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terça-feira, dezembro 24, 2024

O retrógado Estatuto do Estrangeiro

Apesar do crescente papel do Brasil no cenário internacional e da maior procura do país por estrangeiros, a legislação vigente sobre o tema é bastante defasada. O que está em vigor atualmente é o Estatuto do Estrangeiro, de 1980, considerado uma herança da ditadura militar (1964-1985) e inspirado no paradigma da segurança nacional, que impõe uma série de controles burocráticos e restrições às possibilidades de residência no Brasil.

Muitos dos artigos, inclusive, são incompatíveis com o rol de direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988 a todos os que vivem no Brasil, nativos ou não, como o acesso aos serviços de saúde e educação.

Para substituir o atual Estatuto, tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que, apesar de afirmar o respeito aos direitos humanos, mantém o conceito do estrangeiro como indivíduo estranho à sociedade e controlado pelo Estado, além de apresentar retrocessos em relação ao código em vigor. Por exemplo, ele propõe acesso integral ao trabalho, educação e saúde para o imigrante, mas aumenta de quatro para dez anos no tempo mínimo para um estrangeiro pedir a naturalização.

Segundo Deisy Ventura, professora de Direito Internacional do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), esse novo projeto pouco ou praticamente nada muda em relação à legislação já vigente. “Trata-se de um misto de herança do regime militar com 11 de Setembro, maquiado por alguns artigos que se referem aos direitos humanos”, diz a especialista, que faz referência ao famoso atentado terrorista que aumentou a pressão e a desconfiança sobre os imigrantes nos Estados Unidos.

Já Camila Baraldi, especialista em Direito Internacional e que estuda as políticas migratórias de países da América do Sul, destaca que o país precisa adotar uma política coerente com o que defende no exterior. “Hoje diversos problemas já vêm sendo expostos por organizações que trabalham com os imigrantes e os discursos internacionais do Brasil sobre as políticas de imigração do Norte vêm sendo reivindicados como parâmetros de ação para as suas próprias políticas. Elas precisam estar de acordo com as garantias de direitos humanos a que o Brasil está comprometido constitucional e internacionalmente”, explica.

“Imigração seletiva” versus Política Nacional de Imigração

Além do desatualizado Estatuto vigente e do polêmico projeto candidato a substituí-lo, dentro do governo federal também existem outros projetos e visões antagônicas sobre qual deveria ser a postura do Brasil diante da questão migratória.

Um deles é a “Política Nacional de Imigração e Proteção ao Trabalhador Migrante”, aprovada em 2010 pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg), formado por representantes do próprio governo federal e da sociedade civil. A proposta prevê uma legislação mais coerente com os compromissos e acordos migratórios assumidos pelo Brasil no exterior. Ele ainda garante aos imigrantes acesso a serviços como saúde e educação, além da desburocratização de processos de regularização e naturalização. O projeto foi encaminhado à Presidência da República logo após a aprovação no CNIg, mas desde então se encontra pendente.

Em sentido inverso, a Secretaria de Assuntos Estratégicos, vinculada à Presidência da República, propõe que o governo adote uma política de “imigração seletiva”, que incentive e facilite a entrada de estrangeiros com alta qualificação profissional e estabeleça limites para aqueles de menor escolaridade. A prática é semelhante à adotada por Estados Unidos e países europeus – e em geral criticada pelo Brasil em encontros internacionais.

De acordo com Deisy, se basear nesse tipo de políticas de imigração é um erro. “Elas não evitaram a crise econômica europeia, a deterioração do amálgama social e a decadência destas sociedades. Ao contrário, foram um fator de tensão constante, um atraso na compreensão do mundo e um pretexto para retrocessos em matéria de direitos humanos”.

Refletir sobre as falhas apresentadas pelas políticas de controle de imigrantes adotadas pela Europa, por exemplo, é apontada por Camila como a melhor forma de aprender com o que foi aplicado na exterior. “Isto deveria abrir caminho para que o Brasil pense uma política própria, que esteja de acordo com a sua realidade e seus princípios. Pior que copiar políticas sem qualquer critério, seria copiar aquelas que fracassaram”, finaliza.

Texto adaptado da reportagem “De volta à pauta, questão migratória vira teste para o Brasil”, publicado no jornal JIL em junho de 2012

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