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quinta-feira, novembro 21, 2024

Muito além do lado oriental: bairro da Liberdade é testemunha da luta dos negros contra a escravidão

Conhecido como o Japão da capital paulista, o bairro já foi ponto de enforcamento à população negra e escravizada. Pesquisadora destaca importância de impedir que esse lado da história seja esquecido

Quando falamos do bairro da Liberdade, uma das primeiras imagens que são desenhadas em nossas cabeças é de um lugar que abriga uma grande comunidade de imigrantes japoneses, repleto de estruturas e prédios que conservam traços asiáticos, entre ruas decoradas por lâmpadas e faróis. Mas a trajetória do famoso bairro do centro de São Paulo vai além dessa imagem atual e testemunhou a luta da população negra contra a escravidão.

Nomeado antes como o bairro da Pólvora, em referência à Casa da Pólvora construída em 1754, o local tem uma história de longa data que envolve desde a chegada de negros que eram submetidos à escravidão, até a ocupação de imigrantes portugueses e italianos durante o século 19.

O bairro da Pólvora também era conhecido como o Largo da Forca, nome que deriva dos atos de enforcamento aos negros que eram escravizados e que eram acusados por cometerem algum tipo de delito. O bairro abrigou o instrumento de execução em função da pena de morte.

A Igreja da Santa Cruz, originalmente chamada Santa Cruz dos Enforcados, é um dos pontos emblemáticos da prática nefasta de diversas formas de punição aos escravizados e alforriados. Entre as ruas Galvão Bueno, Glória e Estudantes como conhecemos hoje, foi instalado o primeiro cemitério público em São Paulo, onde eram sepultados os condenados à forca.

Desconstruindo estereótipos

Angélica Beghini, gestora do Núcleo de Pesquisa do Museu da Imigração, explicou que a memória das violências contra as populações africanas e afro-brasileiras foi esquecida em detrimento de migrantes internacionais que começaram a aportar no Brasil ainda no final do século 19: os japoneses.

“Parte de um projeto de governo que pretendia substituir a mão de obra negra pela branca, os japoneses, considerados os ‘europeus da Ásia’ fizeram parte do grupo de migrantes desejados – ao lado de italianos, espanhóis, alemães, entre outros – no período conhecido como ‘Grande Imigração’”, disse.

O nome de ‘Liberdade’ ao bairro chegou pelo fim do século 19, quando a abolição da escravidão finalmente começou a ser uma pauta cogitada.

Segundo Angélica, São Paulo se manteve como uma “cidade global”, ou seja, um espaço com diversos serviços, oportunidades de trabalho, lazer e circulação de capital, sendo um importante foco de atração de migrantes internacionais no país.

Compreender as múltiplas influências dos migrantes na cidade é importante tanto para entender as diferentes heranças que compõem seu mosaico cultural, político e econômico, mas também para desconstruir estereótipos, como, por exemplo, o caso do bairro da Liberdade como reduto oriental.

“A capital de São Paulo goza de um imaginário de cidade cosmopolita, avessa às cristalizações muito específicas sobre a sua identidade. Esse traço pode ser compreendido a partir dos processos de crescimento econômico, marcados pela cultura do trabalho de migrantes internacionais, mas também pela visão de uma modernidade fabricada que se pretendia branca e europeia”, afirma a gestora do Núcleo de Pesquisa do Museu da Imigração.

Bairro da Liberdade, no centro de São Paulo, em foto de 2020. (Foto: Agência Brasil)

Região cosmopolita

Nas últimas décadas, o bairro começou a atrair também outros grupos de asiáticos, como chineses e coreanos, que passaram a fazer parte da sociabilidade urbana do local. Ainda assim, a Liberdade ainda é considerada como “pedaço do Japão” na cidade – atualmente são cerca de 400 mil habitantes japoneses ou de descendência japonesa na capital.

Os bastidores da história que se desconhece pela grande maioria, no local, é o que formulou todo o processo e frutificou o ponto turístico que conhecemos hoje. Angélica ressalta a importância da preservação de um patrimônio da imigração para guardar a história:

“A preservação de todas essas memórias não só é importante como é urgente para combater os apagamentos, bem como a invisibilização de inúmeros agentes de nossa história.”


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