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terça-feira, outubro 15, 2024

O jogo complexo das causas migratórias

Será possível separar de forma tão nítida a fronteira entre os tipos de fatores que levam ao deslocamento compulsório, violência, pobreza e condições climáticas?

Por Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
Em Roma (Itália)

Frequentemente as pessoas envolvidas nos deslocamentos humanos de massa são classificadas como refugiados e prófugos, de um lado, e migrantes socioeconômicos, de outro. Enquanto os primeiros seriam fugitivos da violência, seja esta de ordem política, ideológica ou religiosa, os segundos procuram escapar de condições de vida adversas, como pobreza, miséria e fome, buscando um futuro mais promissor. Uns, como vítimas de guerras e conflitos, teriam direito à proteção e refúgio por parte do ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados), os outros migrariam por própria conta e risco, vale dizer “livremente”. Convém não esquecer, de início, que o direito de ir e vir é correspondente ao direito a permanecer no próprio país.

Nas últimas décadas, os especialistas no assunto vieram acrescentado uma espécie de terceiro grupo denominado refugiados ou migrantes “climáticos”. Constituem os que, devido às catástrofes ambientais, são forçados à migração. Fogem, por exemplo, de furacões, secas prolongadas, tufões, inundações. Tsunamis, entre outros desastres. Aqui não faltam a polêmica e as divergências: enquanto para alguns tais eventos são definidos pura e simplesmente como catástrofes naturais, outros garantem que eles, embora “naturais”, vêm sofrendo um progressivo e sistemático processo de agravamento, devido à ação humana sobre a natureza e o meio ambiente. O exemplo mais comum e recorrente desta disputa é justamente o aquecimento global.

A esta altura cabem algumas perguntas. Será possível separar de forma tão nítida a fronteira entre os três tipos de fatores que levam ao deslocamento compulsório, violência, pobreza e condições climáticas? Não estarão todos eles tão entrelaçados e entrecruzados que acabam por reforçar-se um ao outro? Ao contrário de uma clara distinção, não haverá em lugar disso uma recíproca determinação?

Refugiados somalis seguem em direção à fronteira com o Quênia.
Crédito OIM

Cabem também alguns comentários às perguntas. Quantas vezes a seca e suas consequências, embora apareça como causa imediata da partida, esconde outras causas remotas, como o aquecimento global, a pobreza crônica ou uma desigual distribuição de terras. O mesmo se pode dizer da inundação. À causa visível sobrepõem-se motivações ligadas à condição social e econômica de quem se vê obrigado a construir sua habitação em lugares inóspitos, devido à especulação imobiliária. Nos dois casos, a seca e a inundação marcam a hora da partida, mas não podem ser consideradas como causa estrutural da migração.

De outro lado, a violência e os conflitos armados, mesmo coberto de vestes religiosas, às vezes têm por alvo determinados grupos políticos que se opõem à ordem vigente. A política, por sua vez, tende a salvar o status quo dos setores privilegiados, em detrimento das populações marginalizadas. Em ambas as situações, o resultado será quase sempre a perseguição e o abandono, seguidos de um deslocamento massivo dos opositores ou dos mais fracos e indefesos. “A justiça, como as serpentes, só morde os descalços”, dizia o escritor e poeta uruguaio Eduardo Galeano.

Outras vezes, pressionados por injustiças históricas e/ou pela discrepância social, grupos inteiros se levantam, se organizam, se rebelam e se mobilizam contra o Estado. Com isso, facilmente tornam-se indesejados e perseguidos pelos governos e as forças da ordem. Podem ser verdadeiras nações sem território, hóspedes ou vizinhos indesejados de Estados militarmente poderosos, como os palestinos e os curdos, respectivamente ao lado de Israel, da Turquia e do Iraque. Para os que se destacam na resistência, restar-lhes-á pouca alternativa a não ser a prisão, a morte ou uma viagem sem retorno. A pobreza e a falta de autonomia encontram-se na origem de não poucos conflitos e, no extremo, por movimentos de massa no interior da África e da Ásia. “O desenvolvimento é o novo nome da paz”, alertava em 1967 o então Papa Paulo VI na Carta Encíclica Popolorum Progressio.

A conclusão é que, não raro, um migrante, uma família ou um grupo de pessoas se põem a caminho por motivos simultaneamente políticos, socioeconômicos e climáticos. Mais do que distinguir-se uns dos outros, os fatores de expulsão tendem a convergir sobre determinados grupos: etnicamente minoritários, socialmente rebeldes, historicamente estigmatizados… e assim por diante.

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