Hoje, assim como ontem, os migrantes navegam nas ondas de sonhos nutridos desde as penas e as carências da infância
Por Pe. Alfredo J. Gonçalves
No Rio de Janeiro
As fortunas combinadas das 26 pessoas mais ricas do mundo têm o mesmo valor do que a soma do patrimônio da metade da população mais pobre do mundo, segundo relatório da Oxfam, organização mundial que busca combater a pobreza e as desigualdades. Conforme a entidade, a soma das riquezas desse grupo seleto é a mesma dos valores das 3,8 bilhões de pessoas mais pobres. O relatório foi divulgado para marcar o início do Fórum Econômico Mundial em Davos. A organização destaca que as fortunas dos bilionários aumentaram 12% no ano passado – o equivalente a 900 bilhões de dólares, ou US$ 2,5 bilhões por dia. Na contramão, as pessoas que compõem a metade mais pobre no mundo viram sua riqueza diminuir em 11%.
Diante de semelhantes números, aos deserdados do planeta só resta a fuga. E de fato, ao lado e antes da violência ou guerra, a chaga da pobreza, miséria e fome continua sendo o primeiro fator dos deslocamentos humanos de massa. Jovens especialmente, homens e mulheres, mas também crianças e famílias inteiras, se vêm privados de qualquer perspectiva de futuro em sua terra natal. Deixam amigos e parentes, deixam sob o solo os restos mortais de seus antepassados e aventuram-se em busca de qualquer oportunidade. Se o horizonte permanece incerto, para trás ficou a certeza da falta de condições minimamente humanas. Igualmente certas são as adversidades que os esperam pelo caminho, os problemas nas fronteiras fechadas, a falta de documentação, a exposição aos traficantes que lhes tiram as últimas economias e a hostilidade por parte das autoridades dos países de destino, como também, e cada vez mais, de grande parte da população. A causa primordial da migração em mergulha suas raízes nas assimetrias, injustiças e desequilíbrios de ordem social e econômica. Pouco a pouco, crescem ainda as motivações de natureza climática.
Hoje, assim como ontem, os migrantes navegam nas ondas de sonhos nutridos desde as penas e as carências da infância. Sonhos que, a exemplo das flores selvagens, nascem nos terrenos mais árduos e menos férteis. Diferentemente das migrações históricas, porém, as migrações atuais apresentam características bem diversas. Estima-se que, entre 1820 e 1920, cerca de 65 a 70 milhões de emigrantes deixaram a Europa, em direção às terras novas da América e da Oceania. A grande epidemia das batatas na Irlanda, na metade do século XIX, por sua vez, dizimou mais um milhão de pessoas, levando outro milhão a cruzar o Atlântico. Somente da Itália, a emigração ultrapassou a cifra de duas dezenas de milhões. Daí a denominação de “século do movimento”. Movimento do carro, do trem, do navio, depois do avião – mas sobretudo movimento dos trabalhadores do campo para a cidade, por uma parte e, por outra, do velho continente em vista de “fare l’America”, como diziam os emigrantes italianos.
Tais migrações históricas, digamos assim, tinham origem e destino mais ou menos certos, pré-determinados, quase lineares. Eram deslocamentos relativamente ordenados, onde às vezes governos, empresas e associações tentavam regular o fluxo dos emigrantes. Estes sofriam um desenraizamento provisório para depois, nos lugares de chegada, serem em grande parte novamente enraizados. Muitos acabavam por assentar-se como “colonos”, tornando-se até empresários e industriais. Acabaram contribuindo com o desenvolvimento de países como Estados Unidos, Canadá, Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Austrália, Nova Zelândia. Numa palavra, a mobilidade geográfica constituía uma promessa para a mobilidade social.
As migrações hodiernas mais parecem um vaivém sem fim. Também elas sofrem um desenraizamento do solo pátrio. Mas, ao contrário dos imigrantes de outras épocas, dificilmente encontram uma nova terra que possa ser chamada de pátria. Em lugar de origem e destino mais ou menos definidos, erram de fronteira em fronteira, “sem raiz, sem endereço fixo e sem horizonte”. Uma perambulação circular, intermitente, fragmentado. Em lugar da ascensão social, a mobilidade os precipita em becos sem saída. Alguns exemplos: os fugitivos da Etiópia ou da Eritreia, cruzando vários confins, chegam à Líbia, tentando embarcar para a Europa. Tropeçam, porém, com o bloqueio das rotas balcânica e mediterrânea. Não é diferente com os sírios. Detidos em campos da Turquia, vêm cerrada a via que os conduziria ao velho continente. Na Ásia, os migrantes filipinos, indianos e indonésios dirigem-se aos Emirados Árabes, onde passam a girar conforme com os ventos do capital. Deste lado do Atlântico, os haitianos, após cruzarem várias fronteiras, chegaram ao Brasil. Daqui, seguiram viagem para o Chile e Argentina. Em seguida, se aventuraram pelos países da América Central até o México. Por fim, viram seus sonhos despedaçados em Tijuana, tão perto e tão longe dos Estados Unidos. Permanece a esperança, sem dúvida, mas por um tênue fio.