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terça-feira, abril 23, 2024

Morte de congolês no Rio de Janeiro por dívida de trabalho gera comoção, revolta e mobilização por Justiça

Mensagem "Justiça Por Moise" repercurte nas redes sociais, cobra providência para resolução do crime e exige combate ao racismo e xenofobia

Atualizado às 19h30 de 1.fev.2022

O assassinato do imigrante congolês Moïse Kabamgabe, 24, ocorrido no último dia 24 no Rio de Janeiro, vem gerando revolta e clamor por Justiça — tanto por parte da própria comunidade como por instituições da sociedade civil e representantes do meio político.

Segundo a família do jovem, ele trabalhava por diárias no quiosque Tropicália, na Barra da Tijuca, como ajudante de cozinha. Mas o dono do estabelecimento estava devendo há dois dias.

Ao cobrar a dívida, o jovem foi espancado até a morte com pedaços de madeira e um taco de beiseball por cinco pessoas. O ato durou 15 minutos e foi registrado pelas câmeras de segurança instaladas no quiosque, que estão sendo analisadas pela Polícia Civil. O corpo só foi encontrado em uma escada e amarrado, cerca de 12 horas após o crime, já no dia 25.

O laudo do Instituto Médico Legal concluiu que os pulmões de Moïse tinham áreas hemorrágicas de contusão e também vestígios de broncoaspiração de sangue, geradas pelo espancamento.

O caso ganhou repercussão de fato a partir do sábado (29), quando a comunidade congolesa no Rio de Janeiro foi às ruas protestar contra o crime e pedir Justiça. O enterro de Moïse Kabamgabe ocorreu no domingo (30), no Cemitério de Irajá, na zona norte da cidade.

“Fugimos da África para sermos acolhidos no Brasil. O Brasil é uma mãe, uma segunda casa, e como que vai matar um irmão trabalhando? Justiça tem que ser feita!”, disse um parente do congolês, aos prantos e vestindo uma camisa com a foto de Kabagambe, em entrevista à rede de televisão SBT.

Por meio das redes sociais, o secretário da Fazenda e Planejamento da Prefeitura do Rio de Janeiro, Pedro Paulo, anunciou nesta terça-feira (01) a suspensão do alvará do funcionamento do quiosque Tropicália. A página do estabelecimento no Facebook foi excluída, enquanto o perfil no Instagram foi fechado.

Também nesta terça-feira, um homem identificado como Alisson Oliveira, 27, assumiu participação na morte de Moïse, segundo o portal G1.

De acordo com dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, 53.835 pessoas foram reconhecidas como refugiadas no Brasil de 2011 a 2020, das quais 1.050 delas eram congolesas, 2% do total.

Repúdio e mobilização

“Esse ato brutal, que não somente manifesta o racismo estrutural da sociedade Brasileiro, mas claramente demonstra a xenofobia dentro das suas formas, contra os estrangeiros, nós da comunidade congolesa não vamos nos calar. Combater com firmeza e vencer o racismo, a xenofobia, é uma condição para que o Brasil se torne uma nação justa e democrática”, diz trecho da carta aberta divulgada pela comunidade congolesa no Rio de Janeiro.

Novas manifestações em memória do jovem congolês e contra a xenofobia são esperadas para os próximos dias no Rio de Janeiro e em outras cidades.

Protesto da comunidade congolesa no Rio de Janeiro contra a morte de Moise Kabamgabe. (Foto: Dívulgação)

Por meio de nota conjunta, a Cáritas Arquidiocesana do Rio, o ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados) e a OIM (Organização Internacional para as Migrações) informaram que estão acompanhando o caso, esperando que o crime seja esclarecido.

“Moïse chegou ao Brasil ainda criança, acompanhado de seus irmãos. No país, ele e sua família foram reconhecidos como refugiados pelo governo brasileiro. Ele era uma pessoa muito querida por toda a equipe do PARES Caritas RJ, que o viu crescer e se integrar. Neste momento, as organizações apresentam suas sinceras condolências e solidariedade à família de Moïse e à comunidade congolesa residente no Brasil”.

Na mesma linha, o Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR Brasil) também manifestou pesar pelo assassinato de Moïse Kabamgabe.

Nos solidarizamos com os familiares e com as comunidades migrantes e refugiadas que sofrem com a violência, a xenofobia e o racismo. Enquanto instituição que reitera seu compromisso na defesa dos direitos das pessoas migrantes e refugiadas, exigimos das autoridades que atuem firmemente na investigação, na apuração do ocorrido e não deixem esse crime impune.

#JustiçaPorMoise

Por meio da hashtag #JustiçaPorMoise, o caso viralizou nas redes sociais, com manifestações de indignação pelo crime, exigindo providências e o combate à xenofobia.

“Moise Kabamgale e sua família deixaram o Congo na esperança de viver uma vida digna e com mais oportunidades no Brasil. Sonho que foi covardemente interrompido pelo racismo e pela xenofobia. Seu assassinato não pode ficar impune! #JusticaPorMoise”, escreveu a Anistia Internacional Brasil por meio do perfil no Twitter.

“Esse ato brutal, não manifesta somente racismo estrutural da sociedade brasileira, mas também a XENOFOBIA em sua pior forma. Exigimos justiça para MOISE, seus familiares e amigos”, escreveu nas redes sociais o Instituto Marielle Franco.

O assassinato de Moïse também gerou repercussão entre ativistas sociais e representantes do meio político, que reforçaram o pedido de justiça.

“Moramos em um país onde um homem negro e refugiado pode ser espancado até a morte, ter seus órgãos arrancados e nada acontecer com os responsáveis. O motivo dessa crueldade? Moise foi apenas cobrar o seu salário que estava atrasado. Que país é esse?”, comentou o ativista e educador popular Wesley Teixeira, de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

No meio político, Tainá de Paula, vereadora pelo Rio de Janeiro, também se pronunciou nas redes sociais. Ela criticou a falta de políticas públicas para uma recepção e apoio adequado à população migrante.

“O assassinato do jovem congolês, Moise Mugenyi, é de um absurdo total! Moise foi espancado até a morte por ter cobrado pelo pagamento do seu trabalho num ato de racismos, xenofobia e desrespeito aos trabalhadores. Um crime dessa natureza não pode ficar impune. Justiça para Moise!”, também falou o ex-senador pelo Rio Lindbergh Farias.

Racismo estrutural

A morte de Moïse Kabagambe não é um caso isolado de violência contra imigrantes no Brasil. Nos últimos anos ocoreram diversos casos de pessoas migrantes e refugiadas negras, especialmente de países africanos e do Haiti, que foram vítimas do racismo e da xenofobia perpetrada por brasileiros.

“Os imigrantes e refugiados negros no Brasil vivem no contexto do racismo estrutural. Há aqueles que mesmo com grande qualificação, só conseguem empregos precários sem usufruírem dos diversos direitos para terem uma vida digna no país, não conseguem ascender de posição. O racismo e a xenofobia contra negros é mais contundente. O triste caso do assassinato do congolês Moise Kabamgabe, infelizmente não é um caso isolado, há um contexto no qual é materializada a violência física e/ou simbólica”, apontou o sociólogo Alex André Vargem, doutorando em Ciências Sociais pela Unicamp e que atua há 20 anos com a imigração africana na cidade de São Paulo.

Foi na capital paulista, inclusive, que ocorreu um outro caso de assassinato de um imigrante negro que ganhou repercussão. Em maio de 2020, o frentista angolano João Manuel, 47, foi morto na região de Cidade A.E Carvalho, na zona leste da cidade. De acordo com testemunhas, o motivo do crime foi um discussão a respeito do recebimento do auxílio emergencial por imigrantes em meio à pandemia — que possuíam direito ao benefício.

“Há outras dezenas de casos que sequer estiveram na grande mídia ou que tiveram a devida atenção do Poder Público, e não são poucos. Estes tristes episódios sempre colocaram em xeque o mito do Brasil como um país acolhedor. A sociedade brasileira e o Poder Público precisam reverter este quadro negativo”, finalizou Vargem, em sintonia com o apelo feito pela carta da comunidade congolesa no Rio.


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