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domingo, outubro 13, 2024

O direito de ficar coresponde ao direito de migrar

Para que as migrações sejam movimentos livres e não obrigatórios, como profetiza o Papa Francisco, três ordens de desafios emergem com força: na origem, no trânsito e no destino

A mensagem do Papa Francisco para o 109º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado (24 de setembro de 2023) – Livres de escolher se migrar ou ficar – recorda-nos que o direito de permanecer na terra que nos viu nascer e onde enterramos nossos antepassados corresponde ao direito de deixar a própria região e/ou país. Sair ou ficar constituem duas faces da mesma moeda. Duas formas distintas, mas complementares, de lutar por um futuro mais promissor.

Em outras palavras, o ato de migrar deveria ser uma decisão pessoal/familiar tomada livremente, não condicionada seja por violência étnico-religiosa ou político-ideológica, seja por fatores de natureza social e econômica.

O que torna os deslocamentos humanos compulsórios, na grande maioria dos casos, tem a ver com as graves e profundas assimetrias entre regiões e países de todo planeta. A concentração de renda e de riqueza, por um lado, a exclusão e o descarte de multidões, por outro, cria desigualdades abissais entre povos e nações. Dessa forma, agrava-se sempre mais o desequilíbrio entre o pico e a base da pirâmide social internacional, em que um punhado de milionários e bilionários usufrui praticamente da metade da riqueza mundial. A economia globalizada, viciada estrutural e historicamente pelo motor do lucro e da acumulação do capital, conduz tais assimetrias a extremos opostos, como nos vem lembrando o economista francês Thomas Pikety, em seus recentes estudos sobre a desigualdade em nível geral.

Ao lado dessa concentração crescente dos bens, a violência em suas mais diversas formas constitui também um pano de fundo para a mobilidade humana forçada. Vê-se isso quase todos os dias pelas telas e telinhas, através de imagens e notícias sobre as tensões latentes ou conflitos abertos que hoje se multiplicam por toda parte, com roupagem étnica, religiosa, política, criminosa ou ideológica. Prova disso são países como Síria e Líbia, Ucrânia e Afeganistão, Venezuela e Myanmar, Sudão do Sul e México, Turquia e Moçambique, entre tantos outros países marcados por milhares e até milhões de vítimas e de fugitivos. Neste caso, referimo-nos aos refugiados, lembrando que atualmente já se contam às dezenas de milhões os que buscam refúgio devido às catástrofes climáticas (tornados, estiagens, inundações, furacões, etc.).

Origem, trânsito e destino

Para que as migrações sejam movimentos livres e não obrigatórios, como profetiza o Pontífice, três ordens de desafios emergem com força: na origem, no trânsito e no destino.

Quanto à origem, não poucos países pobres e endividados sofreram ao longo do tempo invasões e saques históricos pelo sistema de colonização. O seu subdesenvolvimento é a contraface da riqueza acumulada pelas metrópoles colonizadoras. Isso leva à necessidade de um resgate por parte dos países ricos. Esse investimento deve ser coordenado por organismos internacionais como a ONU, caso contrário a “indenização” pode cair nas mãos de governos corruptos ou em permanentes conflitos internos ou vizinhos, acabando por financiar armamentos que só vão piorar as coisas. Todo o investimento deve promover condições de vida que permitam uma permanência com dignidade, tais como oportunidades de trabalho, educação, saúde, etc.

Nos países de trânsito, é necessário facilitar visto de passagem para quem viu-se forçado a sair às pressas. Não podendo adquirir a documentação devida no próprio país, torna-se urgente e necessário abrir corredores humanitários, bem como abrigos seguros para que os refugiados de maneira particular tenham possibilidade de recomeçar a própria vida. O refugiado é aquele que teve sua vida interrompida pela violência. Não pode retornar ao país de origem. Atrás está a perseguição, o cárcere ou até mesmo a morte. Daí que os corredores humanitários devem ser vias protegidas para que ele possa reerguer a cabeça e seguir adiante. Além disso, hoje não faz sentido desconhecer os refugiados climáticos, atirados à estrada por catástrofes cada vez menos “naturais”, e sim provocadas pela ação da economia sobre a natureza.

Nos países de destino, finalmente, a acolhida humanizada permanece sendo a mais imediata ação solidária aos migrantes e refugiados. Faz-se necessário uma série de serviços, a curto médio e longo prazo. Entre esses, destacam-se as casas de abrigo temporário, a documentação, as oficinas em vistas do mercado de trabalho, a aprendizagem da língua; moradia, saúde, escola para as crianças… Enfim, trata-se de reinserir a pessoa e/ou família em uma nova sociedade. Para além do socorro imediato, persiste o desafio de pressionar para mudanças reais e significativas na legislação migratória dos países de chegada, de criar mecanismos de participação do migrante na história do novo país, de resgatar suas expressões culturais e religiosas?

Sobre o autor

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, é vice-presidente do SPM (Serviço Pastoral dos Migrantes)

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