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terça-feira, outubro 29, 2024

Novos estudos reforçam necessidade de políticas públicas para atender venezuelanos no Brasil

Por Dolores Guerra e Rodrigo Borges Delfim

Estudos recentes elaborados por universidades e institutos de pesquisa do Brasil e do exterior trouxeram novos elementos para reforçar uma necessidadae latente: a elaboração de políticas públicas capazes de atender especificamente os migrantes venezuelanos, que representam o principal fluxo migratório no país na atualidade.

Um dos relatórios destacou a permanência da emergência humanitária em Roraima, estado brasileiro fronteiriço à Venezuela e porta de entrada para os migrantes que chegam por terra. E que tal situação demanda uma série de ações por parte do poder público e da sociedade civil.

Outra pesquisa teve como foco a saúde reprodutiva e sexual das mulheres venezuelanas no Brasil, que mostrou a dificuldade que elas enfrentam no acesso a itens básicos de planejamento familiar, como preservativos, bem como a assistência a gestantes e puérperas.

Emergência humanitária

O relatório “Fronteira em Crise: uma Avaliação da Situação Migratória em Roraima”, visa alertar as autoridades brasileiras e a sociedade civil de maneira geral para as necessidades que decorrem da resiliência do fluxo de deslocados naquela região do país. Além disso, também chama a atenção para outra crise humanitária em curso no estado, vivenciada pela população indígena Yanomami.

A elaboração do estudo, desenvolvido entre o final de janeiro e o começo de fevereiro deste ano, ficou por conta do Núcleo de Estudos de Pesquisa em Direito Internacional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Nepedi-Uerj) em parceria com a Universidade Federal de Roraima (UFRR).

“Este relatório não tem viés crítico. Trata-se de documento descritivo que busca contribuir para o enfrentamento dos desafios pelo novo governo”, disse o professor titular de Direito Internacional Público da Uerj e coordenador do Nepedi, Raphael Carvalho de Vasconcelos.

Entre outros pontos do estudo, o especialista também chamou a atenção para a questão da interiorização dos venezuelanos, com atenção especial aos povos indígenas que vêm do país vizinho.

“Porque essa interiorização pode representar um risco realmente muito grande de o Brasil cometer algum tipo de violação de direitos humanos. Ao promover a interiorização de uma etnia, a gente pode contribuir para que ela entre em um processo de extinção e isso pode ser feito de uma forma sistemática não intencional”, avaliou.

Com base nessas informações, o relatório propõe uma série de ações para uma acolhida mais apropriada, com políticas públicas alinhadas ao direito internacional com ênfase nos direitos humanos.

Saúde reprodutiva

Já o estudo “Redressing Gendered Health Inequalities of Displaced Women and Girls” (ReGHID), realizado em parceria com a Fiocruz, Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e University of Southampton (Inglaterra), é um projeto interdisciplinar e multicêntrico que visa enriquecer a “construção de novos conhecimentos evidências sobre os desafios relacionados aos direitos à saúde sexual e reprodutiva enfrentados por mulheres e adolescentes em situações de deslocamento forçado prolongado na América Central e do Sul”.

A pesquisa foi realizada entre 2020 e 2023 na cidade fronteiriça de Pacaraima (RR) e nas capitais Boa Vista (RR), Manaus (AM) e São Luís (MA), e é composta por três frentes. A primeira é baseada em entrevistas e observação de  172 mulheres entre 15 e 49 anos que chegaram ao Brasil entre 2018 e 2021 e 74 gestores, profissionais de saúde e agentes de instituições governamentais e não governamentais que trabalham com o tema migratório vinculado à saúde.

Já a segunda frente recolheu dados de 2.012 mulheres visando compreender “o processo migratório e avaliar os impactos da migração forçada sobre a saúde sexual e reprodutiva das mulheres venezuelanas”. Por último, como forma de “conhecer e comparar a atenção ao parto e as características obstétricas, assim como os desfechos clínicos entre as puérperas brasileiras e venezuelanas”, 575 mulheres brasileiras e 315 venezuelanas que deram à luz entre junho e novembro de 2022 foram entrevistadas.

Entre as migrantes venezuelanas, 40% tem dois ou três filhos e 16%, quatro ou mais. As taxas de fecundidade são consideradas altas, o que é prejudicial também do ponto de vista financeiro, já que, além de precisarem alimentar e cuidar de muitas crianças, essas mulheres acabam impedidas de trabalhar porque precisam ficar com os filhos. Quase 80% das migrantes vivem com menos de um salário mínimo. Uma das recomendações feitas pela pesquisa é a disponibilidade de creches e escolas para as crianças e adolescentes venezuelanas.

Além de acesso a preservativos, tratamento de infecções sexualmente transmissíveis e pré-natal, as migrantes ouvidas pela pesquisa mencionaram a necessidade de obter informação sobre planejamento familiar e métodos contraceptivos, em particular do DIU (Dispositivo Intrauterino), ligadura de trompas, injeções e pílulas. Quanto às adolescentes sem vida sexual ativa, estas apontavam a necessidade de “espaços e profissionais que gerem confiança e transmitam informações adequadas, sem vieses morais e religiosos”. O acesso ao exame preventivo  pelo SUS e, consequentemente, a testes de rastreamento de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) é registrado no relato das entrevistadas.

“O acesso aos métodos contraceptivos das venezuelanas após a chegada ao Brasil se deu principalmente pelos serviços públicos de saúde, mas muitas ainda compram, apesar da carência de recursos. Isso quer dizer que, apesar da oferta, não há facilidade para essas mulheres encontrarem os métodos que são oferecidos gratuitamente. Há alguma barreira no acesso aos métodos e isso precisa ser resolvido”, afirmou, em nota, a coordenadora da pesquisa na Ensp/Fiocruz, Maria do Carmo Leal.

Ainda que mais de 70% das venezuelanas declararam que seu estado de saúde fosse bom ou muito bom, sua utilização do sistema de saúde dobra em relação às mulheres brasileiras de mesma idade e região. As que se declaram mais debilitadas são as que sofreram violência na jornada migratória e aquelas que deixaram seus filhos no país natal.

A pesquisa conduzida por instituições brasileiras e britânicas contou ainda com um desdobramento que gerou o documentário “Seguir Adiante”, que ilustrou os desafios no cuidado à saúde das mulheres venezuelanas. A produção foi lançada ao longo do mês de março em eventos em Manaus e Brasília e está concorrendo a festivais nacionais e internacionais.

Trailer do documentário Salir Adelante

Com informações da Agência Brasil e Agência Fiocruz

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