Por Dolores Guerra
Era outubro de 2018 quando imagens da ponte fronteiriça entre Guatemala e México completamente tomada por uma multidão de migrantes foram divulgadas ao redor do mundo. O que antes era uma viagem individual feita às escondidas, principalmente por balsas pelo rio Suchiate, agora era assumido ao público como um grande êxodo centro-americano.
Diante da porta de entrada ao território mexicano, nem mesmo as ameaças do então presidente estadunidense, Donald Trump, de retirar auxílios financeiros destinados aos países do chamado Triângulo Norte da América Central foram capazes de impedir seu caminho.
Ali surgia uma nova dinâmica do fluxo migratório regional: as grandes caravanas migrantes.
Vía Crucis migrante: a origem das caravanas
Desde 2010, uma marcha migrante centro-americana chega ao México durante a semana santa em busca de visibilizar a situação migratória na região. Sob o lema de “Via Crucis: todos somos americanos por nascimento”, a edição de 2018 recebeu repercussão internacional.
Os constantes insultos do então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao descobrir a existência da caravana de abril, ao contrário de constranger aos migrantes, apenas mostrou aqueles que já estavam com a mala pronta que havia outras pessoas na mesma situação que elas, fortalecendo a convocatória. Muitos eram aqueles que desejavam migrar, mas não possuíam os recursos para obter um atravessador.
Segundo a organização civil Pueblos Sin Fronteras (PSF), o objetivo da caravana Via Crucis era escoltar os migrantes para que chegassem sãos e salvos à Cidade do México, onde seriam aconselhados por advogados voluntários individualmente. Dessa maneira, os migrantes teriam maior consciência de quais eram suas reais alternativas e poderiam tomar uma melhor decisão sobre seguir o caminho até os Estados Unidos ou solicitar formalmente o asilo ou migração legal no México. Logo em Oaxaca, no sudeste mexicano, as autoridades migratórias distribuíam permissões temporárias de trânsito com as quais os migrantes teriam vinte dias para sair do país ou trinta dias para iniciar o processo de legalização.
Desde aquela Via Crucis, pequenos grupos empreendiam a caminhada a partir da rodoviária de San Pedro Sula (Honduras), mas ainda sem a luz dos holofotes. Ciente da situação e preocupado com os riscos que envolvem a trajetória, o ativista Bartolo Fuentes lança um chamado em seu Facebook que mudaria o rumo da maneira hondurenha de migrar. A mensagem publicada em seu perfil na rede social, no dia 26 de setembro de 2018, mencionava que:
“O melhor seria sair juntos e organizados desde Honduras, dando a cara, sem esconder-se. Sair gritando ao mundo que se vão porque aqui roubaram as oportunidades e porque quem deveria protegê-los se transformaram em ameaças para suas vidas. Se vão juntos, podem apoiar-se mutuamente, protegerem-se das ameaças e exigir respeito aos seus direitos como pessoas em qualquer país em que se encontrem. Já há grupos que estão buscando sair melhor organizados nas próximas semanas, tomara que pudessem ter apoio das organizações que trabalham pelos direitos dos migrantes”
Os governos que perseguem aos migrantes indocumentados são culpados por milhares que morreram no caminho, pelos que terminaram mutilados e pelos que não sabemos qual foi o fim porque há muitos anos perderam a comunicação com suas famílias.
Se têm planos de ir, não vá só. Não sinta vergonha, porque migrar não é um delito.”
Quais são as 3 principais razões para aderir à caravana?
Ainda que este não fosse um método completamente novo de empreender a travessia, a quantidade de participantes e a “profissionalização” do gerenciamento das caravanas pelas próprias pessoas em trânsito possibilitou que grupos cada vez mais organizados pudessem migrar de maneira mais segura.
Entre 2016 e 2019, foram reportados 3.555 delitos contra migrantes, principalmente oriundos de Guatemala, Honduras e El Salvador. A cada cinco migrantes vítimas de algum crime, como tráfico de pessoas, abuso sexual, sequestro, extorsão e roubo, quatro são desses originários desses países.
Vale lembrar que os grandes carteis mexicanos controlam pontos de entrada e saída do país, além de terem aprendido a diversificar suas atividades, transformando os migrantes em alvo. O sequestro de migrantes, por exemplo, consiste em exigir que a vítima entre em contato com a família pedindo que paguem altos valores por sua liberdade. Já no caso de meninas, mulheres e mulheres trans, a tortura e os crimes sexuais são ao mais recorrentes. Segundo a Anistia Internacional, seis em cada dez migrantes mulheres sofrem alguma violência sexual durante a travessia. Muitas vezes, os agressores são os próprios intermediários contratados para ajudar-lhes a cruzar a fronteira norte mexicana, conhecido como “coiotes” ou “polleros”.
A tática de viajar em caravana possibilita que os grupos possam estabelecer sua rota sem depender dos serviços de tais atravessadores, o que diminui os custos da empreitada. De acordo com o Projeto de Migração Mexicana, na década de 90 o valor para cruzar a fronteira com um coiote era de aproximadamente 600 dólares, já na década seguinte esse valor chegou entre 1.000 dólares e 1700 dólares, enquanto que atualmente a quantia pode chegar a 9000 dólares. Considerando que não existe garantias de sucesso na operação, o alto investimento pode ser em vão. Alguns migrantes relatam que seus coiotes ofereceram a possibilidade de tentar por duas ou três vezes pelo mesmo valor – no entanto, isso não é uma regra.
O terceiro elemento fundamental é a correlação de forças imposta pela multidão migrante à comparação dos pequenos grupos clandestinos. O fluxo massivo aos olhos do mundo exige de organizações, entidades e governos de todas as instâncias respostas para problemas antigos e que não haviam sido enfrentados como se deve. As caravanas demonstram a incapacidade em gerar condições dignas para evitar o êxodo e as sucessivas políticas repressivas e fracassadas na maneira de lidar com aqueles que não cumprem com os requisitos mínimos para poder ingressar aos Estados Unidos com os papeis em dia. Na opinião do religioso e ativista de El Progreso, Ismael Moreno, a caravana poderia ser algo político, mas seus protagonistas não buscam uma transformação da sociedade – se sentem abandonados pelo capitalismo.
Como se organizam as caravanas migrantes?
Já existiam os grupos de WhatsApp organizando-se quando o post de Fuentes foi publicado. O seu impacto maior foi concretizar uma data para que a primeira caravana se reunisse. Quando perguntado pelos meios se era um coyote, Fuentes nega, respondendo que “dizia a eles (migrantes) que não deveriam ir, que teriam que ficar para mudar o país. Mas, uma vez que haviam decidido, que se deve fazer? Abandoná-los?”.
A primeira caravana de 2018 foi formada em San Pedro Sula (Honduras) a partir de um chamado público cujos letreiros diziam: “Auto-convocamos: Caminhada do migrante. Não vamos por querer: nos expulsa a violência e a pobreza”. A caminhada iniciada com um pequeno grupo de 160 pessoas foi recebendo novos interessados ao longo do percurso e, em nove dias, já contava com cerca de 2.000 pessoas.
As redes sociais são uma das principais ferramentas para a comunicação entre aqueles que estão dispostos a se juntar a uma caravana. Estima-se que cerca de 300 hondurenhos emigrem todos os dias de seu país natal em direção aos Estados Unidos. As páginas organizadoras nas redes sociais permitem divulgar informações necessárias para que essas pessoas não tenham que enfrentar o caminho sozinhas e tenham mais chances de chegar “do outro lado”.
Diante da magnitude da caravana, diferentes governos buscavam culpados para a situação. Naquele ano de 2018, um nome ressoou como aquele “por trás” da fuga em massa do país centro-americano: o jornalista, político e ativista hondurenho Bartolo Fuentes. O ex-deputado pelo partido Liberdade e Refundação (Libre) é um conhecido defensor dos direitos dos migrantes e acompanhou a primeira caravana até a Guatemala, onde foi preso e deportado. Sobre as diversas acusações feitas, inclusive, pelo próprio governo de seu país, Fuentes chegou a declarar que estavam “buscando bodes expiatórios para não reconhecer que em Honduras se vive uma tragédia humana terrível”.
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