Enquanto a comunidade internacional se desentende sobre como agir para lidar, acolher e integrar as pessoas que têm sido obrigadas a deixar seus países de origem por conta de guerras, perseguições, pobreza e outras mazelas, propostas no mínimo curiosas e polêmicas aparecem no horizonte e conquistam simpatizantes. E uma delas diz respeito à criação de um país especialmente para acolher refugiados.
Nos últimos meses, a ideia já foi destaque por duas vezes. A primeira foi ainda em julho passado, quando Jason Buzi, magnata do setor imobiliário dos Estados Unidos, sugeriu a criação da “Refugee Nation“, apenas para abrigar as quase 60 milhões de pessoas que atualmente vivem deslocadas mundo afora. E no último dia 4 de setembro, um bilionário egípcio chamado Naguib Sawiris anunciou que quer comprar uma ilha para abrigar as famílias que buscam uma nova vida longe de guerras e de perseguições.
A ideia é cheia de boas intenções e de humanidade na teoria, conseguindo até simpatizantes fervorosos. No entanto, ela é extremamente perversa e segregacionista na prática. Pode soar muito tentadora para governos que se recusam a acolher ou não sabem como lidar com as pessoas que chegam de outros países, mas é uma verdadeira afronta humanitária – especialmente para quem, como este espaço, considera a migração um direito humano.
Simpatizantes alegam que, como o país começaria do zero, a construção da infraestrutura necessária daria emprego a todos os habitantes, respaldada por doações internacionais. Outro argumento defendido pelos simpatizantes é que o novo país resolveria os problemas de integração tanto para as pessoas deslocadas como para as nações que encontram dificuldades para equacionar o problema em seus territórios.
Na real, os “países de refugiados” seriam como imensos guetos que segregariam ainda mais um contingente de pessoas que já foram segregadas anteriormente em seus países de origem pelas mazelas que as levaram a migrar forçadamente. Ao mesmo tempo, a “ideia genial” dos países para refugiados mantêm intactos os fatores causadores de deslocamentos mundo afora – guerras, pobreza, perseguições de todo tipo, desastres naturais, entre outros.
Ora, em vez de aplicar montanhas em recursos para construção nesse novo país, por que não aplicar esse montante em infraestrutura e ações que combatam a pobreza e outros fatores que levam as pessoas a considerarem a migração não como um direito, mas como a única alternativa no horizonte para buscarem uma vida digna ou mesmo para simplesmente salvá-la? Por que não aplicar recursos para permitir que essas pessoas possam ter garantidas a sua dignidade e reconstruírem suas próprias vidas, independente de onde estejam?
Vale lembrar ainda que, embora o destaque atual vá para a movimentação de refugiados em direção à Europa, são os países vizinhos de zonas de conflito que arcam com as maiores responsabilidade sobre os deslocados internacionais. Só como exemplo, o campo de refugiados de Daddab, no Quênia, tem uma população estimada entre 350 e 500 mil pessoas, sendo a maioria composta de somalis que buscam abrigo do conflito que desde 1991 assola o país natal. Ou Líbano e Jordânia, que são os países com maior número de refugiados per capita e estão entre os que mais recebem refugiados no mundo, devido à proximidade com Síria e Iraque – de acordo com informações do relatório Global Trends, do ACNUR, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (baixe aqui).
Em vez de buscar soluções mirabolantes para os deslocamentos que transformam o ato de migrar não um direito, mas na única alternativa possível para sobrevivência, é preciso pensar no básico: executar medidas que promovam a integração e protejam a dignidade dessas pessoas, onde quer que estejam. Seja dotando os países da infraestrutura básica para acolher os que chegam, seja reconstruindo e combatendo os fatores que causam os deslocamentos. Dar asas a ideias estapafúrdias como a da “nação dos refugiados” apenas amplia o sofrimento vivido por milhões de pessoas.