Por Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
Começa a “primavera boreal”, como é chamada essa estação luminosa no hemisfério norte. Para os migrantes, refugiados e prófugos, porém, o céu continua nublado, o horizonte sombrio e o caminho bloqueado por muros, leis e intolerância. Embora sonhem com a primavera, tropeçam a cada esquina com o inverno.
De acordo com as autoridades italianas, de 1º de janeiro de 2017 até os dias de hoje, nada menos do que 18.232 imigrantes cruzaram a “rota mediterrânea”, desembarcando nos portos da Itália. Desse total, quase 2.500 são menores desacompanhados. Grande parte provém da Líbia, Eritreia, Etiópia, Sudão, Nigéria, entre outros países.
Semelhante dados superam em 31% o volume de migrantes desembarcados nas costas italianas no mesmo período de 2016, e em 80% o volume de imigrantes desembarcados em igual período de 2015. Os números crescem a olhos vistos, juntamente com pessoas, grupos e partidos xenófobos e intransigentes, que defendem o fechamento das fronteiras.
Boa parte deles, na iminência de naufrágio, foram salvos pela Guarda Costeira e conduzidos a um dos campos de acolhida. Estes abrigos, relativamente provisórios, encontram-se superlotados e em situações precárias, no limite de suas possibilidades. O que, nos últimos meses, deu origem a uma série de tensões e distúrbios.
No último dia 20 de março, realizou-se em Roma uma reunião de cúpula entre representantes de alguns países da Europa e outros da África, com um duplo objetivo: de um lado, combater a rede do tráfico de seres humanos, desde o continente africano para o continente europeu; de outro, distinguir aqueles que possuem direito a asilo político, perseguidos pela violência e pela guerra (refugiados reconhecidos) daqueles que não o possuem (migrantes socioeconômicos em geral).
Para além desse objetivo duplo, esconde-se um outro, mais ou menos dissimulado. Tentar frear o fluxo na “rota mediterrânea”, num acordo entre o polo de origem (países africanos) e o pólo de destino (Itália/Europa). “Mutatis mutandis”, repete-se o acordo entre a Turquia e a Europa, concluído meses atrás, também para deter os imigrantes que tentam entrar pela “rota balcânica”.
Pergunta-se: como fazer a distinção precisa entre refugiados, de uma parte, e migrantes sociais e econômicos, de outra? Quais os critérios utilizados? A fome e a carestia, a pobreza e a miséria também matam, e o fazem aos milhares e milhões. Do ponto de vista da dignidade humana, como distinguir as vítimas da perseguição, da prisão ou da morte violenta – por motivos políticos, ideológicos ou religiosos – das vítimas da subnutrição e de uma morte lenta mas inexorável, a morte cotidiana e a conta-gotas?
Do outro lado do Atlântico, o presidente Trump continua trombeteando duramente contra a imigração. Também ali, a primavera parece converter-se em inverno para quem arrisca o futuro nos Estados Unidos. Além do braço de ferro com o Poder Judiciário, o presidente prossegue a política de militarização das fronteiras, de rígido controle sobre as entradas de imigrantes e de uma deportação mais massiva. Tudo isso em um país cuja história foi estruturalmente marcado pela presença enriquecedora de imigrantes.
Roma, 21 de março de 2017