Anteprojeto elaborado por comissão de especialistas muda espírito da lei atual e dá chance para o Brasil assumir protagonismo por uma migração mais humana
Por Rodrigo Borges Delfim e Lys Ribeiro, do Brasil no Mundo
A questão dos fluxos migratórios para o Brasil tem sido bastante pautada atualmente na mídia e sociedade, principalmente após a questão do deslocamento de migrantes haitianos do Acre para São Paulo – e a subsequente troca de farpas entre os dois entes federativos.
Mas não é de hoje que organizações sociais, migrantes e funcionários do poder público lidam com a falta de estrutura e legislação adequadas para acolher satisfatoriamente aqueles que chegam em busca de uma vida mais digna. A lista de absurdos não é pequena, mas pode-se destacar o trabalho sub-remunerado e em condições degradantes, e a discriminação e preconceito originados de grupos da sociedade civil brasileira. Isso após, em muitos casos, os migrantes terem chegado ao país por meio da ação de coiotes e caminhos tortuosos.
Tal contexto, somado à maior presença e peso do Brasil no cenário internacional e ao fato de ser um país de origem, trânsito e destino de fluxos migratórios, tornam urgente a adoção de uma lei migratória abrangente e humanista que esteja apta a lidar com essa dinâmica.
Composta por André de Carvalho Ramos, Aurélio Veiga Rios, Clèmerson Merlin Clève, Deisy de Freitas Lima Ventura, João Guilherme Lima Granja Xavier da Silva, José Luis Bolzan de Morais, Paulo Abrão, Pedro de Abreu Dallari, Rossana Rocha Reis, Tarciso Dal Maso Jardim e Vanessa Oliveira Berner, a Comissão de Especialistas nomeada pelo Ministério da Justiça compôs um anteprojeto de lei de migrações, através de escuta e a ampla participação da sociedade brasileira.
O anteprojeto tem como espírito romper radicalmente com o paradigma vigente na legislação atual, começando pela eliminação do nome “Estatuto do Estrangeiro”. Não apenas no título, ao longo do texto do Anteprojeto a palavra ‘estrangeiro’ foi substituída por ‘migrante’. Em vez de limitar ou restringir, a essência da lei é a da migração como um direito humano, e não como um crime (as pessoas se movem atrás de melhores condições de vida), e de que as migrações existem independente da ação do Estado, cabendo a este dar condições aos migrantes para que se regularizem.
Dentre outras contribuições, o anteprojeto propõe a criação de uma autoridade migratória civil para desburocratizar a regulação migratória no país e uma legislação migratória em conformidade com os Direitos Humanos, garantindo, assim, um tratamento à altura dos desafios atuais que, inclusive, não competem apenas ao Brasil, visto que os fluxos migratórios no sentido Sul/Sul já se equiparam aqueles de carácter Norte/Sul.
No anteprojeto, foram ainda eliminados do vocabulário termos como “risco” e “segurança nacional”, ao mesmo tempo em que foram incorporados termos dos direitos humanos e do Direito Internacional Humanitário, além da preocupação de adequar o projeto à Constituição Federal e contemplar situações especiais – como as pessoas que vivem em regiões de fronteira.
Com o Anteprojeto, o Brasil cria condições não apenas de romper com o paradigma securitário e retrógrado atual, mas também pode se colocar na vanguarda de propor uma leitura mais humana das migrações no mundo – em um contexto no qual diversos países têm optado pelo caminho inverso e criado maiores e mais severas restrições aos fluxos de pessoas.
A versão final do Anteprojeto de Lei de Migrações e Promoção dos Direitos dos Migrantes no Brasil, já acrescida das sugestões e ajustes propostos por meio do debate junto à sociedade, pode ser acessada por meio deste link.
Texto elaborado em parceria com o portal Brasil no Mundo
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