 12 diretrizes resultantes da COP29. O Princípio 11, por exemplo, é um chamado para “investir em soluções para comunidades e migrantes afetados pelas mudanças climáticas”. Nesse sentido, o Princípio 3 menciona as pessoas migrantes como um dos grupos a quem se deve garantir o acesso a conhecimentos e habilidades relacionados à ação e à resiliência climáticas, enquanto o Princípio 8 enfatiza as pessoas migrantes e deslocadas como um dos grupos vulneráveis no contexto da crise climática.
Segundo o ACNUR, a Agência da ONU para Refugiados, a mensagem de pessoas refugiadas e deslocadas forçadas que compareceram ao evento foi clara: “como a crise climática torna suas vidas cada vez mais precárias, elas precisam de mais financiamento e apoio para sobreviver e se adaptar”.
Durante o evento, a Agência lançou o relatório “Sem escapatória: Na linha de frente das mudanças climáticas, conflitos e deslocamento forçado”, que aborda a intersecção entre mudanças climáticas, conflitos e deslocamento forçado. Em parceria com a OIM, também realizou um evento paralelo sobre a importância de incluir pessoas refugiadas e migrantes no processo decisório sobre financiamento climático.
Além disso, o ACNUR também lançou o grupo Refugiados pela Ação Climática, “uma plataforma para as mensagens urgentes que seus membros têm a compartilhar sobre como a crise climática está tornando a vida ainda mais precária para aqueles que foram forçados a fugir”. A plataforma reúne oito pessoas, incluindo Ermano Prévoir, um haitiano vivendo no Brasil, que é agrônomo e busca técnicas agrícolas sustentáveis para melhorar a segurança alimentar em sua comunidade.
Por fim, a Agência da ONU para Refugiados assinou um Memorando de Entendimento com o Green Climate Fund (GCF), o maior fundo climático do mundo, visando combinar o conhecimento e a experiência do ACNUR no trabalho em contextos de fragilidade e afetados por conflitos com a meta do GCF de aumentar a oferta de financiamento climático para os países em desenvolvimento.
Apesar de todos estes esforços, delegados e delegadas consideraram o foco da conferência “inadequado” e que as promessas feitas são insuficientes. Da mesma forma, apesar da maior conscientização sobre o assunto, reconheceu-se que ainda existem muitas lacunas nas políticas que vinculam migração e deslocamento às mudanças climáticas.
O G20 e as migrações
Ao contrário do que foi observado na COP29, pode-se dizer que a temática migratória não foi um tema central para o G20. A Declaração de Líderes do Rio de Janeiro, somente no parágrafo 34, dentro da seção “Inclusão social e combate à fome e à pobreza”, reafirma o compromisso dos 20 países em “apoiar migrantes, incluindo trabalhadores migrantes e refugiados […] assegurando pleno respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, independentemente de seu status migratório”. O mesmo parágrafo reconhece “a importância de prevenir fluxos migratórios irregulares e o tráfico de migrantes como parte de uma abordagem abrangente para migrações seguras, ordenadas e regulares”.
O mesmo ocorreu em eventos paralelos ao G20, mas diretamente relacionados a ele. O G20 Social, por exemplo, consistiu em “uma plataforma que reuniu ideias de comunidades, associações populares, juventudes e outros movimentos”, realizada entre os dias 14 e 16 de novembro. A Declaração Final do G20 Social menciona pessoas migrantes, refugiadas e apátridas como indivíduos representados na plataforma, mas nao faz referência direta a estes grupos ao longo de seu texto.
Já o Urban20 reuniu representantes das principais cidades dos países do G20 e ocorreu no âmbito do G20 Social. Durante o encontro, foi realizado o painel “Resiliência Urbana em Contextos de Migração, Refugiados e Deslocamento Forçado”, que teve como objetivo o compatilhamento de experiências e incitiavas de sucesso no contexto migratório, com foco na inclusão de sistemas de acolhida e integração. Sônia Gaspar, secretária de Direitos Humanos e Cidadania da cidade de São Paulo, por exemplo, enfatizou a importância de respeitar as diferentes características culturais de cada povo, enquanto Edward Mermelstein, comissário de assuntos internacionais de Nova York, chamou a atenção para a necessidade de políticas que facilitem o acesso das pessoas migrantes aos serviços públicos.
O ACNUR participou, de forma propositiva, do G20 Social e do Urban20. Além de destacar os impactos das mudanças climáticas nos fluxos migratórios e a consequente necessidade de maior investimento em resiliência climática e políticas de inclusão, a Agência da ONU propagou uma mensagem clara: “combater a fome e a pobreza entre as pessoas em situação de maior vulnerabilidade, incluindo refugiados, não é apenas uma questão humanitária, mas também estratégica”.
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