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quinta-feira, novembro 21, 2024

Mulheres migrantes e refugiadas levam suas vozes e vivências à Câmara Municipal de São Paulo

“Desafios Sócio Econômicos da Mãe Refugiada para ser Cidadã” foi o tema do encontro, que chamou as mulheres para serem protagonistas das suas próprias histórias

Por Lya Amanda Rossa
Coluna Fronteira Aberta
Em São Paulo (SP)

Quais são os desafios encontrados por mulheres e mães, migrantes e refugiadas? Esse foi o tema do encontro que ocorreu no dia 23/06 na Câmara Municipal de São Paulo, promovido pela ONG Africa do Coração como tema de abertura da Copa dos Refugiados de 2017 – o torneio de futebol está previsto para agosto.

Alguns dos desafios apontados foram as razões para migrar, o papel da mulher em suas sociedades, o acesso à saúde, moradia e educação. O evento contou com a representação de diversas entidades, como a Coordenação de Políticas Para Migrantes (CPMig) da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo, o Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Secretaria Estadual de Justiça, a Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, a Cruz Vermelha e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).  Mas o destaque principal foi a fala de mulheres migrantes e refugiadas, que ocuparam esse espaço para partilhar um pouco sobre suas realidades e perspectivas.

Mulheres migrantes marcaram presença no plenário da Câmara Municipal de São Paulo.
Crédito: Lya Amanda Rossa

A jornalista congolesa Claudine Shindany Wazime, refugiada no Brasil, pautou a situação da República Democrática do Congo, país da África Central  que vive uma severa guerra civil há 20 anos e tem a sua situação agravada pela exploração de minerais  como a cassiterita e o coltan, matéria-prima para a produção de eletrônicos como celulares, tablets e notebooks, e que é comprado por diversos países do mundo de grupos militares locais, o que financia os conflitos e os mantém a preços baixos.

Claudine apontou a severidade da guerra para a situação das mulheres e crianças, por práticas do uso de violência de gênero, física e  psicológica. O do estupro como arma de guerra, que acarreta em situações de mutilação, gravidez e disseminação de epidemias de HIV/AIDS, além do recrutamento de crianças-soldado são circunstâncias que motivam o deslocamento de mulheres. Causas culturais também foram apontadas por Claudine como motivadoras de refúgio, como casamento em idade infantil, violência de gênero, falta de acesso à saúde e exclusão sistemática das mulheres à educação.

Após terem passado por tantas dificuldades em seu país, ao chegarem no Brasil, surgem novos desafios como o acesso à documentação e ao trabalho, essenciais para uma condição de vida digna: “Chegamos no Brasil e recebemos o protocolo, e precisamos nos integrar aqui. Eu fui fazer duas vezes entrevista de emprego com o protocolo, passei nas entrevistas, mas não fui chamada porque o meu documento não foi aceito. A gente sai do nosso país, as vezes com pouco dinheiro, mas não queremos deixar o dinheiro em casa. E o banco não quer abrir uma conta, não aceita o seu documento. Ficamos com o protocolo por um ano, e como uma pessoa vai ficar por um ano sem comer, sem trabalhar, sem casa?”, denuncia.  Os empecilhos vivenciados no Brasil geram um ciclo vicioso, que limitam o exercício dos direitos mais básicos, como a moradia. “Você procura uma casa e pedem comprovação de renda, fiador, e como você vai comprovar? A renda, querem carteira assinada, mas muitas mulheres trabalham informalmente, trançando cabelo, não tem como comprovar renda”, completa Claudine.

A jornalista congolesa Claudine Shindany Wazime explica aos presentes sobre a República Democrática do Congo.
Crédito: Lya Amanda Rossa

A situação narrada por Claudine é a realidade de muitas migrantes, sendo expressamente previsto o acesso a direitos através da documentação oferecida pelo governo brasileiro como o protocolo de solicitação de refúgio na nova Lei de Migração (art. 19, §3º). Embora o protocolo seja legalmente um documento válido, é um pedaço de papel que se assemelha a uma fotocópia e por essa razão, além do seu desconhecimento, é frequentemente rejeitado em órgãos públicos e empresas privadas. A demora na emissão de documentos, como o Registro Nacional de Estrangeiro (RNE),  que implicam em um longo período com o protocolo também foi protestada no evento. As dificuldades causadas pela documentação, especialmente dos solicitantes de refúgio, vêm sendo debatidas há muitos anos, desde as reuniões preparatórias para a Conferência Nacional de Migrações e Refúgio  (COMIGRAR), realizadas em todo país entre 2013 e 2014.

Apesar das dificuldades, Claudine não perde as esperanças: “Quais são os meus sonhos para o  futuro? Dignidade humana, ter um trabalho decente, ser valorizada, reconhecida. A vocês, meus amigos brasileiros, eu peço, acolham a gente, não só a mulher congolesa, mas todas as africanas que passam por essas situações e sofrem a mesma coisa. As pessoas pensam que fugimos da fome, mas estou aqui porque fui perseguida política e procuramos nosso equilíbrio moral, trabalhar para recuperar o sorriso.”

A vulnerabilidade das mulheres migrantes e refugiadas foi também apontada por Susani, camaronense responsável pelo setor jurídico da ONG África do Coração, que chamou atenção para os três aspectos da saúde: físico, mental e social, que ocorrem não só pelo acesso aos cuidados médicos mas também pela inserção e integração na sociedade. Também foi proposto um minuto de silêncio em memória de Claudine Ntumba, que faleceu em maio passado após queda com seus dois filhos na plataforma da estação de metrô Arthur Alvim, zona leste de São Paulo, em circunstâncias que ainda estão sendo investigadas.

Outras facetas da migração e do refúgio feminino foram apontadas também pela advogada congolesa Hortense Mbuyi. “Quando você é refugiado, você nasce de novo, você é tratado como um bebê. Você não fala a língua, você tem uma identidade, mas sua identidade não é reconhecida. Você tem uma profissão, mas o Brasil não reconhece. No meu país eu era uma advogada, aqui sou uma refugiada”.

A advogada congolesa Hortense Mbuyi fala sobre refúgio no Brasil Crédito: Lya Amanda Rossa

A fala de Hortense aponta outra dificuldade encontradas pelos migrantes e refugiados no Brasil: a revalidação de diplomas e acesso ao ensino superior, elementos importantes para sua integração. A advogada denuncia também o racismo e a xenofobia sofridos no país e que pesam mais sobre as mulheres, que precisam se adaptar também a novos papéis e expectativas de gênero – no Brasil, muitas mulheres refugiadas precisam assumir mais responsabilidades além do espaço doméstico e em geral não têm com quem contar para ajudar nessa tarefa. “As mulheres que tem filhos, qual o valor do salário que você recebe para poder pagar uma pessoa que vai cuidar dos filhos, quanto demoram as vagas para deixar as crianças na escola, como você vai trabalhar? A falta de informação, falta de assistência, a depressão sobe, aumenta o desespero.”

Hortense então chama o público, composto predominantemente por mulheres e crianças, para resistir: “Quando você foge do seu país, é para buscar segurança, ninguém é refugiado no seu país, refúgio é uma questão de tempo. A mulher africana é sempre dependente e a lei do meu país me coloca como um patrimônio dos homens, mas mudamos para um lugar em que a mulher é bem diferente de nós, é livre. Muitas são as dificuldades e muitos são os desejos. Você deixou sua terra e precisa enfrentar todas essas dificuldades. Precisa enfrentar, levantar a cabeça, viver com a fé. Fique forte, tente militar, não fique de boca calada”.

 

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