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quinta-feira, abril 17, 2025

Morte de migrante senegalês pela PM em São Paulo gera revolta e mobilização do Brás ao Senegal

Caso repercutiu até mesmo junto à mídia e ao governo do Senegal; no Brasil, protestos contra a morte de Ngange Mbaye tem sido reprimidos com violência pela polícia

A tarde da última sexta-feira (11) ficou marcada de forma trágica pela morte do migrante senegalês Nagange Mbaye, 34, que atuava como vendedor ambulante no bairro do Brás, em São Paulo, após uma abordagem policial violenta. E o ocorrido gerou manifestações imediatas por parte da comunidade migrante, de entidades da sociedade civil ligadas à temática migratória e também do meio político.

O vídeo com a abordagem que levou à morte de Mbaye viralizou nas redes sociais e foi destaque nos principais meios de comunicação no país. Uma das versões do caso dá conta de que o vendedor ambulante teria reagido após ter a mercadoria apreendida por policiais militares durante uma operação. Outra versão diz que ele, na verdade, estava de folga e tentou impedir que a mercadoria de uma idosa fosse levada pelos agentes. Ao se opor contra a PM, o migrante foi agredido com cassetetes e pouco depois levou um tiro no abdômen, disparado por um dos policiais.

O migrante senegalês chegou a ser atendido ainda com vida pelo SAMU, mas não resistiu aos ferimentos e morreu pouco depois, já na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Ngange Mbaye, que deixa esposa e dois filhos, era descrito por outros vendedores ambulantes na região como uma pessoa tranquila.

O caso ocorreu na rua Joaquim Nabuco, no Brás, que ficou com clima tenso após a abordagem policial, com protesto de outros ambulantes e repressão por parte da Tropa de Choque da PM com balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo. A via chegou a ser fechada após o crime.

Segundo a Secreteria de Segurança Pública, o agente que efetuou o disparo (e que não teve o nome divulgado) foi afastado das funções. A Ouvidoria das Polícias do Estado de São Paulo disse que vai encaminhar o caso para a Corregedoria da Polícia Militar e que a morte de Mbaye será investigada pelo DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa).

O agente que disparou contra o migrante senegalês estava na região por meio da Operação Delegada, um convênio entre a Prefeitura de São Paulo e o governo paulista que prevê que agentes voluntários da Polícia Militar reforcem o policiamento na cidade durante os dias de folga. O foco principal é o do combate ao comércio ambulante em situação irregular.

Repúdio à violência institucional

A morte de Ngange Mbaye gerou revolta imediata junto à comunidade migrante, que foi às ruas já na manhã de sábado (12) no Brás para protestar. O ato teve início no Largo da Concórdia e percorreu diferentes vias do bairro. Nas vozes e cartazes, a mensagem “PM assassina e racista” era uma constante.

Já no final, os policiais militares que acompanhavam o protesto reprimiram os manifestantes com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha, sob a alegação de que foram atingidos por uma garrafa de água. Mesmo com o histórico de repressão violenta por parte da PM, uma nova manifestação já está marcada para a tarde de segunda-feira (14), às 15h, na Praça da República – outro ponto que costuma contar com migrantes atuando como vendedores ambulantes.

“É mais um triste episódio de racismo e xenofobia no Brasil que partiu dos agentes do Estado, que resultou em morte. Não foi um caso isolado. O ato organizado pela comunidade senegalesa no sábado (12) foi de suma importância para dar visibilidade e chamar a atenção e clamar por justiça”, observou o sociólogo Alex André Vargem, que pesquisa e acompanha comunidades de países africanos no Brasil.

O pesquisador, no entanto, apontou que a repressa violenta da PM ao ato de sábado é um “fato que reforça as tensões na região entre as partes e requer um monitoramento dos órgãos de controle do Estado e dos organismos internacionais para que os diretos das pessoas não sejam violados”.

O CONDEPE (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) também expressou indignação pela morte de Ngange Mbaye e disse que é necessário “colocar freios” no que classificou como “política de morte” que afeta sobretudo as populações mais vulnerabilizadas – como negros, pobres e migrantes. “Não é admissível conviver com tantas mortes, com tantas violações, abusos e excessos, a sociedade necessita de politicas que visem o bem-estar e a manutenção da vida. Esse conselho atuara como sempre buscando responsabilidades, garantia de justiça e respostas para as famílias”.

Manifestações da sociedade civil

Diversas instituições que atuam junto à temática migratória expressaram pesar pela morte de Ngange Mbaye e cobraram providências para que os responsáveis pelo crime sejam punidos.

“Casos como este revelam o quanto a violência institucionalizada segue fazendo vítimas, especialmente entre as populações negras, periféricas e migrantes. São vidas tratadas como descartáveis, em um ciclo cruel de exclusão e negligência. Expressamos nossa solidariedade à família de Ngange, à comunidade senegalesa e a todas as pessoas migrantes que, diariamente, enfrentam racismo, xenofobia e precarização em suas rotinas de trabalho e sobrevivência”, disse o CDHIC (Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Migrante), por meio de nota.

Na mesma linha, a ONG Identidade Humana destacou que casos como o da morte do migrante senegalês não podem ser naturalizados e nem esquecidos. “A violência não pode ser a resposta para a luta diária pela sobrevivência. O trabalho informal, muitas vezes a única alternativa para migrantes, não pode ser tratado como crime”.

“Repudiamos toda e qualquer violência racista e xenofóbica da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Junto ao movimento migrante e ao movimento negro, exigimos justiça e apoio aos familiares”, complementou em nota o Centro Cultural Andino-Amazônico”.

Também por meio de posicionamento público nas redes sociais, o CAMI (Centro de Apoio e Pastoral do Migrante) cobrou que sejam feitas investigações aprofundadas, de forma transparente e imparcial, além de punição dos responsáveis pelos atos de violência e de ações para prevenir violência e promover segurança cidadã.

“Ngange Mbaye não era apenas mais um corpo negro invisibilizado pelas estatísticas da violência policial, era um ser humano, um trabalhador, um imigrante que buscava dignidade em terras brasileiras. Sua morte é mais um triste retrato do racismo estrutural e da xenofobia que persistem em nossa sociedade”, posicionou-se o coletivo Visto Permanente, que reforçou o coro de justiça para Ngange Mbaye.

Repercussão política e internacional

A morte de Mbaye e as respostas policiais violentas foram também repudiadas por políticos. A vereadora em São Paulo Luana Alves (PSOL), o deputado federal Orlando Silva (PC do B-SP) e a deputada federal Juliana Cardoso (PT-SP) estiveram entre aqueles que se manifestaram publicamente e acompanham o caso.

“Estamos exigindo o acesso ao inquérito e acionando a Defensoria Pública. Não aceitaremos que mais uma vez tentem livrar o policial e culpabilizar a vítima”, afirmou a deputada. Já a vereadora cobra a instalação de uma CPI na Câmara Municipal de São Paulo para investigação das ações policiais no Brás.

O caso foi destaque, inclusive, na mídia senegalesa e gerou manifestações do governo do país, que fica no oeste da África. “Neste momento doloroso, quero expressar, em nome do governo do Senegal, as nossas mais sinceras condolências. Foi com grande tristeza e consternação que soube da notícia da morte trágica do nosso compatriota Ngagne Mbaye em São Paulo. Neste momento doloroso, quero expressar, em nome do governo do Senegal, as nossas mais sinceras condolências”, disse a ministra senegalesa de Integração Africana e Negócios Estrangeiros, Yassine Fall.

A autoridade sengalesa disse ainda que estão em curso “medidas, por meio da nossa representação diplomática, para elucidar as circunstâncias dessa morte trágica”.

Cotidiano violento

A região do Brás vem sendo palco de uma série de casos de violência contra migrantes que atuam como vendedores ambulantes. As hostilidades partem tanto da Polícia Militar quanto de grupos organizados que praticam extorsão contra esses trabalhadores.

O caso envolvendo Mgange Mbaye não é o primeiro a terminar com morte na região central de São Paulo. No final de abril de 2024, o também senegalês Serigne Mourballa Mbaye (mais conhecido como Talla Mbaye) morreu após uma ação da Polícia Militar. Ele estava em um prédio que foi alvo dos agentes por ser um suposto local de receptação de celulares roubados. As forças de segurança disseram que Mbaye pulou do prédio e morreu na queda – o que é contestado por moradores da região, que afirmaram que o vendedor ambulante foi jogado pelos policiais.

Assim como ocorreu com a morte de Ngange, o episódio que terminou com a vida de Talla também motivou protestos da comunidade migrante, que foi às ruas cobrar justiça.

A edição de 2024 da Marcha dos Imigrantes, em São Paulo, teve como uma de suas reivindicações o fim da Operação Delegada, que tem sido usada pelo poder público como forma de reforçar a segurança.

Com informações de UOL, BBC, Mídia Ninja e Brasil de Fato


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