O filme se repetiu no mar Mediterrâneo no final de semana. No domingo (26), mais de 60 migrantes morreram após o naufrágio de uma embarcação na costa sul da Itália, na região da Calábria. O novo naufrágio ocorreu um dia após a aprovação de uma lei na Itália que dificulta o socorro a sobreviventes por ONGs.
Estima-se que o barco transportava ao menos 170 pessoas e tinha saído da Turquia três ou quatro dias antes. De acordo com autoridades italianas, elas eram originárias do Afeganistão, Paquistão, Irã e Somália. No entanto, agências de notícias estimam que o número total de vítimas ainda pode subir.
“É um cenário que você nunca gostaria de ver em sua vida, uma visão horrível, que fica com você por toda a sua vida”, disse Antônio Ceraso, prefeito de Cutro, município na Calábria onde os corpos foram encontrados, em entrevista a um canal de TV italiano.
Um homem de nacionalidade turca foi preso acusado de ser responsável pelo transporte irregular de imigrantes e tráfico humano, de acordo com a agência de notícias italiana Ansa.
Segundo sobreviventes ouvidos pelo jornal italiano “Corriere Della Sera”, vinte pessoas foram lançadas do barco ao mar pelos contrabandistas, para diminuir o peso e fugir da guarda costeira. Pouco depois, a embarcação bateu contra rochas e afundou. Poucos tinham colete salva-vidas.
“Rezo por cada um deles, pelos desaparecidos e pelos outros migrantes sobreviventes. Agradeço aos que levaram ajuda e aos que estão dando acolhida. Que Nossa Senhora ampare estes nossos irmãos e irmãs”, disse o Papa Francisco ao comentar a tragédia, ainda no domingo.
Cobrança contra novas mortes
A nova tragédia no Mediterrâneo motivou uma nova troca de acusações entre governos europeus sobre a quem compete a governança das migrações no continente.
Em comunicado, o presidente da Itália, Sergio Mattarella, afirmou se tratar de “mais uma tragédia mediterrânea que não pode deixar ninguém indiferente”. Ele ainda disse ser “essencial” que a União Europeia (UE) “assuma finalmente a responsabilidade concreta de governar o fenômeno migratório”.
Enquanto isso, agências internacionais cobraram medidas efetivas para que se evitem novas mortes.
“Eu digo mais uma vez: toda pessoa buscando uma vida melhor merece segurança e dignidade. Nós precisamos de rotas seguras e legais para migrantes e refugiados”, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres.
Oo posicionamento das Nações Unidas foi reforçado pelo alto comissário para Refugiados, Filippo Grandi. “Nós lamentamos e nos solidarizamos com os sobreviventes. É hora de os Estados pararem de discutir e acordarem medidas justas, efetivas e compartilhadas para evitar mais tragédias”.
Por outro lado, organizações que atuam no socorro a migrantes no Mediterrâneo subiram o tom e lembraram a lei aprovada pela Itália na véspera do naufrágio.
“Não é uma tragédia, é o resultado de decisões políticas. Qualquer um que expresse suas condolências hoje, depois de impor uma lei na Itália que impede as operações de resgate no mar, não tem respeito pela vida dessas pessoas vulneráveis”, escreveu a ONG Open Arms por meio do Twitter.
Em um tom mais comedido, a Médicos Sem Fronteiras disse que o combate à migração irregular não pode ser coonfundido com o resgate no mar.
“Precisamos de patrulhas proativas no mar e atividades coordenadas entre atores governamentais e não governamentais”, disse Marco Bertotto, diretor de programas da instituição na Itália.
Travessia mortífera
Entrar na Europa para muitos migrantes é como uma loteria, na qual o preço a ser pago pode ser a própria vida. Especialmente se o caminho passar pelo mar Mediterrâneo,
O Projeto de Migrantes Desaparecidos (Missing Migrants Project), da OIM, relata que, só nos dois primeiros meses deste ano, 327 pessoas morreram ou desapareceram ao longo da rota do Mediterrâneo central. No ano passado foram 2.406 vítimas.
Em todo o Mediterrâneo já morreram mais de 26 mil pessoas desde que o projeto foi iniciado, em 2014. O dado representa quase metade das mais de 53 mil vidas perdidas já contabilizadas em travessias mundo afora.
No entanto, a OIM estima que o número real de pessoas que perderam a vida em travessias migratórias seja ainda maior. Isso porque há os chamados “naufrágios invisíveis”, casos em que barcos inteiros são perdidos no mar sem qualquer operação de busca e salvamento em andamento.