Por Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
Em Roma (Itália)
Destiny e Beauty, marido e mulher, ambos de origem nigeriana, depois de algum tempo em território italiano, desejam migrar para a França. Como tantos outros, porém, são barrados na fronteira. Ela, doente e grávida, morre ao dar à luz um menino no dia 15 de março/2018. A criança nasce no hospital Sant’Anna di Torino, com apenas 700 gramas, tentando na incubadora agarrar-se à vida com a força de um leão. O pai, Destiny, num inglês difícil de entender, desabafa: “Gostaria de obter a permanência e um trabalho na Itália, porque não quero que me separem do menino. Para ele sonho com um futuro neste país, melhor que o meu. Não quero que viva pela estrada errando e pedindo esmola”.
Nomes, rostos, histórias, sonhos, lutas e sofrimentos reais… Numa palavra, pessoas concretos, de carne e osso. Contam-se aos milhares e milhões os migrantes que batem às portas da Europa. Cansados e abatidos pela travessia, chegam da África, do Oriente Médio ou da Ásia, fugidos da pobreza ou da violência. Sonham com trabalho e teto, pão e paz. Na maioria dos casos, porém, tropeçam com a rigidez e a intolerância de leis cada vez mais anti-migratórias. Indesejados, rechaçados e condenados a deslocar-se de um lado para outro, como errantes sem raiz e sem pátria.
Diante dessas tragédias pessoais e familiares, dois aspectos de ordem política chamam atualmente a atenção no velho continente europeu. Um deles refere-se aos acordos que a União Europeia estabeleceu, primeiro com a Turquia, depois com a Líbia. Em troca de investimentos regulares, esses dois países devem restringir a passagem aos imigrantes. O que quer dizer fechar, respectivamente, a rota balcânica e a rota mediterrânea. O preço dessa política, entretanto, atenta contra os direitos humanos em geral, e contra o direito de ir e vir em particular. Tanto na Turquia quanto na Líbia os imigrantes, além de ser bloqueados, são conduzidos para campos de refugiados ou prófugos cujas condições estão muito aquém da dignidade humana. Em alguns casos pisoteiam sobre os próprios excrementos e alguns acabam sendo disponibilizados como semi-escravos para trabalhos sujos, pesados, perigosos e mal remunerados, quando não recrutados por um ou outro lado de um conflito que não conhece trégua.
Enquanto isso, as autoridades de vários países europeus, de modo especial a Itália, comemoram a redução dos desembarques em suas costas marítimas. A queda chega a 60% ou 70%, com relação aos anos anteriores. Os países vizinhos simplesmente fecham as portas ou limitam-se a cotas mínimas, sempre com a peneira na mão para selecionar os estrangeiros com alguma qualificação profissional. Por outro lado, e de passagem, convém não esquecer que são justamente as nações desenvolvidas do ocidente a produzir e vender as armas que nutrem os conflitos e a guerra aberta nos lugares de origem dos imigrantes – como Síria, Afeganistão, Iraque, Líbia, além de vários países da África subsaariana.
O segundo aspecto tem a ver com a politização das migrações nos processos eleitorais mais ou menos recentes de nações como Áustria, Polônia, Alemanha, França, Itália – para não falar dos Estados Unidos e da vitória de Donald Trump. Politização que, via de regra, é sinônimo de criminalização dos migrantes, não raro misturados e confundidos como invasores, selvagens e até mesmo terroristas. Entra em cena o uso, abuso e instrumentalização do medo que tais “ondas migratórias” representariam para “nossos cidadãos”. Expressões como “crise humanitária” ou “crise migratória” pressupõem o caos e a desordem e, consequentemente, a necessidade de proteger-se. A famigerada ideologia da segurança nacional se sobrepõe a uma “cultura da acolhida e da solidariedade”, para citar as palavras do Papa Francisco. Impõe-se e cresce, em lugar disso, a “globalização da indiferença”, ainda conforme o Pontífice.
Os resultados não poderiam ser diferentes: verifica-se o avanço progressivo da direita anti-migratória quase por todo território do velho continente. Na Itália, por exemplo, nas eleições de 4 de março, obteve o maior número de votos a coalizão de centro-direita, liderada pela Lega de Matteo Salvini, a Forza Itália de Silvio Berlusconi e I Fratelli d’Itália (Irmãos da Itália) de Georgia Meloni. E o Movimento 5 Estrelas (M5S), liderado por Beppe Grillo e Luigi di Maio, foi o campeão das urnas, enquanto partido que disputou o pleito isoladamente.
Os discursos de todas essas lideranças revestem-se de fortes resistências tanto à imigração quanto à moeda única do Euro. Impera, em vez, um nacionalismo populista que hoje em dia se faz notar por outras partes do planeta. Ao lado dos políticos, crescem também os grupos neo-nazistas e neo-fascistas, com atitudes de um racismo crescente. Frente às migrações, prevalece a intransigência e a discriminação, o preconceito e a xenofobia. O mais grave é que se trata de uma voz que encontra não pouca ressonância em meio às populações desinformadas e atemorizadas. Resta o desafio de reverter esse quadro, através de novos canais e instrumentos de participação das forças populares e democráticas.
Roma, 1º de abril de 2018