Por Eleonora Silanus
Desde o inicio de 2016, cerca de 300 mil pessoas atravessaram o Mar Mediterrâneo para alcançar as costas europeias, de acordo com dados da Organização Internacional das Migrações atualizados em 21 de setembro. A carência do sistema de requerimento de asilo europeu, o fechamento das fronteiras e as péssimas condições dos refugiados e dos migrantes são somente algumas das questões que mostram a incapacidade da Europa em oferecer uma resposta eficaz a essas milhares de pessoas.
É por este motivo que é tão importante falar de pequenas realidades que mostram no dia a dia o que pode ser feito para tornar a sociedade mais inclusiva, e de como podemos transformar uma “crise” em uma oportunidade. Uma das possibilidades para oferecer respostas efetivas está sendo desenvolvida em pequenas e corajosas cidades europeias, onde os migrantes estão repovoando e garantindo a vida de áreas que, de outra forma, estariam destinadas a desaparecer do mapa.
Para melhor entender este fenômeno, é preciso considerar alguns dados: na Europa existem 11 milhões da casas que nunca foram habitadas por ninguém (The Guardian, Londres, 2014). Além disso, existem diversas cidades quase abandonadas, com um limitado número de habitantes. A localização desprivilegiada, junto ao crescimento econômico dos grandes centros, esvaziaram gradualmente vários municípios. Apenas na Itália, as chamadas “Cidades Fantasmas” estão em torno de 6.000; na Espanha, são cerca de 4.500.
Repovoar estes locais significa reconstruir a vida social das pequenas cidades, fortalecer a economia por meio da construção e reforma de edifícios públicos e privados e, no longo prazo, fazer renascer as economias agrícolas e artesanais. Além de contribuir com a construção de uma sociedade multicultural e mais justa, uma cidade viva é uma cidade que oferece possibilidades para todos, novos e antigos habitantes.
O caso italiano e outras realidades europeias
O italiano Domenico Lucano, junto com Angela Merkel e Papa Francisco, foi indicado como um dos 50 líderes mais influentes do mundo neste ano pela revista Fortune. Lucano é o prefeito de Riace, cidade italiana que fica na região da Calábria e que nos últimos anos passou de 400 para 2.000 residentes. Considerado um prefeito “illuminado”, Lucano acolheu em Riace cerca de 6.000 migrantes de 20 nacionalidades diferentes desde o final dos anos 90, através de um programa de integração sustentável que revitalizou a economia e a vida social com benefícios não somente para quem chegava mas também para quem já morava na cidade.
O acolhimento em Riace iniciou sem planejamento: “Tudo começou por acaso, quando em 1998 chegaram 800 curdos. A comunidade local, em nome de antigos valores, acolheu sem medo os migrantes. Em 2001 iniciou uma recepção organizada, com o programa nacional de asilo e a participação da Prefeitura”, disse Lucano. Nos últimos anos o prefeito recusou gerenciar as migrações com políticas de emergência: a escolha por políticas de desenvolvimento foi colocada em prática por meio de moradias (casas, não centros de acolhida), participação dos migrantes em cursos de especialização e o inserimento no mercado de trabalho.
Perguntado se o modelo de Riace pode ser “exportado”, o prefeito responde: “A humanidade é sempre exportável. Mas precisa de gradualidade e não podemos nos inserir na lógica da sociedade moderna, que vive com ansiedade e medo do outro”.
Lucano está certo: a humanidade pode ser exportada e é possível encontrar outras histórias parecidas com a de Riace. Michele Drosi, prefeito de Satriano, outra cidade da Calábria que está entre os mais de 300 municípios italiano ativos no Sistema de Proteção de Requerentes Asilo e Refugiados (SPRAR), acredita que é necessária uma ajuda recíproca. “Tentamos oferecer para eles uma outra casa aqui, e eles nos ajudam em manter esta casa viva”. Além do exemplo italiano, a cidade de Sumte, na Alemanha, passou de 120 para 1.000 habitantes.
Estes programas são baseados na vontade comum de construir uma sociedade de novos cidadãos, unidos não pela origem mas pelos ideais. Nos casos citados a maioria da população recebeu os migrantes com solidariedade. Muitos idosos do sul da Itália, por exemplo, viveram como migrantes na juventude quando fugiram da Segunda Guerra Mundial e da pobreza. “Quem melhor do que a gente, que deixou a casa como jovens trabalhadores por causa da miséria, pode entender a dor destas pessoas que fogem das guerras e das perseguições?”, explica Carmine Battaglia, presidente da Associação dos idosos de Satriano.
Desafios para o futuro
As cidades europeias que colocaram em pratica o modelo de Riace são poucas. A sociedade civil e a politica não apoiaram abertamente este modelo de integração. Neste momento a atenção da mídia e dos governantes está focada na alimentação do medo e não no apoio à esperança. Por exemplo, na Itália, a maior parte da verba disponibilizada pelo Sistema de Proteção de Requerentes Asilo e Refugiados não está sendo usada pelas Prefeituras por causa dos poucos pedidos das mesmas. Das 4.000 cidade que poderiam pedir o financiamento para o SPRAR, apenas 300 o fizeram. É evidente que os prefeitos não querem se expor às criticas de uma sociedade cada vez mais fechada em si mesma e com medo do futuro.
Além disso, um dos maiores desafios no âmbito dos projetos já ativos é aquele de garantir aos migrantes as oportunidades de trabalho no longo prazo. O apoio do sistema italiano SPRAR tem duração de um ano, sendo de tipo financeiro (35 euros diários recebidos pela prefeitura por cada migrante acolhido) e de inserção no mercado de trabalho por meio de estágios. Depois deste período são as empresas que escolhem se garantem um contrato efetivo. Vários migrantes entrevistados manifestaram a vontade de permanecer nas pequenas cidades, mas o primeiro objetivo é aquele de achar um trabalho estável e seguro. Por isso, quando possível, muitos desses migrantes abrem lojas artesanais e escolhem ser trabalhadores autônomos.
O modelo de integração de Riace é realidade em poucas cidades nas quais o relacionamento entre população local e migrante é uma troca entre iguais e não entre quem ajuda e quem recebe. Os migrantes expressam a vontade de serem independentes e reconhecidos como seres humanos, com sonhos e objetivos. As limitações temporárias na liberdade de escolher onde morar, onde trabalhar e onde ver os próprios filhos crescerem devem ser amenizadas pela eficiência de uma sociedade capaz de acolher e criar as condições nas quais estes direitos voltem a serem efetivos.
Alimentamos cada vez mais o medo pelo “outro”, focamos nas diferenças entre “nós” e “eles” sem querer ver as soluções. Considerar as possibilidades é mais difícil e, para fazê-lo, precisamos de coragem e competência. Apesar destes obstáculos, existem pessoas que enfrentam as dificuldades e trabalham para alcançar soluções sem alimentar conflitos inúteis. A migração, quando bem gerenciada, é uma oportunidade para melhorar a sociedade, mas quando o gerenciamento dos fluxos migratórios é baseado no alarmismo e desrespeito dos direitos humanos, os resultados afetam negativamente a população inteira.
Precisamos repensar a integração como um novo modo de ser cidadãos, combinando os desejos e as necessidades de cada um. A solução é aceitar a migração como fenômeno humano e garantir a inclusão de todos. Desta forma, se satisfaz também os interesses da população acolhedora: uma sociedade justa é, necessariamente, mais rica e mais segura. Somente eliminando os conflitos sociais e cessando o desrespeito às pessoas, podemos ser parte de uma humanidade pronta para enfrentar os desafios do futuro, sobreviver a eles e ser cada dia melhor.