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quinta-feira, março 14, 2024

Orgulho e preconceito na Alemanha: cresce o antissemitismo

O antissemitismo aumenta onde há o discurso de orgulho da identidade alemã – abrindo brechas para preconceitos e agressões contra judeus no país

Por Manuela Marques Tchoe
Em Munique (Alemanha)

Foi após o atentado numa sinagoga em Halle, no leste alemão, que muitos se assustaram com o crescimento antissemita na Alemanha. É claro, havia sempre um caso aqui e ali na imprensa sobre atitudes antissemitas, como casos de bullying em escolas ou nas mídias sociais. Os casos de preconceito estavam mais prominentes para com os refugiados – geralmente de religião muçulmana – cuja repercussão foi um dos principais pontos políticos nas últimas eleições.

Mas o antissemitismo crescia silencioso, sem grandes manchetes, e vinculado ao crescimento do partido de extrema-direita, a AfD (Alternative fuer Deutschland, ou Alternativa para a Alemanha), que parecia odiar muçulmanos e judeus em igual medida. Batendo na tecla do orgulho de ser alemão e da identidade do país, o partido não mede palavras e espalha o ódio contra minorias por todo país.

Mas é no leste da Alemanha, onde Halle se encontra, que o partido de extrema-direita encontra terreno fértil para sentimentos anti-Islã – e também antissemitas.  

Além do atentado em Halle, houve um aumento de 10% no número de crimes ligados ao antissemitismo em 2018 na Alemanha e o  governo alemão aconselhou cidadãos judeus de não usar a tradicional quipá em público.

O atentado de Halle abriu uma ferida que, na verdade, nunca cicatrizou na Alemanha. Apesar dos esforços de governos, pedidos de desculpas a Israel, aulas sobre o Holocausto nas escolas, museus sobre o tema assim como ruínas vivas como o campo de concentração de Dachau, um em cada quatro alemães expressa ideias antissemitas, de acordo com um pesquisa que faz parte de um estudo do Congresso Mundial Judaico (WJC, na sigla em inglês). A pesquisa – que ouviu 1.300 pessoas –  foi realizada antes do ataque em Halle e apontou que 27% dos entrevistados concordaram com uma série de argumentos antissemitas ou estereótipos sobre os judeus.

Por exemplo, 41% dos entrevistados concordaram com a afirmação de que “os judeus falam demais sobre o Holocausto”. Outros 20% concordaram que os judeus “detêm muito poder” sobre a economia, os mercados financeiros mundiais e a mídia. E 22% concordaram que “as pessoas odeiam os judeus por causa do modo como eles se comportam”.

Surpreendentemente, sentimentos antissemitas também estão entre os mais ricos e bem educados na Alemanha (pessoas com pelo menos um diploma universitário e que ganham pelo menos 100 mil euros por ano – cerca de  R$ 450 mil). E 18% de entrevistados nesse grupo concordaram com várias afirmações antissemitas na pesquisa.

Na verdade, o antissemitismo é algo tão arraigado na Alemanha que nem todo esse esforço foi capaz de deter essa nova onda de ódio aos judeus. Apesar de ser um crime negar o holocausto, muitos começam a duvidar de fatos históricos comprovados. Na idade do fake news, muita gente duvida até que a Terra seja esférica e que a ditadura no Brasil realmente existiu. Para duvidar da existência do Holocausto ou de suas consequências é um pulo.

Da Alemanha para a Europa

Não é de hoje que algumas pesquisas alertam para um aumento preocupante do antissemitismo. Uma sondagem realizada pela rede CNN em 2018 contou com um universo de 7.000 europeus, espalhados pela Áustria, França, Alemanha, Reino Unido, Hungria, Polônia e Suécia – países onde o anti-semitismo ainda tem lugar e com um passado ligado ao Holocausto e aos horrores da 2ª. Guerra Mundial.

De acordo com o levantamento, 20% acham que os judeus dominam a política e os meios de comunicação, assim como consideram que os israelenses estão por trás da maioria das guerras e conflitos ativos.

Também constatou-se que um terço dos europeus considera que os judeus usam a lembrança do Holocausto no mundo em seu próprio benefício, como reportado pelo El País. Por fim, 28% acreditam que o aumento do antissemitismo na Europa se deve principalmente à política e às ações do Estado de Israel.

Existe hoje em dia um linha tênue entre a crítica aos judeus e à política israelense, especialmente sobre a questão da Palestina. Como disse o escritor israelense Amos Oz, alinhado com a esquerda pacifista, em entrevista ao El País: “O que é o antissemitismo? É complicado. Nem todos que criticam Israel são antissemitas. Eu mesmo faço isso. Se você critica o que os judeus fazem, pode ter razão ou não, mas é algo legítimo. Mas se você critica os judeus por serem quem são, aí existe antissemitismo. Onde está a linha vermelha? Não sei, mas existe”.

Orgulho contra o preconceito

O crescimento da extrema-direita na Alemanha é preocupante para os 200 mil judeus que habitam o país, mas há esperança. Existe uma consciência maior de que minorias precisam ser protegidas de discursos populistas e violências advindas da política do ódio. A maioria dos entrevistados no levantamento da WJC reconheceu o aumento no comportamento hostil em relação ao povo judeu na Alemanha. 65% dos entrevistados consideram que tal crescimento está ligado à ascensão de “partidos extremistas de direita”.

Embora a pesquisa tenha apontado um crescimento no sentimento antissemita na Alemanha, o estudo também constatou que a vontade de combater a intolerância é ainda maior. De acordo com a Deutsche Welle, dois terços dos membros das “elites” apoiaram uma petição contra o antissemitismo, enquanto um terço declarou que estava disposto a participar de manifestações a favor dos judeus. Também a pesquisa da CNN em 2018 apontou a tendência, na qual 40% dos consultados acreditam que os judeus estão ameaçados pela violência racista em seus próprios países e precisam ser protegidos.

O governo atual prometeu tolerância zero ao antissemitismo com maior foco em segurança para os judeus e educação sobre o Holocausto. Da mesma forma, a população não se calou; mais de 10 mil berlinenses foram às ruas em solidariedade às vítimas do atentado de Halle. E os judeus que vivem na Alemanha não se darão por derrotados na constante guerra contra o antissemitismo.

Manuela Marques Tchoe é uma escritora baiana que atualmente reside em Munique, Alemanha. É autora de “Ventos Nômades”, uma coletânea de contos que cruzam continentes e exploram o desejo de viajar e a vida de imigrante, e do romance “Encontro de Marés”. Manuela também escreve para o seu blog pessoal Baiana da Baviera e está presente no Facebook, Instagram e Twitter com reflexões sobre a vida de imigrante, viagens e literatura.    

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