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quinta-feira, dezembro 26, 2024

Mulher negra, africana e LGBTQI+: Cindy Ngamba leva bronze e se torna a primeira refugiada medalhista olímpica

Embore treine com a equipe britânica de boxe e já seja campeã nacional, Cindy Ngamba ainda luta contra a burocracia e tenta obter a cidadania local; ela ficou com o bronze no boxe feminino na categoria até 75 kg

Atualizado às 18h35 de 8.ago.2024

A pugilista Cindy Winner Djankeu Ngamba, nascida em Camarões, entrou para a história do esporte com sua participação nos Jogos Olímpicos de Paris. Ela é a responsável por garantir a primeira medalha da história da equipe de refugiados desde que ela foi criada, na edição de 2016.

No último domingo (4.ago), com a vitória sobre a francesa Davina Michel pelas quartas de final do boxe na categoria até 75 kg (e superando a pressão da torcida local), ela se garantiu na semifinal e a medalha de bronze (não há disputa de terceiro lugar no boxe olímpico).

Nesta quinta-feira (8), perdeu para a panamenha Atheyna Bylon. A derrota, no entanto, não apaga o feito alcançado pela pugilista logo em sua primeira participação em Jogos Olímpicos.

“Pra mim, significa muito ser a 1ª refugiada a ganhar uma medalha. Sou humana, como qualquer refugiado e atleta ao redor do planeta”, disse ela, em entrevista após a vitória sobre a adversária francesa.

Dos 36 atletas que representam a equipe de refugiados nesta edição dos Jogos Olímpicos, apenas dois garantiram vaga pelo desempenho em etapas classificatórias – sendo Cindy uma delas, ao lado do lutador de taekwondo afegão refugiado no Irã Ali Reza Abbasi. As demais 34 vagas foram preenchidas por meio de convite do COI (Comitê Olímpico Internacional), entre refugiados apoiados pelo Programa de Bolsas de Atletas Refugiados, financiado pelo programa de Solidariedade Olímpica do COI gerido pela Fundação de Refúgio Olímpico.

“Estou muito feliz e orgulhoso com o feito da boxeadora refugiada Cindy! Depois de três Olimpiadas a Equipe Olímpica de Refugiados assegura sua primeira medalha pelas mãos e talentos de uma atleta mulher africana! Toda torcida e respeito aos refugiados naquilo que se dedicam!”, acrescentou pelo X (antigo Twitter) Davide Torzilli, representante oficial no Brasil do ACNUR, a Agência da ONU para Refugiados.

Superações

Além dos atletas de carne e osso nos ringues, a pigilista vem enfrentando uma série de adversários ao longo de sua trajetória. E um deles quase a levou a nocaute.

Ngamba é homossexual, orientação criminalizada em Camarões. Por esse motivo, ainda aos 11 anos, teve de deixar a terra natal e buscou refúgio no Reino Unido. No país europeu, teve aos 15 anos o primeiro contato com o boxe, esporte pelo qual se apaixonou. Foi também uma forma de superar o bullying que sofria na escola por seu peso e sotaque.

Embore treine com a equipe britânica de boxe, Cindy Ngamba ainda não possui a cidadania do país de acolhida. Pelo contrário, aos 20 anos ela esteve a ponto de ser deportada de volta para Camarões por questões documentais. Ao lado do irmão, Kennet, chegou a ser levado a um campo de detenção em Londres, no qual conheceu mulheres que há anos vivem num limbo jurídico e com medo de serem devolvidas aos países de origem.

Graças à ajuda de um tio, Cindy e o irmão foram soltos. Por outro lado, nunca houve uma explicação oficial do governo britânico sobre as razões que levaram à detenção. Situação, inclusive, muito semelhante a de outros migrantes em diferentes países, independente do status documental.

A solução encontrada pela atleta foi competir como refugiada, condição que só foi reconhecida pelo país europeu em 2021. Cindy Ngamba ainda tenta obter o passaporte britânico, o que a permitiria disputar as próximas competições como representante do Reino Unido, onde já foi campeã nacional na modalidade três vezes.

“Eu me sinto parte do time britânico. Mas, nos papéis, não sou”, afirmou ela ao The Independent.

Cindy Ngamba encontrou no boxe uma forma de inserção social e de lidar com bullyng que sofria na escola. (Foto: John Huet/IOC)

Sobre a equipe olímpica de refugiados

Criada nos Jogos de 2016, no Rio de Janeiro, a equipe olímpica de refugiados chegou à sua terceira edição em Paris. Foram selecionados 23 homens e 13 mulheres, de 11 países de origem: Afeganistão, Irã, Síria, Sudão, Eritreia, Venezuela, Etiópia, Cuba, Sudão do Sul, Camarões e República Democrática do Congo.

Ao todo, 12 modalidades contam com atletas refugiados em Paris, todas de caráter individual: atletismo, badminton, boxe, breaking, canoagem, ciclismo, judô, levantamento de peso, natação, taekwondo, tiro esportivo e wrestling.

Os Jogos Olímpicos de Paris foram os primeiros nos quais os refugiados vão competir com uma bandeira própria: um coração ao centro originado do logotipo da Fundação Olímpica de Refugiados. Ele visa representar o pertencimento que a equipe espera inspirar e que atletas e pessoas deslocadas ao redor do mundo encontraram por meio do esporte.

Na edições anteriores, a equipe de refugiados era representada pelo emblema olímpico.

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