Não é exagero afirmar que nos tempos atuais, cotidianamente, tropeçamos com os “mil rostos do outro”
Por Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
Em São Paulo
Como ponto de partida, tomemos duas notícias recentes. A primeira vem do continente americano: “Cinco países —Estados Unidos, Honduras, El Salvador, Guatemala e México— estão em alerta com a formação de uma nova caravana de migrantes em Honduras. Sob o lema: “Em Honduras estão nos matando”, a nova convocação que circula nas redes sociais propõe sair na madrugada de terça-feira da catedral de San Pedro Sula, no norte do país. Caso isso não aconteça, será promovida outra marcha de migrantes que sairia cinco dias depois, em 20 de janeiro, de Santa Bárbara, localidade vizinha da cidade hondurenha” (Cfr. Jacobo García El país online, 14/01/2019).
A segunda chega-nos do velho continente europeu: “Na sexta-feira, dia 18 de janeiro de 2019, uma embarcação naufraga a uma distância de 45 milhas das costas de Trípoli, capital da Líbia. De acordo com os únicos três sobreviventes, a embarcação saiu em direção à Europa com 120 ocupantes. Isso significa que 177, incluindo mulheres e crianças, morreram ou estão desaparecidos. Os imigrantes provinham da Nigéria, Gâmbia e Costa do Marfim (Cfr. Correiere dela sera online, 18/01/2019).
Se os países ocidentais tivessem mais acesso às informações do continente asiático, ou se lhes dessem maior importância, certamente teríamos algo parecido, por exemplo, da ilha de Batam, norte da Indonésia. A ilha costuma ser uma espécie de “fronteira de contenção” aos fluxos de imigrantes que, desde as Filipinas, a Malásia e a Indonésia, tentam melhor sorte na Tailândia e sobretudo ao eldorado de Singapura. Por isso, a região é conhecida por seus campos de migrantes, prófugos e refugiados. Não poucos, uma vez retidos na ilha, acabam sendo requisitados periodicamente para o corte de cana na Malásia, ou outras serviços temporários.
Em outras palavras, com as restrições progressivas à migração legal e regular, com as políticas migratórias cada vez mais rígidas e com a elaboração de leis anti-imigração – cresce cada vez mais a pressão dos migrantes “irregulares” sobre as áreas fronteiriças. Com isso, o fenômeno da mobilidade humana em termos globalizados não apenas se torna mais dramático, mas também ganha maior visibilidade. Basta acompanhar diariamente as páginas dos principais jornais, os noticiários televisivos e as redes sociais na galáxia da Internet. Não é exagero afirmar que nos tempos atuais, cotidianamente, tropeçamos com os “mil rostos do outro”.
Esse encontro com o outro/diferente, em sua enorme complexidade e diversificação, tende a ser ambíguo, conflituoso e intrigante. Por vezes, ele nos aparece como um problema, um risco ou uma ameaça, o que leva ao medo e ao isolamento. No limite, fechamos o coração, a porta e a fronteira, dando vazão ao nacionalismo populista. Os políticos de todo o mundo manipulam e instrumentalizam esse clima de pânico para subir os degraus do poder. Outras vezes, prevalece a atitude de abertura e de acolhida, no diálogo e na da defesa dos direitos do migrantes: direito de ir-e-vir, por um lado, o qual deve corresponder, por outro lado, ao direito de ficar e viver com dignidade na própria pátria.
Em ambos os casos, porém, não é difícil encontrar contradições. Enquanto o “não” ao recém-chegado tende a negar a possibilidade de oportunidades iguais para todos os seres humanos, o “sim” pode tirar o migrante de um tipo de pobreza ou violência, somente para jogá-lo num trabalho de semiescravidão, patrocinado pelas empresas e aglomerados transnacionais, quando não expô-lo ao recrutamento do tráfico internacional e da exploração sexual. Convém não esquecer que, na correlação de forças capital versus trabalho, quanto maior o número de trabalhadores disputando as migalhas pelos escassos empregos, mais baixos os salários e mais altos os lucros. Se é verdade que o migrante faz os serviços mais duros, sujos e perigosos, normalmente recusados por todos, também é certo que tal recusa tem a ver com o nível salarial e as condições gerais de vida criadas justamente pelo afluxo crescente de estrangeiros. Gera-se um círculo vicioso. O que fazer então? Em termos de análise, emerge a necessidade de substituir os “chavões” – tanto de direita quanto de esquerda – para ater-se rigorosamente aos fatos e suas implicações reais.