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sábado, novembro 23, 2024

Parlamentares propõem projetos e até CPI para combater trabalho análogo à escravidão

Migrantes internos e internacionais em contexto de vulnerabilidade social estão entre os grupos mais sujeitos a situações de trabalho análogo à escravidão

A descoberta de trabalho análogo à escravidão em vinícolas do Rio Grande do Sul, no final de fevereiro, ajudou a colocar na agenda do dia um problema que é mais comum do que se imagina. E diante da repercussão alcançada por estes e outros casos recentes, propostas diversas a partir da classe política surgem na tentativa de responder a essa violação da dignidade humana.

Só no primeiro trimestre de 2023, de janeiro a 20 de março, um total de 918 pessoas foram resgatadas de condições degradantes de trabalho, em diversos setores da economia, o maior número para o período nos últimos 15 anos. Além da produção de vinhos, foi identificada recentemente a situação análoga à escravidão em atividades como o cultivo de cana-de-açúcar, fabricação de cigarros, construção civil e até na preparação do festival de música Lollapalooza, que ocorreu no último final de semana na capital paulista.

Os dados referentes ao primeiro trimestre foram apresentados durante audiência na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, na última quarta-feira (29), pelo procurador-geral do Trabalho, José de Lima Pereira. Ele salientou ainda o conceito atual de trabalho escravo aos parlamentares presentes.

“O trabalho escravo contemporâneo existe em todo o território nacional. Não há uma exclusividade de região, de estado ou de segmento econômico. Houve, por muito tempo, a ideia de que o trabalho escravo só existiria se houvesse perda da liberdade de ir e vir. É uma inverdade. O trabalho escravo ocorre quando se reduz a dignidade, torna-se servil de dívidas um trabalhador ou uma trabalhadora com jornadas exaustivas e degradação do ambiente de trabalho”.

Os números oficiais apresentados pelo Ministério Público do Trabalho, no entanto, não odevem demorar a ficar desatualizados. Nesta quinta-feira (30), a Defensoria Pública da União informou atuação no resgate a 35 trabalhadores em situação anàloga à escravidão em Roraima.

Projetos em pauta

Além da Câmara, o Senado também promoveu discussões recentes sobre o combate ao trabalho análogo à escravidão. Ao menos quatro projetos foram citados por deputados e senadores nessas audiências, todos protocolados de 2019 em diante:

  • PL 3168/21, do deputado Carlos Veras (PT-PE), que aumenta de três para seis o número de parcelas do seguro desemprego pago aos resgatados do trabalho escravo
  • PL 1102/23, da deputada Reginete Bispo (PT-RS),  que regulamenta o artigo (243) da Constituição sobre expropriação de estabelecimentos rurais e urbanos que tenham sido palcos de trabalho escravo;
  • PL 572/22, do deputado Helder Salomão (PT-ES), que cria o Marco Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas, que também apresenta medidas de prevenção ao trabalho escravo.
  • PL 5.970/2019, do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que regulamenta a expropriação de propriedades em que seja constatada a exploração de trabalho em condições análogas à de escravidão

CPI sobre trabalho escravo

Além desses projetos no Congressi Nacional, o deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) também propõe a criação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) a fim de investigar o crescente trabalho escravo no país. Ele afirmou que já conseguiu mais de 100 assinaturas para a instalação do colegiado. 

“Ela pode contribuir pedagogicamente com esse debate, ampliar o debate dentro do Parlamento e depois ter um conjunto de resoluções que, de fato, possa nos ajudar a enfrentar o trabalho escravo, esse lucro pelo lucro que acaba desumanizando a própria vida”, justificou.

Em 2012, a Câmara contou com uma CPI sobre Trabalho Escravo, que acabou encerrada sem a produção de um relatório final. O presidente da comissão, o deputado Claudio Puty (PT-BA), acusou parlamentares da bancada ruralista de tentarem usar o colegiado para flexibilizar a legislação que trata do trabalho escravo. Já os ruralistas argumentaram que Puty encerrou os trabalhos de forma “arbitrária” e “intransigente”.

Nada menos que 20 dos 28 integrantes daquele colegiado tinham alguma ligação com o agronegócio, atividade que conta com ocorrências significativas de mão de obra precarizada e explorada. Para evitar que esse grupo apresentasse um relatório paralelo à comissão, o então presidente do colegiado decidiu pelo encerramento dos trabalhos sem um relatório final.

Grupos vulneráveis ao trabalho análogo à escravidão

Populações migrantes internacionais estão entre os públicos mais vulneráveis a esse tipo  de condição. Uma prova disso foi o resgate de 24 de venezuelanos de condições análogas à escravidão em uma madeireira de Rio do Sul (SC), em 9 de fevereiro. Já em março, ganhou destaque no noticiário nacional o fato de 19 pessoas naturais do Paraguai estarem trabalhando sem qualquer condição em uma fábrica clandestina de cigarros em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

O número de trabalhadores imigrantes resgatados da escravidão contemporânea dobrou no Brasil, segundo o Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil. Foram 148 casos em 2022, contra 74 no ano anterior.

Os migrantes internos e trabalhadores sazonais, que se deslocam de uma região a outra do Brasil para atividades pontuais e periódicas, também estão entre os grupos vulneráveis ao trabalho análogo à escravidão. Foi o caso dos 207 resgatados das vinícolas na Serra Gaúcha, praticamente todos naturais do Estado da Bahia.

Em entrevista ao MigraMundo no começo de março, a socióloga Lidiane Maciel, do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Cartografias Sociais (NEPACS) da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), ressaltou a importância de uma resposta mais ampla para a questão do trabalho análogo à escravidão.

“Não adianta apenas ‘estourar’ o alojamento. São necessárias políticas sociais que acolham devidamente esses trabalhadores, após episódios como esses, incluindo as educacionais, de assistência social e de perspectivas de trabalho legal. Do contrário, eles voltarão a situações como as relatadas no caso”.

Como denunciar trabalho escravo

Denúncias de trabalho escravo podem ser feitas de forma sigilosa no Sistema Ipê, sistema lançado em 2020 pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Além disso, dados oficiais sobre o combate ao trabalho escravo no Brasil estão disponíveis no Radar do Trabalho Escravo da SIT.

Desde a criação dos grupos especiais de fiscalização móvel, base do sistema de combate à escravidão no país, em maio de 1995, mais de 60 mil trabalhadores foram resgatados e R$ 127 milhões pagos a eles em valores devidos.

Um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Walk Free e Organização Internacional para as Migrações, divulgado em setembro de 2022, destaca que, no mundo todo, cerca de 28 milhões de pessoas foram vítimas de trabalhos forçados, em 2021. A maioria dos casos de trabalho forçado (86%) ocorre no setor privado, e quase uma em cada oito pessoas que eram submetidas a esse tipo de violação é criança (3,3 milhões).

Com informações da Agência Câmara, Agência Brasil e Agência Senado

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