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sexta-feira, abril 19, 2024

ONGs e coletivos que abrangem imigrantes LGBT+ lutam contra limbo em políticas públicas

População migrante LGBT+faz parte de um “paralelismo sem intersecção", em que suas especificidades deixam de ser contempladas pelas políticas existentes

Por Ramana Rech Duarte

De acordo com o antropólogo Vitor Lopes Andrade, existe certo vazio de medidas de inclusão social para pessoas que, além de imigrantes, fazem parte da comunidade LGBT+, em um “paralelismo sem intersecção”. É o que ele defende em sua dissertação de mestrado “Imigração e sexualidade: solicitantes de refúgio, refugiados e refugiadas por motivos de orientação sexual na cidade de São Paulo”.

Esse paralelismo sem intersecção existe no sentido de que há políticas pública para imigrantes, assim como, há para membros da comunidade LGBT+. Contudo, iniciativas que englobam esses dois recortes simultaneamente são inexistentes em nível governamental e raras em organizações civis.

Marina Siqueira é uma das coordenadoras do LGBT+Movimento, ONG que se localiza nessa intersecção. Segundo ela, as pessoas não são “caixinhas” e transitam entre lugares. “As pessoas que habitam esse dois lugares existem e a gente precisa entender as demandas delas.”

A reportagem conversou com três organizações que trabalham com esse recorte para entenderem sua formação, necessidades e especificidades.

LGBT+Movimento

Essa base comunitária começou pequena em 2017. Na época, a organização se dedica unicamente a produzir conteúdos, cujo tema principal fosse a população de migrantes LGBT+ com o intuito de provocar a sensibilização do público. Marina Siqueira diz que o objetivo da organização não é ser apenas “um balcão de atendimento”, mas uma rede de afeto.

Em 2018, o LGBT+Movimento fez seu primeiro atendimento assistencial. As demandas de migrações no Rio de Janeiro, onde está a organização, haviam crescido devido ao movimento para o litoral brasileiro de imigrantes e refugiados venezuelanos.

A coordenadora aponta que, apesar da organização receber pedidos de auxílio de representantes de todas as letras da sigla, mulheres trans e travestis costumam ser atendidas com mais intensidade e proximidade. “Os outros procuram [a organização] para apenas um atendimento, alguma coisa só, enquanto as mulheres trans, por estarem nessa situação de desamparo, acabam precisando mais e retornam mais vezes.”

 A organização trabalha com assistência jurídica, atendimento psicológico e profissionalização, bem como, estudos sobre essa população. Na pandemia, eles promoveram um questionário, que concluiu que 78,6% da população migrante LGBT+ está desempregada e 57,1% vive com uma renda abaixo de R$200,00 mensais.

Uma das maiores dificuldades da organização é justamente a falta de dados sobre esse recorte. De acordo com Marina, por conta disso, é preciso fazer um trabalho de “desbravamento”, o que é muito difícil. Além disso, a LGBT+Movimento sofre com problemas de financiamento e o número de atendimentos costumam ser baixos se comparado a outras organizações.

Rede Milbi

Também, a Rede de Mulheres Imigrantes Lésbicas e Bissexuais (Rede MILBi) surgiu como uma resposta a falta de identificação dos membros com os espaços criados para LGBT’s e para imigrantes. Apesar desses ambientes serem acolhedores, as pautas específicas de mulheres LGBT+ não eram incluídas. A primeira reunião do grupo aconteceu no fim de 2017 em São Paulo.

Diferentemente das outras organizações, o foco da Rede MILBI não é assistencialismo. Essas demandas geralmente são encaminhadas para órgãos responsáveis. A Rede atua, principalmente, na incidência política e na conscientização a respeito do recorte em que estão inseridos. “Somos uma rede de apoio para não só inclusão em políticas públicas, como também construir uma identidade própria como mulheres LGBT’S e imigrantes”, conta a consultora e pesquisadora colombiana Keyllen Nieto, uma das integrantes do grupo.

Encontro da Rede MILBi (Rede de Mulheres Imigrantes Lésbicas e Bissexuais), no CCSP (Centro Cultural São Paulo). Crédito: Divulgação

Por isso, a Rede MILBI marca presença em marchas, como a do Imigrante e da Mulher, a fim de “visibilizar essa interseccionalidade”. O grupo também participa de editais e palestras para formação de pessoas migrantes a respeito da população LGBT+.

O grupo é baseado em uma co-gestão, na qual as funções não são concentradas em pessoas específicas, mas distribuídas a depender do tempo disponível e do conhecimento dos integrantes. Todas as mulheres que formam os grupos são de países falantes de espanhol, “mas estamos abertas, queremos muito que outras mulheres de outras nacionalidades, não necessariamente ibero-americana, possam se juntar”, afirma Keyllen.

Casa Miga Acolhimento LGBT+

Por sua vez, a Casa Miga de Acolhimento LGBT+, localizada em Manaus, é a primeira do Brasil a acolher refugiados da comunidade LGBT+. A princípio, os idealizadores do projeto, a Associação Manifesta LGBT, imaginaram um abrigo com o recorte apenas de LGBT+. Porém, houve resistência da prefeitura e do estado para ceder um local, que pudesse se tornar a casa

.”Foi nesse momento que surgiu o ACNUR (Agência da ONU) para Refugiados) que já estava em Manaus acompanhando as pessoas da Venezuela”, conta Lucas Britto, coordenador da casa. A partir da possibilidade do financiamento da instituição, o acolhimento passou a incluir tanto brasileiros como imigrantes e refugiados.

Hoje, a Casa Miga tem 50% de seu aluguel quitado por um fundo do ACNUR entregue ao Cáritas de Manaus que, por sua vez, repassa o investimento a outras organizações. O restante dos gastos – alimentos, aluguel, os dois funcionários, internet – são pagos por meio de doações avulsas, vaquinhas e financiamento de empresas privadas.

É por isso que um dos maiores problemas enfrentados é justamente o financeiro. “A gente sabe como é depender das pessoas.” O coordenador da casa conta que diversas atividades para maior inclusão dos abrigados não são realizadas pela falta de recursos. “A  gente sabe como é difícil depender das pessoas”, comenta.

Impactos do coronavírus

Em maio deste ano, a Casa Miga Acolhimento LGBT+ quase fechou as portas. O dinheiro no caixa estava quase no fim e, somado a isso, as doações de alimentos caíram e passou a ser necessário comprá-los. Foi com o financiamento de uma empresa privada que a casa conseguiu o dinheiro para mais quatro meses de funcionamento.

“A gente estava quase sem dinheiro e se viu  no meio de uma pandemia com a possibilidade de colocar 10 pessoas na rua bem no primeiro mês, quando o mundo todo estava aterrorizado”, lembra Lucas Brito.

Durante o período, a casa se concentrou na educação em saúde. Era difícil manter os moradores dentro da casa, dado a sua condição de vulnerabilidade, em que muitos não tinham até celular. Por isso, Lucas juntou seu ofício de coordenador da casa com o de enfermeiro para mitigar o risco de contaminação, através de orientações sobre prevenção.

Para a organização LGBT+Movimento, o novo Coronavírus trouxe questões sobre como prestar a assistência de modo remoto e ainda manter a “capacidade de encontro” tão prezado pela organização.

Os atendimentos continuaram por mensagem de texto no Whatsapp, às vezes ligações e, em casos especiais, presencialmente. Em um primeiro momento, as ações se voltaram para reparar os estragos causados pelo Covid-19, como distribuição de cesta básica, aluguel social para aqueles em risco de despejo. Essas medidas puderam ser tomadas com o financiamento de campanhas de doações na internet.

Sessões de terapia também foram adaptadas para o formato remoto. Marina conta que, por conta de uma queda nas condições de saúde mental, a procura por a assistência psicológica aumentou bastante na quarentena. “Quando não há renda toda a vida das pessoas costuma desandar.”

Já a Rede MILBI, passou a realizar suas reuniões virtualmente, o que permitiu que novas pessoas de diferentes regiões do Brasil participassem. “Foi benéfico nesse sentido de que conseguirmos maior integração e acho que caminhamos aos poucos por uma expansão”, diz Keyllen Nieto.


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