O plano do governo federal de trazer médicos de outros países para suprir a falta de profissionais em cidades do interior do Brasil virou uma polêmica nacional a ponto de dividir a opinião pública, segundo pesquisa Datafolha. No cerne da questão, no entanto, está um problema crônico da saúde pública nacional que passa longe dos méritos de qualquer profissional de medicina – brasileiro ou estrangeiro – e que não pode ser reduzido ao recorte da origem deste profissional.
A repercussão em torno da proposta do governo mostra o quanto a questão da saúde é importante para a sociedade. No entanto, um tema tão importante quanto a situação da saúde pública brasileira acaba reduzido a um único fator específico, permeado por alarmismo, xenofobia e oportunismo político – e é o que vem ocorrendo, por diversos fatores. Enquanto isso, o círculo vicioso da saúde permanece intacto.
A “importação” (e exportação, por que não?) seria positiva sim, desde que inserida em uma política bem definida e abrangente para a saúde. O intercâmbio que essa medida pode propiciar tem potencial para ser extremamente interessante tanto para os médicos brasileiros como os de outros países, que poderiam trocar experiências e compartilhar métodos de prevenção, tratamento e diagnóstico. O próprio Conselho Federal de Medicina (CFM) não se opõe por completo à vinda de médicos de outros países, desde que eles sejam submetidos aos mesmos processos que os profissionais brasileiros e tenham o diploma revalidado no Brasil – a oposição mais franca parte dos sindicatos e associações de médicos, mais temerosos quanto a possíveis empregos perdidos com os novos “competidores”.
Mas o governo beira a irresponsabilidade ao colocar a vinda de profissionais de medicina estrangeiros como uma solução a curto prazo para a má distribuição de material humano pelo país. Enquanto isso, plano de carreira para os médicos (nacionais ou não), melhorias de infraestrutura e uma distribuição mais adequada dos recursos públicos ficam fora da proposta ou relegados a um plano inferior. Hoje, o profissional (brasileiro ou não) pouco ou nada pode fazer com instrumentos e meios precários de se fazer um diagnóstico ou mesmo um encaminhamento para outra consulta. E diante desse quadro, dá para imaginar a dificuldade que será manter ou mesmo atrair médicos de fora para trabalhar no Brasil – não importando o salário oferecido.
Sem um plano de carreira no serviço público, os médicos tendem a ir para o setor privado – mais equipado, com melhores salários e condições de trabalho. Isso se reflete nas faculdades de medicina, que voltam seus formandos para esse filão e, em sua maioria, se eximem de dar ao futuro médico uma noção do que é o real sistema público de saúde brasileiro – que está anos-luz dos hospitais top de linha do país. Uma colaboração maior das universidades com o Ministério da Saúde ajudaria a minimizar o problema e daria mais rodagem aos novos profissionais. Aumentar o número de vagas em cursos de medicina, pura e simplesmente, cai no dilema “quantidade não significa qualidade” – ou seja, é mero paliativo.
Como se pode ver, o debate em torno da vinda de médicos estrangeiros vai muito além do que tem aparecido na superfície. A princípio, governo, sociedade e classe médica devem resistir à tentação de reduzir esse debate a uma questão meramente xenófoba ou protecionista. E, sobretudo, unir forças para lutar contra um círculo vicioso que até agora poucos se propuseram a tentar quebrar.
Concordo plenamente com tudo que você disse, ilustre amigo.
Excelente!