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sexta-feira, maio 3, 2024

O que leva a movimentos na África do Sul como a Operação Dudula, que ataca imigrantes

Operação Dudula (empurrar, no idioma zulu) culpa os imigrantes pelos problemas sócio-econômicos da África do Sul e defende a "retomada do próprio país"

Por André Gabay Piai e Rodrigo Veronezi

Embora tenha o apelido de “nação arco-íris devido à sua diversidade étnica e cultural, além de ter recebido uma das edições do Fórum Social Mundial de Migrações (Joanesburgo, 2014, acompanhada pelo MigraMundo), a África do Sul coleciona manifestações de xenofobia. E tal situação voltou a se repetir recentemente no país, protagonizada por um movimento denominado “Operação Dudula”.

Criado em 2021, o movimento reivindica a “retomada de seu próprio país”, o qual estaria tomado por estrangeiros trabalhando em postos que deveriam ser destinados aos nacionais. E culpa a presença imigrante pelos problemas sociais e econômicos da África do Sul. Ele promove protestos nas ruas pela tomada de medidas contra a imigração irregular no país. E julga o Estado sul-africano leniente quanto à questão migratória. 

Em zulu, a palavra Dudula significa “empurrar” — no caso, o objetivo é empurrar para fora da África do Sul aqueles imigrantes que consideram irregulares.

“A questão é que estas pessoas estão a entrar no país sem documentos e o governo não está a fazer nada, sem documentos é difícil encontrá-los quando cometem crimes. Só queremos que os nossos serviços apliquem efetivamente as leis que existem e que não estão a ser aplicadas”, disse Zandile Dabula, secretária nacional da “Operação Dudula”, ao portal Deutsche Welle.

Os integrantes do movimento, no entanto, afirmam que não praticam qualquer ato de xenofobia e que apenas cobram do governo que todos os imigrantes no país estejam em situação regular.

Contradições

Com uma economia relativamente estável — diga-se de passagem, para os níveis da região, dado que a taxa de desemprego ainda é elevada, na casa dos 30% — , dinâmica e diversificada em nível local, a mão-de-obra imigrante não é exatamente uma novidade na África do Sul.

Há pouco mais de um século, trabalhadores vindos de países vizinhos, como Moçambique, Zimbábue, Zâmbia, República Democrática do Congo e outros, a veem como uma terra de oportunidades devido às ofertas de emprego disponíveis nos setores de mineração e agrícola. A intensificação destes fluxos se fez sentir notadamente após a abolição do apartheid, em 1994.

Entretanto, o incremento da mão-de-obra estrangeira no país não é isento de consequências. Cada vez mais visível, a presença estrangeira possui seus detratores no país. Os não-nacionais são vistos, por uma parcela da população sul-africana, como aqueles que tomam empregos dos nacionais e como aqueles que beneficiam de um sistema social já saturado.

Numerosos são os sul-africanos que julgam que seu país não tem condições de suprir as demandas de seu próprio povo, o que significa que a África do Sul não poderia se dar ao luxo de oferecer trabalho e condições de vida dignas a estrangeiros vivendo no território.      

A parcela da população sul-africana em desacordo com a presença estrangeira no país dificilmente faz distinções entre imigração regular e irregular. A percepção negativa da presença estrangeira no país faz com que os nacionais sugiram que a África do Sul está sob a emergência de uma invasão. É dessa narrativa que se alimentam movimentações como a “Operação Dudula”.

Deste modo, por exemplo, o cidadão moçambicano que veio trabalhar (e, por conseguinte, pagar impostos) na África do Sul não é visto como alguém que veio contribuir com a economia local, mas como um estrangeiro que “roubou” o emprego de um nacional.

Além disso, o endurecimento dos controles fronteiriços e da legislação sobre a concessão de autorizações de trabalho a estrangeiros também refletem as tendências restritivas do país.

Sistema sucateado

Neste contexto, diversos órgãos internacionais, tal qual a Anistia Internacional, atentam para o fato de que ataques xenófobos têm aumentado no país frente à inação do governo sul-africano com relação às novas ondas de criminalidade.

As raízes da problemática estão no próprio sistema político-social do país. Com um sistema de asilo sucateado, há mais de 150 mil solicitações de refúgio pendentes na África do Sul. Além disso, há centenas de solicitantes de refúgio reivindicando a realocação e instalação em outro país diante da violenta onda de xenofobia na África do Sul. 

Se por um lado a democratização de acesso a documentos que permitem viagens internacionais intensificou a mobilidade pelo globo, a liberdade de circulação, por sua vez, vem sendo cada vez mais cerceada. Isto é, se o direito à saída do país de origem é assegurado, o mesmo não é verdadeiro para o direito à entrada em um país estrangeiro.

A estudiosa de fluxos migratórios internacionais Catherine Wihtol de Wenden alertou para este aspecto contraditório da globalização. Cada país dispõe de soberania sobre suas fronteiras, podendo regulá-las como bem entender, o que inclui a imposição de barreiras, físicas ou simbólicas. 

Alimentada pelo discurso político, a percepção negativa da população sobre os imigrantes contribui para a transformação das migrações em pauta securitária – o que inclui o fechamento e a vigilância ostensiva de fronteiras, assim como a imposição de um sistema de vistos de entrada para determinadas nacionalidades. A securitização das migrações transforma a alteridade em ameaça.

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