Mais do que nunca, os Dreamers deverão organizar-se para garantir que a sociedade civil nos EUA entenda suas preocupações e as comunique junto com eles aos seus congressistas, criando pressão para atuação favorável do Congresso
Por Carolina Van Moorsel*
Em Chicago (EUA)
A Ação Diferida para Chegadas na Infância (Deferred Action for Childhood Arrivals – DACA) é um programa criado nos Estados Unidos pelo então presidente Barack Obama em 2012 por meio de um decreto-lei. O programa beneficiava certos indivíduos nascidos após 16 de junho de 1981, que entraram nos Estados Unidos como menores de 16 anos e que viviam no país desde junho de 2007. Para qualificar-se, também era necessário ter uma ficha criminal limpa, sem condenações mesmo em pequenos delitos (como por exemplo dirigir sem carta de motorista) ou crimes mais graves. Os requerentes da DACA também deveriam estar matriculados em uma escola, ou ter completado o ensino médio, formação profissional, ou ter sido dispensado das forças armadas americanas com honras. Em outras palavras, o governo de Obama foi cuidadoso em estabelecer critérios rigorosos e seletivos para este programa.
Para os que se qualificaram para o programa (aproximadamente 800 mil migrantes) o governo diferiu (adiou) tomar ações que levariam ao princípio do seu processo de deportação – daí o nome do programa.
Os aprovados receberam do governo uma autorização para trabalhar legalmente por dois anos no país, podendo pedir sua renovação por dois anos adicionais, e assim sucessivamente por tempo indeterminado. Contudo, é importante notar que este programa não criou uma via de acesso à cidadania ou outro status legal migratório no país e era completamente dependente do decreto-lei do qual ele nasceu. A DACA também não oferecia nenhum benefício para familiares dos que se qualificavam para o programa.
Na época em que o programa foi implementado, o governo americano teve que tomar iniciativas para ganhar a confiança dos migrantes sem documentos no país, já que como parte do pedido da DACA indivíduos tinham que enviar ao governo uma grande quantidade de informações biográficas, incluindo seu endereço, telefone, etc. O medo da comunidade migrante era que o governo usasse as informações da petição para iniciar processos de deportação contra os beneficiários, já que tecnicamente eles estavam no país sem documentos e tinham entrado ilegalmente.
Ao longo dos cinco anos de sua implementação o governo americano foi bem-sucedido nesse processo, o que se tornou claro pelo grande numero de migrantes que se beneficiaram do programa. Ficando conhecidos como “DREAMers”, este é um dos grupos mais bem organizados e politicamente forte de migrantes sem documentos nos Estados Unidos.
No dia 5 de setembro de 2017 o presidente Trump, após uma série de promessas desde sua campanha eleitoral, determinou, também por meio de decreto-lei, o fim da DACA. O decreto-lei de Trump estabelece que novas petições e pedidos de renovação da DACA que foram enviados aos serviços de imigração dos Estados Unidos continuariam sendo analisados. Os indivíduos que tem DACA que vai expirar entre a data do decreto e 5 de Março de 2018 podem pedir a renovação da DACA antes de 5 de outubro de 2017 e eles terão seus benefícios estendidos por outros dois anos, mas não poderão pedir outra extensão ao fim deste período. Todos os beneficiários da DACA que vão perder o seu status após dia 6 de março de 2018 não poderão pedir a renovação da DACA. Perder acesso ao programa significa perder a possibilidade de trabalhar legalmente no país e, eventualmente, isso acontecerá com todos beneficiários do programa.
Contudo, o grande impacto desse decreto está relacionado ao processo de deportação que potencialmente será iniciado contra os 800.000 beneficiários da DACA. Como discutido acima, os indivíduos que se qualificavam para a DACA não possuem status migratório nos Estados Unidos. Previamente, o governo prometeu a essa população que não iniciaria procedimentos de deportação contra as pessoas que enviaram suas informações ao serviço de imigração para pedir a DACA. Porém, o novo decreto-lei estabelece que o governo pode iniciar procedimentos de deportação contra quaisquer beneficiários da DACA que o governo possui base legal para deportar. Como o governo pode iniciar esses procedimentos contra quaisquer migrantes sem status legal no país, praticamente todos os beneficiários da DACA estão sob risco de deportação.
A DACA foi um programa que beneficiou indivíduos de diversas partes do mundo. O Migration Policy Instute tem dados relativos ao programa disponíveis em seu sítio de web (http://www.migrationpolicy.org/programs/data-hub/deferred-action-childhood-arrivals-daca-profiles). Mais da metade dos beneficiários da DACA são Mexicanos. Migrantes da América Central, Coreia do Sul e China são os próximos da lista. Estima-se que aproximadamente 13.000 beneficiários da DACA sejam brasileiros.
Os meios de comunicação mais importantes dos Estados Unidos apresentaram o problema da DACA de maneira prática, discutindo os efeitos devastadores que o decreto-lei terá na população que se beneficiou do programa –muitos dos indivíduos vieram aos Estados Unidos muito pequenos e nem mesmo conhecem os países onde têm cidadania e a grande maioria dos que se beneficiaram a DACA contribuem para a sociedade em diversos âmbitos. Outro ângulo explorado foi relacionado à responsabilidade do congresso de responder às circunstâncias criadas pelo decreto-lei, trabalhando em legislação que garanta aos beneficiários da DACA uma via mais segura para acesso a status migratório no país.
Apesar de muitos grupos e organizações pró-migrantes nos Estados Unidos estarem analisando o decreto-lei de perto, no momento há apenas uma ação judicial questionando sua legalidade. Nessa ação judicial, quinze estados (entre eles Nova Iorque, Washington, Illinois e Massachusetts) propõem que a decisão de Trump em terminar a DACA é inconstitucional porque foi motivada no racismo de Trump contra Mexicanos. Eles usam como argumento muitas das afirmações que o presidente tem feito contra Mexicanos, entre elas, que eles são criminosos, bandidos e “bad hombres”. Uma ação judicial similar foi apresentada contra o órgão executivo quando o presidente tentou proibir imigrantes muçulmanos de entrar no país no início de seu mandado.
A questão da DACA está intimamente ligada ao poder conferido pela constituição americana ao órgão executivo dos Estados Unidos na forma do decreto-lei. O poder do presidente de decretar é amplo e da mesma maneira que órgãos judiciais decidiram permitir a Obama criar a DACA, é provável que cortes entendam que Trump tem poder para acabar com o programa. Como muitas das questões migratórias ao redor do mundo, esta também é uma questão política, em que os diferentes poderes interagem por meio das ações que lhes cabem. O congresso americano pode, a qualquer momento, elaborar, votar e aprovar legislação relacionada à migração nos Estados Unidos, incluindo legislação que impacta os beneficiários da DACA. Contudo, a decisão dos membros do Congresso de agir e de votar a favor ou contra a legislação é, também, política.
Os membros da sociedade civil devem, como têm feito desde a eleição de Trump, organizar-se para expressar suas vozes de maneira coletiva. Um dos meios importantes de expressão que tem gerado efeitos concretos no congresso, é o contato constante e direto com parlamentares. Um exemplo recente de ação dos membros da sociedade civil nesse sentido foi a situação do Obamacare. A ação coletiva da população expressando suas preocupações aos seus parlamentares por meio de ligações, emails e visitas aos gabinetes e reuniões públicas criou pressão nos membros do congresso e foi decisivo para assegurar que o Obamacare não fosse revogado no começo de 2017.
O término da DACA convida, mais uma vez, a sociedade civil a engajar-se com os parlamentares, expressando suas preocupações relativas a DACA e às contribuições positivas à sociedade que os beneficiários da DACA têm feito. Agora, mais do que nunca, os Dreamers deverão organizar-se para garantir que a sociedade civil entenda suas preocupações e as comunique junto com eles aos seus congressistas, criando pressão para atuação favorável do congresso.
*Carolina Ramazzina Van Moorsel atualmente é Oficial de Programas Sênior da Heartland Alliance International, com foco na Africa Sub-Saariana. Envolvida em ativismo migratório nos Estados Unidos, trabalhou por três anos no National Immigrant Justice Center (NIJC), que atua representando imigrantes em questões diversas para melhorar a política pública migratória americana.
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