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terça-feira, abril 23, 2024

Núcleo partidário, cidadania ativa e emigração brasileira

Por Flávio Carvalho

“Eu vou à luta com essa juventude, que não está na saudade e constroi a manha desejada” Gonzaguinha.

O PT é o partido político com maior número de filiados no mundo ocidental, evidentemente pelas dimensões continentais do Brasil. O Partido dos Trabalhadores é também o que mais possui núcleos orgânicos no exterior. Evidência e causalidade. O PT tem se dedicado desde muitas décadas a cuidar da sua estrutura orgânica. Há que cuidar muito da organicidade estrutural da sua militância. Por isto, se constitui de esferas diversas: tanto temáticas, setoriais; quanto espaços de debate territorial, municipais, regionais. E internacionais. Neste último, nos incluímos. De aquí nasce este texto, em forma de reflexão, sobre o ativismo por justiça social no exterior.

Que papel desempenham estes núcleos na defesa e promoção dos direitos (não somente os direitos políticos, importantíssimos) das comunidades de pessoas brasileiras emigradas? Como se relacionam com as demais formas organizativas, dialogando com outros processos coletivos em cada país, incluindo outros partidos políticos do campo democrático e popular – antifascistas? Quais os impulsos objetivos em relação ao quarto governo do Partido dos Trabalhadores? Porque as alianças estratégicas entre países (como Brasil e Espanha) podem significar novos vínculos da luta contra o fascismo e de promoção da cidadania como um valor universal?

Isso, no mínimo, ajuda a visualizar contradições, idiossincrasias e impasses no que está matando pessoas, famílias, crianças, por exemplo, agora mesmo, desesperadas na travessia do Mar Mediterrâneo. O que aproxima Meloni, na Itália, com o atual ministro da justiça do governo socialista de Pedro Sánchez, na Espanha? O que isso tem a ver com nossas vidas e ativismo político? Tudo!

O conceito de cidadania deve ser, para mim (desde a noçao definida e justificada, faz séculos, pelo pensador italiano Scalabrini), melhor utilizada como Cidadania Universal. Confirma que o exercício dos direitos e deveres (a base da cidadania moderna) acompanha cada pessoa migrante: não é algo que se perde ao cruzar fronteiras. Cidadania não é um casaco que eu deixei no Brasil. Veio comigo, com tudo. Pelo contrário, a Cidadania potencializa-se, na maioria das vezes. É deste último ponto que pretendo tratar. Porque este é o direito básico (Direitos Civis, Sociais e Políticos) que primeiro nos negam, ao migrar.

“A cidadania universal está baseada na universalidade dos direitos fundamentais e no pressuposto de que os Estados não podem discriminar as pessoas com base na nacionalidade. Restringir o direito do imigrante a lutar por direitos e se associar com outras pessoas para fazê-lo é negar a condição humana, da qual a política é inerente” (Flavia Piovesan e Luigi Ferrajoli, oestrangeiro.org).

Este debate necessário, carregado de oportunidades e não isento de polêmicas (pois política é a vida), tem se acentuado em vários países. Não serei hipócrita ao abordar estes temas. O pensamento livre aceita riscos e desafios. Não podemos negar que o exercício do ativismo partidário necessita enfrentar desafios que as pessoas que se dizem neutras não se arriscam a dor e a delícia de ser o que são. Assim como não basta dizer-se antirracista, é preciso atuar. Nao é suficiente, para mim, ser um ativista político, se por passivo ou por omisso eu não contribuo a democratizar a política que determina o preço da comida que eu compro para os meus filhos. Qualquer oportunidade pra mim serve pra isso. Porque eu não aproveitaria um espaço político de debate fluido, do único partido de esquerda que se constituiu como Núcleo orgânico em Barcelona, pra falar do Brasil, do Meu País?

Por outro lado, navegar é preciso.

Todos sabemos de Núcleos em crise, em disputas estéreis nem se sabe o porquê – até que chega alguém novo e pergunta, pergunta de criança (Por quê?). E ninguém sabe a gênese de determinadas desavenças, porque seguem os diálogos em grego e troiano (que no fundo querem o mesmo, mas não falam no mesmo idioma). Os digo em bom português.

Todos sabemos que a Secretaria de Relaçoes Internacionais do PT (digo eu, em meu nome próprio) deve ser o organismo responsável por apoiar o debate nos Núcleos – sem jamais querer engessar, como de fato não o faz e não é. É a SRI quem deve vincular-nos, partido, até mesmo à crítica interna (e Necessária; é preciso que se diga?) às centenas de açoes de governo que se estabelecem a cada dia, num país gigante como o nosso. “É preciso estar atento e forte; não temos tempo de temer a morte”.

Todos sabemos que governo é governo e partido é partido. Que Estado é mais que Governo. Que governar é muito menos que ter a hegemonia. Necessitamos ler Gramsci mais do que nunca. Que o poder político só necessita ao povo ser devolvido. Nisso aprendemos, em todos esses anos de governo do PT. E se não aprendemos, repito: “não temos tempo a perder”. Tempo pra ler, dialogar, debater, conversar, Sim. Sempre.

Em Barcelona, o Núcleo do PT está em considerável processo de expansão, ao mesmo tempo em que revisita sua própria história, com orgulho. Nao se perde em ingenuidades. Exercita o planejamento estratégico participativo. Sem medo de ser feliz.

Foi nos anos noventa, dedicando-me à muita leitura analítica sobre o Anarquimo Libertário, que abri os olhos sobre o fluxo natural do meu rio de participaçao política que desaguava, naturalmente, num mar de pessoas que pensavam ou queriam coisas iguais ou parecidas ao que eu queria. Esse mar era um partido, o mais diverso que eu havia conhecido até então. Não perdi tempo. Filiei-me.

Eu jamais me submeti ao PT, nem a dogmas. Eu sempre senti que o partido era meu e que eu sou o principal responsável em incentivar o percurso rumo ao que eu escuto, deglutino, incentivo, provoco, crio, recrio, aceito, converso, discordo, concordo, luto… Essa é a vida orgânica que um partido deve nos proporcionar. É por issso que aqui me encontro. Seguirei enquanto assim for.

Neste debate, perceberemos a dinâmica que se desenvolve em outras localidades, tentaremos responder coletivamente algumas questões e nos dedicaremos a compreender a dinâmica própria do mais novo movimento social brasileiro: o protagonismo ativo da sua emigração.

Teresa Sales, no livro Brasileiros longe de casa, abriu os meus olhos. Não há movimento social mais recente e mais em processo de desenvolvimento no Brasil do que o fenômeno dos brasileiros que saem do país em busca de melhoria nas suas condiçoes de vida, mas que trazem o país na sua essência dentro de cada um de nós. Podemos ser seis ou sete ou dez ou mais milhões (nunca contados como merecemos!). Isso é mais que determinados Estados da Federaçao brasileira.

Para isto, nosso novo governo está se movendo. Até já designou uma pessoa no Ministério da Justiça, um especialista em migraçoes e ativista junto conosco (chama-se Paulo Illes), para repensar esta estrutura relativa às migraçoes – em geral. Isso é um fato inédito, devemos ressaltar, sem esquecer que uma das primeiras medidas do anterior governo, fascista, foi extinguir todos (!) os conselhos. Incluindo o nosso CRBE. E ainda assim houve gente, dentro do próprio CRBE que vazajatou e apoiou o governo que acabou com o CRBE. Eu não estou aqui para não dizer o que penso e que penso que eu sei. Todo diálogo deve ser embasado em franqueza. Avancemos.

Qual o papel dos Conselhos de participação cidadä? Fomos nós, ativistas em rede, que mudamos a estrutura do que antes eram os Conselhos de Cidadãos dentro dos consulados, indicados a dedo pelo diplomata de turno. Agora são eleições diretas, para o Conselho de Cidadania. E muito ainda temos por avançar. Nem vou aqui abrir o debate sobre o que necessitamos repensar na política internacional brasileira, incorporando o conceito crescente de Diplomacia Pública, reorganizando o atendimento consular, trazendo nossa experiência diária para dentro dos acordos bilaterais e multilaterais, etc.

Como fazer a complementariedade necessária entre democracia participativa e democracia representativa, desse exercício de – em todos os espaços de Conselhos – Fomentar a participaçao política? Sim; Política com P maiúsculo, pois política é vida; e não somente em âmbito partidário, que é somente um bom complemento.

E se, dos erros e autocríticas aprendemos, na minha opiniao, não se deve dar salto maior que a perna.

Pensar em parlamentares brasileiros eleitos no exterior. Como já faz, desde muitos anos, a Itália, e se debate no Uruguai, na Argentina e em muitos países. Sim. Claro que sim. Mas assim como não existirá CRBE autônomo se não houver conferências de Brasileiros no Mundo (não somente no Palácio do Itamaraty, mas precedidos de debates em cada país!), não se deve deixar de investir na participação de brasileiros carregados tanto de experiência e militância quanto de malas de viagem, em cada associação africana, japonesa ou europeia.

É aqui, em Barcelona (não somente ficar pensando no meu passado em Olinda, mas aqui viver a minha nova vida, mais olindense do que nunca), que eu ajudei a criar o Coletivo Brasil Catalunya. Foi aqui que me encontrei com outras frentes de luta e alegria. Que entrei para o Comitê de Apoio ao MST, que ajudo cada dia a expandir a Fibra – Frente Internacional Brasileira, que ingressei no Marx21 e Unidade Contra o Racismo e o Fascismo, que frequentei assembleias das CUPs, Candidaturas de Unidade Popular, que fiz-me Presidente da Associaçao Amigos do Brasil, da Associação de Promoção da Cultura Brasileira, mas não somente “no gueto”. Aprendi a lutar pelos recursos públicos locais (como as subvençoes para associaçoes de imigrantes junto à Prefeitura de Barcelona), até mais do que ficar brigando (como jamais deixarei de brigar) para que o Ministério da Cultura do meu país, por exemplo, apoie os Pontos de Cultura no Exterior.

São tantos desafios quanto eu jamais mentirei que essas lutas me animam, me enchem de novas amizades e reacendem e atualizam minha paixão (pela vida, principalmente). Não são demais. São suficientes. E, por isso, as recomendo.

Precisamos falar de saudade e de amor, tanto quanto do preço de um passaporte novo.

De que forma retomaremos o diálogo institucional sancionado por Decreto Presidencial do Lula, assumido veementemente pela Dilma, e que ampliou os diversos conselhos existentes no Brasil (de Educaçao, de Saúde, etc) para termos também o nosso Conselho de Emigrantes, o nosso CRBE?

Como reforçar o papel da unidade na diversidade, sendo cada comum-unidade de brasileiros numa grande cidade europeia, como um “Brasil em miniatura”, com o desafio de juntar quem no imenso no Brasil seria até “injuntável”? Núcleos, associações, redes, ONGs, parlamentos, projetos socioculturais: transnacionalidade, enfim. Sem deixar de ser brasileiro, e até me sentindo mais brasileiro a cada dia, sou cidadão do mundo, sim – também nas lutas. A boa e velha solidariedade internacional me alimenta. Faz bem e eu gosto muito.

O mundo é nosso. Eu sou o mundo em mim. Eu sou o Brasil em mim.

Sobre o autor

Flavio Carvalho participa do Núcleo PT Barcelona desde 2007. É sociólogo, escritor, ex-vice-presidente do Conselho de Representante dos Brasileiros no Exterior, um dos fundadores da Rede de Brasileiros no Exterior, ex-consultor da UNESCO, da OIM e do Governo Lula (MDA e MinC). Ex-assessor parlamentar do PT, da Rede Nacional de Educadores da CUT (Secretaria Nacional de Formaçao, SNF), atuou como Educador Popular no MST-PE, e está filiado ao Partido dos Trabalhadores na cidade de Olinda, Pernambuco, desde 1991.

1 COMENTÁRIO

  1. […] (assistam às lives promovidas pelo Núcleo do PT em Barcelona ou leiam texto anterior publicado no Migramundo.org). Nosso empenho colabora com a possibilidade de detectar um novo momento na militância brasileira […]

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