Um levantamento global conduzido recentemente em 52 países, incluindo o Brasil, traçou um raio X da percepção das sociedades nacionais sobre refugiados. Os resultados mostraram, pelo menos em teoria, um forte apoio para que as pessoas em situação de refúgio possam buscar abrigo em outros países. No entanto, há o crescimento de um ceticismo e das preocupações quanto à capacidades de integração nas comunidades receptoras.
A pesquisa foi conduzida pela agência da ONU para Refugiados (ACNUR), em conjunto com o Instituto Ipsos, e teve seus dados divulgados no último dia 18, na esteira de eventos e atividades ligadas ao Dia do Refugiado (20 de junho). O material completo está disponível para download gratuito no portal do Instituto.
Na média global, 73% das pessoas dos 52 países pesquisados concordaram que as pessoas devem poder se refugiar em outros países, inclusive no seu próprio. Entre os respondentes, 51% acreditam que os refugiados podem se integrar e, por exemplo, ter acesso ao direito total à educação; a mesma quantidade apoia o acesso total dos refugiados a serviços de saúde e empregos.
Por outro lado, a pesquisa Ipsos/ACNUR revela também que 61% dos entrevistados (média global) acreditam que os refugiados estão principalmente buscando ganho econômico ou se aproveitando dos sistemas de apoio social. Esse ceticismo é acompanhado por preocupações de 41% sobre a capacidade dos refugiados de se integrarem com sucesso em uma nova sociedade e 46% duvidam de sua contribuição positiva para o país anfitrião, contra 44% dos que creem nessa possibilidade. Um número substancial – 44% – acredita até mesmo que seu país deveria fechar completamente as fronteiras para refugiados.
O levantamento global ouviu 33 mil adultos em 52 países por meio de pesquisa online conduzida entre 19 de abril e 10 de maio. Os países escolhidos para o estudo, segundo seus promotores, são aqueles que mais contam com refugiados em seus territórios.
E o Brasil?
Um dos países da América Latina contemplados pela pesquisa, o Brasil aparece como o sétimo país no mundo em apoio aos refugiados por busca por abrigo em outros países, com 82% de resposta positiva, aparecendo à frente de todos os demais países do continente americano e da Europa. O dado também está acima da média global (73%) e da região latina (76%) verificadas pelo estudo.
Entre os brasileiros entrevistados pela pesquisa ACNUR/Ipsos, 52% acreditam que os refugiados devem acesso total a oportunidades de aplicar para residência permanente ou mesmo para solicitar cidadania, o terceiro maior índice global e bem acima da média mensurada (32%).
Dentre os 52 países pesquisados, o Brasil foi ainda o quinto no mundo com menor percepção de que refugiados estão principalmente buscando ganho econômico ou se aproveitando dos sistemas de apoio social (45%). No continente, foi o que apresentou o índice mais baixo – no Peru, por exemplo, essa impressão alcança os 80% e atinge 76% no Chile.
Em janeiro, o representante do ACNUR no Brasil, Davide Torzilli, fez um elogio ao país em relação à acolhida de refugiados. “O Brasil tem muitas boas práticas, e segue com esse compromisso de fortalecer a proteção internacional. E o Brasil vai ser um campeão, seguramente a nível regional, mas também a nível global”, disse.
Em junho do ano passado, uma outra pesquisa, feita pelo Instituto Datafolha em conjunto com a Conectas Direitos Humanos, apontou que a maioria dos brasileiros acredita que pessoas migrantes são bem recebidas no Brasil. Mas também que a qualidade dessa recepção depende sobretudo da cor, raça ou etnia dos migrantes.
Na América Latina, além do Brasil, a pesquisa inclui Argentina, Chile, Colômbia, Equador, México e Peru. Todos eles têm em comum o fato de receberem grande parte dos refugiados da Venezuela, terceiro no ranking global de deslocamento internacional do ACNUR (atrás somente de Afeganistão e Síria).
Desafios
Em declarações públicas sobre a pesquisa, representantes da Ipsos e do ACNUR admitem tanto a existência de um sentimento majoritariamente favorável à busca dos refugiados por proteção quanto reconhecem a necessidade de se avançar em ações que possam impedir o avanço de pensamentos e ações xenófobas.
“É essencial ouvir e entender as percepções públicas sobre os refugiados – tanto as positivas quanto as negativas, a generosidade, mas também as preocupações e medos. Esta é a melhor maneira de abordar essas preocupações e garantir que aqueles que fogem das piores tragédias do mundo continuem a receber a ajuda e o apoio que merecem”, observa Didier Truchot, Presidente e Fundador da Ipsos. “Isso também é um chamado à ação para todos nós, incluindo a comunidade empresarial, que pode ajudar empregando e treinando refugiados para apoiar sua integração no país anfitrião.”
Dominique Hyde, Diretora de Relações Externas do ACNUR, aponta que a pesquisa traz um alento ao mostrar que existe ainda na opinião pública global um apoio significativo ao direito do refugiado de buscar segurança, mas reconhece as barreiras existentes que podem impactar nesse resultado futuramente. “Ainda assim, precisamos fazer muito mais para explicar aos céticos por que os refugiados devem ser acolhidos, não ostracizados. A erosão da confiança pública e da empatia é uma enorme barreira para criar um ambiente seguro e acolhedor para os refugiados.”