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domingo, novembro 24, 2024

O que um deslizamento de terra em Papua-Nova Guiné tem a ver com migrações forçadas

Desastres de grande magnitude podem levar a movimentos populacionais significativos, demonstrando a interconexão entre eventos climáticos extremos, migração forçada e e vulnerabilidade socioeconômica

Por Dominique Maia

Em 24 de maio, um devastador deslizamento de terra atingiu a Província de Enga, localizada na Papua-Nova Guiné, na região da Oceania. De acordo com o Centro Nacional de Desastres do país, a lama engoliu centenas de casas e estima-se que possa ter causado a perda de cerca de 2 mil vidas, agora soterradas sob os escombros do deslizamento em larga escala, desencadeado por chuvas intensas. 

O deslizamento resultou no soterramento da área, incluindo casas, infraestrutura e terras agrícolas, atingindo até oito metros de profundidade com destroços. Autoridades da província relataram que mais de 7.480 pessoas foram impactadas pelo desastre, abrangendo aquelas cujas mortes foram confirmadas, as desaparecidas e as 1.650 deslocadas. A Província de Enga contava com muitas pessoas deslocadas que procuraram abrigo para escapar de conflitos étnicos em suas regiões. 

Apesar de ainda não ser possível uma avaliação precisa da magnitude do desastre, em parte devido à dificuldade de acesso à região montanhosa e às limitações de comunicação, incluindo a falta de eletricidade e sinal de celular, este evento já se configura como um dos mais devastadores na história recente da nação.

Resposta internacional e ajuda humanitária 

O governo da Papua-Nova Guiné solicitou assistência adicional às Nações Unidas e à comunidade internacional. Em resposta, a Austrália enviou ao país uma equipe de resposta a desastres, composta por especialistas em avaliação de riscos geológicos e drones, visando contribuir para o mapeamento da área afetada. Além disso, o exército local também está buscando mobilizar recursos para o local afetado.

O Chefe de Missão da Organização Internacional para as Migrações (OIM) na Papua-Nova Guiné, Serhan Aktoprak, declarou que a agência intergovernamental está colaborando com as autoridades locais e parceiros internacionais para oferecer assistência às pessoas afetadas. Ele destacou que “a escala desse desastre é realmente dolorosa”, ressaltando a urgência da situação, pois milhares de indivíduos perderam suas casas e pertences em um instante.

Aktoprak reiterou que a região continua altamente perigosa devido aos contínuos deslizamentos de terra, tornando o acesso difícil devido à obstrução de estradas, infraestrutura danificada e condições climáticas adversas, evidenciando os desafios após o desastre. Um exemplo disso foi o enorme deslizamento de terra que ocorreu em Yambali, uma das áreas mais afetadas da província, onde a primeira escavadeira só chegou dois dias após o deslizamento.

A possibilidade de um segundo deslizamento de terras na Papua-Nova Guiné também preocupa a Organização das Nações Unidas. Serhan Aktoprak explicou que a camada de detritos tornou-se mais instável devido às chuvas recentes, aumentando o risco de novos deslizamentos. Além disso, também existem preocupação crescente com a possibilidade de surtos de doenças devido à contaminação da água e à presença de corpos sob os escombros.

No que diz respeito à sociedade civil, os residentes locais estão empreendendo esforços na busca por seus entes queridos desaparecidos, mas o progresso é lento devido à escassez de recursos e às dificuldades de acesso à área afetada. Parte da principal estrada da província, um trecho de 200 metros, foi soterrada pelo deslizamento, complicando ainda mais as operações de resgate.

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Impacto humanitário e migração forçada

Com base em estudos e análises de desastres ambientais e suas ramificações sociais, o deslizamento de terra ocorrido em Papua-Nova Guiné emerge como um evento potencialmente capaz de desencadear ou agravar migrações forçadas na região. Os desastres, como deslizamentos de terra, tendem a amplificar a vulnerabilidade das comunidades já marginalizadas ou em situação de risco, exacerbando os desafios humanitários e socioeconômicos enfrentados por essas populações. 

Nesse contexto, o deslizamento em questão pode ser entendido como um catalisador para a migração forçada, impulsionando indivíduos e famílias a buscar refúgio em áreas mais seguras ou em países vizinhos em busca de segurança e sustento. Esse fenômeno tem sido documentado em diversas partes do mundo, onde desastres de grande magnitude desencadearam movimentos populacionais significativos, demonstrando a interconexão entre eventos climáticos extremos, deslocamento humano e vulnerabilidade socioeconômica. 

Portanto, uma análise completa do impacto do deslizamento de terra em Papua-Nova Guiné demanda uma avaliação cuidadosa, que considere não apenas os efeitos imediatos do desastre, mas também suas implicações de longo prazo nas comunidades afetadas, bem como suas trajetórias migratórias resultantes. Para tal compreensão, é crucial que as autoridades nacionais e internacionais considerem os seguintes aspectos:

  1. Vulnerabilidade agravada: desastres como deslizamentos de terra, acentuam a vulnerabilidade de populações já em situação de extrema fragilidade, como àquelas pessoas que fugiam de conflitos étnicos. Com a destruição de infraestruturas, residências e meios de subsistência, tais eventos forçam as pessoas a buscar refúgio em outras áreas, frequentemente sem os recursos adequados para reconstruir suas vidas e se reintegrar à sociedade.
  2. Migração forçada: desastres dessa magnitude podem funcionar como catalisadores para a migração forçada, especialmente quando os danos causados são devastadores e as condições de vida tornam-se insustentáveis na região afetada. Isso pode levar os indivíduos a buscar abrigo em outras partes do país ou mesmo em países vizinhos, em busca de segurança e melhores oportunidades de vida.
  3. Impacto a longo prazo nas comunidades: os efeitos de um desastre ambiental de grande magnitude podem ter consequências duradouras, incluindo a desintegração das estruturas comunitárias, a perda de laços sociais e culturais, e até mesmo a migração permanente para áreas urbanas ou para o exterior. Essas mudanças profundas podem redefinir as dinâmicas socioeconômicas das regiões afetadas e influenciar significativamente o futuro de suas populações.

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Papua-Nova Guiné: contexto e desafios adicionais 

A Papua-Nova Guiné, situada no Oceano Pacífico, abriga uma população de aproximadamente 10 milhões de pessoas, com cerca de 7.000 grupos culturais e mais de 850 dialetos distintos. Conforme aponta Philip Mitna (2018), o país se destaca por sua vasta diversidade cultural, estando entre os mais diversos do mundo. Além disso, a nação enfrenta desafios significativos em sua estrutura institucional, com uma capacidade limitada para fornecer serviços públicos de forma eficiente e com qualidade (Barros 2020).

Conforme dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Papua-Nova Guiné está classificada em 154º lugar no ranking global do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o IDH do país é de 0,568, indicando um nível considerado baixo. Apesar de sua riqueza em recursos naturais, sua economia ainda não alcançou o mesmo nível de seus países vizinhos. 

No início de 2024, a capital Port Moresby foi cenário de tumultos após a polícia abandonar suas funções em protesto contra a redução salarial, atribuída posteriormente a uma falha no sistema de folha de pagamento. Na ocasião, várias lojas foram saqueadas, edifícios incendiados e pessoas feridas.

O deslizamento recente em Papua-Nova Guiné exacerbou significativamente uma situação já precária, agravando ainda mais o cenário da região. Anteriormente, a área afetada pelo desastre abrigava pessoas deslocadas por conflitos étnicos em áreas próximas. No entanto, com o deslizamento de terra, muitos desses grupos enfrentam agora uma crise adicional, com a perda de suas habitações e uma crescente escassez de recursos básicos. 

A falta de infraestrutura adequada e os danos causados ​​às estradas tornam ainda mais difícil o acesso a assistência humanitária e serviços essenciais. Nesse contexto, a necessidade de uma resposta humanitária urgente e coordenada se torna ainda mais urgente para atender às necessidades das pessoas deslocadas e mitigar os impactos devastadores do deslizamento de terra.

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