Por Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
Rumor dos passos de migrantes, prófugos e refugiados. Às dezenas e centenas de milhares batem trilhas e estradas e/ou cruzam o mar Mediterrâneo. Ansiosamente buscam um lugar de repouso, onde construir a plataforma para um futuro menor rumoroso e mais pacífico. Rumor de crianças famintas e irrequietas, boa parte órfãs de toda a família, e não raro desacompanhadas. Rumor de um pranto sufocado de quem perdeu tudo e, em desespero, procura algo para manter-se de pé e sobreviver.
Para trás ficaram outros rumores, bem mais estrepitosos e devastadores. Rumor seco e contínuo da metralha e dos fuzis, que varre aldeias, campos e cidades. Varrem o chão pátrio, deixando um rastro macabro de cadáveres insepultos e casas dilaceradas, abandonadas, vazias. Rumor do bombardeio aéreo das grandes potências mundiais, especialmente sobre o território da Líbia e da Síria, que, do alto, golpeia indiscriminadamente guerrilheiros e civis. No solo e na alma da nação abrem feridas que, por longos anos, haverão se sangrar. Rumor da luta corpo e corpo, do fogo e da rapina que tudo reduzem a ruínas, cinzas e escombros. Nada resta a não ser a fuga.
Mas existem também os rumores silenciosos, nem por isso menos estridentes e letais. Rumor da pobreza, da miséria e da fome que, num martírio gota a gota, enfraquece e dizima inteiros povoados. Rumor de muros, cercas e fronteiras, os quais, sem uma única palavra, marcam o limite entre os de dentro e os de fora, cerrando o caminho aos fugitivos. Rumor surdo e mudo de olhares e sorrisos oblíquos, onde se mesclam e se confundem o medo, a compaixão, o rechaço e a ameaça.
Depois, existem os rumores sociais, políticos, culturais e mediáticos. Rumor de grupos de extrema-deireita, de orientação nazi-facista, avessos e agressivos diante de qualquer tipo de abertura e acolhida. Rumor de leis migratórias que tratam de excluir os “não capacitados”, obrigando-os à deportação. O que, em grande medida, significa a morte imedianta e violenta ou a longo prazo. Rumor das manchetes de jornais, TV e revistas, espetaculares e sensacionaliastas: ao mesmo tempo, revelam e escondem a face e as opiniões de hostilidade, preconceito, discriminação e xenofobia, exibindo imagens devidamente selecionadas. Rumor da população perplexa e assustada que, nas praças, ruas e meios de transporte, por exemplo, desviam o olhar ou apontam o dedo sobre os “esses estranhos”. Rumor de promessas que partem de Bruxelas ou de outras capitais europeias, e jamais se realizam.
Permanecem vivos, entretanto, os rumores da resistência, da solidariedade e da busca de paz. Pequenos, esparsos, muitos deles invisíveis e também silenciosos (ou silenciados) – mas constituem sementes que indicam uma colheita futura, por modesta que seja. Organizações não governamentais, entidades, igrejas, grupos de voluntários, um verdadeiro exército que tenta abrir o coração e as portas, conscientes que o mundo é a pátria de todos. Não menos importante, porém, é a teimosia e a tenacidade dos próprios forasteiros. Uma a uma, vão superando as barreiras de um longo e árduo percurso. Resistência e acolhida, combinadas, fazem da fuga uma nova busca. Representam um avanço na passagem da “cultura da indiferença para a cultura da solidariedade”, como tem insistindo seguidamente o Papa Francisco.