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terça-feira, abril 23, 2024

Moradia para migrantes e a marginalização planejada: além do incêndio do imóvel no Brás

Por Rodrigo Passoni
Em São Paulo (SP)

Semana passada, no dia 24 de novembro, a cidade de São Paulo acordou com uma triste notícia: quatro pessoas haviam morrido e algumas ficaram feridas durante um incêndio que atingiu um imóvel ocupado na região central de São Paulo. A peculiaridade deste incêndio, porém, é que esta era uma ocupação composta essencialmente por imigrantes, em especial, vindos da Bolívia. Das quatro vítimas, uma era boliviana. E todos os que moravam ali, brasileiros e bolivianos, perderam sua moradia.

O incêndio, apesar de um evento isolado, é um dos sintomas graves de uma política habitacional insuficiente no que se refere, principalmente, ao trato à população migrante; não só em São Paulo mas também em todo o nosso país.  Segundo dados da Fundação João Pinheiro, divulgadas no Caderno para discussão pública do Plano Municipal de Habitação, o déficit habitacional do município é de 474.344 unidades. Ao mesmo tempo, de acordo com uma reportagem do Estado de S. Paulo, de Março de 2016, São Paulo tem 2 milhões de m² de imóveis sem uso, que poderiam acomodar mais de 400 mil pessoas. Para os novos imigrantes que chegam ao Brasil, esses fatores se somam à situação de vulnerabilidade na qual muitos se encontram.

Um dos principais desafios para a integração dos migrantes diz respeito à promoção do direito e acesso à informação. Por todo o Brasil, existem entidades cuja missão é fornecer assistência aos estrangeiros; estas entidades, porém, reclamam que não existem tantos órgãos como o CRAI – São Paulo, (Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes), cujo trabalho é justamente a difusão de informações e capacitação de órgãos oficiais e da sociedade em geral no que se refere ao tratamento dos estrangeiros.

Estas contingências, ao lado de uma série de outras questões, criam condições de marginalização e exclusão das populações migrantes que chegam ao Brasil. Sem conhecer os próprios direitos, vale a lei do “cada um por si” e os estrangeiros ficam a mercê da boa vontade ou não dos que já moram por aqui para saber como se virar. Uma situação de exclusão que leva a outra. E assim, um ciclo de marginalização se forma.

As vítimas do incêndio no Brás não viveram e morreram em condições degradantes por acaso. O mesmo direito que cria e dá direitos aos indivíduos é aquele que exclui e marginaliza. Com relação às populações migrantes, essa é a tese defendida por Tatiana Chang Waldman em seu doutorado na Faculdade de Direito da USP. Ao instituir taxas impossíveis de serem pagas bem como procedimentos administrativos difíceis de serem compreendidos pela sociedade, o Estado cria e empurra essas populações à exclusão, o que faz com que homens e mulheres se sujeitem a trabalhar e morar em imóveis precários no centro da cidade. E até mesmo morrer durante essas empreitadas, pois se encontram em uma situação de tamanha vulnerabilidade, que muitas vezes viver assim é a única opção.

Em 2015, o CRAI realizou o “Seminário Moradia e Imigração”, no qual diversas entidades debateram a temática da moradia e das migrações. Entre elas, o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, ONG voltada especificamente à questão do direito à cidade, através do engenheiro Luiz Kohara, já se manifestava dizendo que “Moradia não é apenas um teto com quatro paredes. É necessário infraestrutura pública, serviços, transporte público de fácil acesso”.

O comentário é muito preciso ao pontuar uma questão importante: programas habitacionais devem levar em conta não apenas o acolhimento de pessoas mas também se perguntar do porquê elas precisarem desse tipo de auxílio. Migrantes, independente de seus status, são trabalhadores. E a busca por trabalho, tarefa já muito difícil para uma pessoa cuja carreira foi construída em outro país, torna-se ainda mais problemática, à medida que o imigrante vai sendo levado a habitar regiões cada vez mais periféricas, onde não há tantas ofertas de emprego e é necessário gastar uma boa quantidade de dinheiro com transporte público para fazer entrevistas de emprego, até encontrar a tão esperada vaga de trabalho.

A insuficiência do poder público em responder a esta demanda marginaliza e empurra estas populações para uma situação de vulnerabilidade. Nessa situação, os migrantes se vêem obrigados a procurar moradias como as que pegaram fogo na quinta-feira passada, onde passam pelos mais diversos tipos de adversidades, que vão desde aceitar aluguéis acima do valor de mercado como a habitar em espaços insalubres.

Para solucionar questões assim, entidades de direitos humanos e movimentos sociais dizem ser urgente que o poder público (no caso de São Paulo, a municipalidade) intervenha para garantir que estas pessoas não sejam vítimas destas contingências. Ano passado, foi lançado o Manifesto “Morar no Refúgio”, disponível na Internet e que contém uma série de recomendações ao Estado para tornar mais digna a condição dos migrantes no país. Entre as recomendações, uma que se liga especificamente à questão sugere que movimentos organizados de moradia habilitados pelo Ministério da Cidade, CDHU e COHAB sejam responsabilizados pela gestão da moradia provisória, além de que haja paridade com brasileiros. Outra proposta prevê como necessária a ampliação de vagas em abrigos destinados à atender especificamente a população migrante.

Um processo que vale a pena acompanhar e que foi iniciado neste ano é o da construção do Plano Municipal de Habitação. Desde que foi criado, a prefeitura entende que este deve ser um processo que deve contar com participação popular; vale muito a pena ver como isso se desenrolará com a transição para a gestão Dória.

Ainda sobre a questão de moradia, as principais queixas dos migrantes com relação sobre o assunto se ligam aos altos preços cobrados para os aluguéis em São Paulo e às dificuldades relacionadas à documentação, como encontrar um fiador, por exemplo.

Com relação ao incêndio, ainda se investiga quais podem ter sido as causas. Apesar de muitos serem os relatos dizendo que a fiação elétrica era precária, algumas narrativas sugerem que uma discussão entre moradores pode ter sido a faísca para o começo da tragédia.

 

1 COMENTÁRIO

  1. […] Dados veiculados na imprensa apontam que, segundo a Secretaria de Habitação da Prefeitura de São Paulo, cerca de 25% dos moradores cadastrados na ocupação não eram brasileiros – situação que possivelmente se repete em outras. A situação de dificuldade de acesso à moradia para pessoas migrantes e em situação de refúgio, inclusive, já havia sido comentada no MigraMundo nos últimos anos, quando um incêndio na região central de São Paulo vitimou um imigrante boliviano, em 2016. […]

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